Ao Supremo Tribunal Federal cumpre a difícil missão de guardar a Constituição. Não é sua atribuição corrigir o poder constituinte, por mais que seus ministros discordem de seus dispositivos. A tarefa de corrigir a Constituição só cabe ao Congresso Nacional e, mesmo assim, dentro dos estritos limites estabelecidos pela própria Constituição.
Nesse sentido, mais do que correta a decisão do STF que declarou constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, uma vez que esse dispositivo, que proíbe a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, encontra-se em absoluta conformidade com a letra da Constituição, ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.
Ainda que tardia, a decisão do Supremo restabelece o direito dos réus, inclusive do ex-presidente Lula, de aguardar em liberdade o julgamento dos recursos que se encontrem pendentes, pois é isso que determina a Constituição.
Por mais que se discorde da opção de política criminal escolhida pela Constituinte em 1988, o seu significado é simples: enquanto houver a disponibilidade de recursos, a pessoa não dever ser considerada culpada e, salvo em circunstâncias excepcionais, não poderá ser presa. O Supremo apenas confirmou o que está expresso na Constituição.
Esse é, de fato, um modelo bastante problemático. O Congresso Nacional perdeu uma oportunidade de ouro de racionalizar nosso sistema de Justiça em 2011, quando o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cesar Peluso, compareceu ao Senado Federal para propor a chamada PEC dos Recursos.
Como reconhecia o ministro “temos um sistema jurisdicional perverso e ineficiente”, que retarda a prestação de justiça, em função da existência de um modelo recursal irracional.
De um lado, esse sistema prejudica pessoas que, mesmo após terem seus direitos reconhecidos por juízas e tribunais, chegam a aguardar décadas pela manifestação de um tribunal superior ou do próprio Supremo Tribunal Federal, para receber o que lhes é de direito.
De outro lado, o sistema permite que a aplicação da pena daqueles que já foram condenados em primeira e segunda instâncias possa ser procrastinada, favorecendo a percepção de impunidade e muitas vezes incentivando a vingança privada.
Para reverter esse quadro, o ministro Peluso propunha, de maneira engenhosa, reformar a Constituição, transformando recursos especiais e extraordinários em ações constitucionais rescisórias. O efeito dessa mudança seria antecipar a coisa julgada.
Tomada a decisão de segunda instância, a sentença poderia ser executada. A PEC 15/2011 não impediria, no entanto, o direito de acesso aos tribunais superiores ou ao STF, seja por intermédio das novas ações rescisórias ou por remédios constitucionais tradicionais, como o habeas corpus.
A PEC dos Recursos sucumbiu à pressão dos litigantes recorrentes —que fazem do descumprimento da lei e da lentidão da Justiça um bom negócio—, e ao próprio interesse de setores da máquina pública que se viram ameaçados com a possibilidade de ter que cumprir suas obrigações antecipadamente.
O sistema de Justiça brasileiro tem muitas mazelas que precisam ser enfrentadas, mas não se pode aceitar que sejam tomados atalhos constitucionais para sua correção. Por isso, fez bem o Supremo Tribunal Federal em assumir a responsabilidade de rever o seu próprio erro.
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