terça-feira, 19 de novembro de 2019

Joel Pinheiro da Fonseca Vacinas da mente, FSP (Definitvo)

Não por acaso a desinformação cresce junto com o acesso à informação

O sarampo não deveria mais ser um problema para nós. Em 2016, o Brasil recebera da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) o certificado de eliminação do sarampo. E, no entanto, a doença voltou. Primeiro no Norte, depois em São Paulo, e agora o Rio de Janeiro também sofre com um novo surto da doença. E o pior é que não somos só nós: países ricos da América do Norte e Europa também veem seus casos de sarampo aumentarem.
No Brasil, de educação precária, a baixa taxa de vacinação tem muito mais a ver com falta de informação e dificuldade dos serviços do Estado em chegar a todos. Mas o que dizer de países desenvolvidos e com educação de qualidade para todos? Neles, a desinformação —ou seja, conteúdos pseudocientíficos que tentam persuadir as pessoas de que vacinas são nocivas— têm um papel muito maior.
argumentação antivacina corre pelos mesmos lugares comuns de todo extremismo, político ou não: as instituições que governam a vida em sociedade (Estado, órgãos de imprensa, universidades, grandes empresas) são irremediavelmente corrompidas e divulgam mentiras à população. As terapias alternativas e naturais não são páreo para o lucro da indústria.
Não é coincidência que a desinformação cresça junto com o acesso fácil e rápido das pessoas à informação. É essa abundância de informação e facilidade na comunicação que permite a qualquer um rejeitar os canais institucionais e profissionais e se fechar em uma bolha que apenas reforça aquilo que ela quer que seja verdade, levando ao extremismo.
O que leva alguém a aderir à crença antivacina —ou similares, como o terraplanismo e os extremismos políticos com suas conspirações e fake news— não é um problema intelectual. Não é algo que possa ser sanado com um bom argumento, com uma checagem de fatos, com dados (embora eu goste de crer que um treinamento em pensamento crítico deixaria a pessoa menos suscetível). Quem não quer ser convencido sempre encontrará um motivo para manter a própria crença. “Mas você não sabe que é a indústria farmacêutica que governa a produção científica?”
O problema reside na vontade: no desejo de rejeitar as instituições dominantes na sociedade. É um jeito de afirmar o próprio valor perante uma sociedade que nunca o reconheceu devidamente. O resto —os argumentos que a pessoa repete— é consequência.
Num caso como o da vacina, está bem claro que um lado está certo e o outro errado. E, mesmo assim, não adianta brandir argumentos científicos e credenciais de autoridade. Os dias em que cientistas, professores, jornalistas e outros detentores e divulgadores de informação podiam contar com a boa-fé do público passaram e não voltarão tão cedo. Afirmar a própria autoridade —mesmo que seja legítima— apenas corrói a credibilidade num espaço público em que todos se julgam iguais em conhecimento e entendimento.
É preciso encurtar as distâncias, aproximando o cidadão comum do fazer científico, de seus profissionais, falando numa linguagem que ele entenda e que o faça se sentir parte de um mesmo grande projeto. Mostrar que no laboratório, na redação e na universidade há pessoas como ele e que falam de igual para igual. Se essa confiança básica for perdida, há muitos oportunistas prontos a ludibriá-lo; sempre com argumentos pífios, mas alimentando suas veleidades. A vacina dos corpos pode —e deve— ser compulsória; medida que a Alemanha sabiamente decidiu tomar. Já imunização das mentes depende da cooperação voluntária de ambas as partes.
 
Joel Pinheiro da Fonseca
Economista, mestre em filosofia pela USP.

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