sábado, 9 de novembro de 2019

O anúncio foi um erro, diz autor da questão decisiva para Queda do Muro, FSP QUEDA DO MURO, 30

Jornalista alemão busca reconhecimento por pergunta histórica, creditada a repórter italiano

BERLIM
Após 30 anos, Peter Brinkmann enfim sorri. “Eu fiz a pergunta decisiva”, diz o jornalista alemão, sem esconder a satisfação de falar sobre a Queda do Muro de Berlim a colegas de outros países, Folha incluída, como convidado de honra do governo de seu país.
A pergunta que fez em 9 de novembro de 1989 era simples: “Quando passa a valer? Imediatamente?”. O alvo era o membro do Politburo da antiga Alemanha Oriental responsável por explicar aos repórteres como se daria a flexibilização das autorizações de viagens para cidadãos do então leste comunista do país.
Günter Schabowski, porta-voz do Politburo da Alemanha Oriental, em entrevista coletiva que entrou para história 
Günter Schabowski, porta-voz do Politburo da Alemanha Oriental, em entrevista coletiva que entrou para história  - Stringer-9.nov.1989/DPA/AFP
Günter Schabowski, o burocrata em questão, se enrolou com uma série de papéis que não traziam a resposta sobre o trânsito sem passaporte. “Isso passa a valer, na minha opinião, agora, instantaneamente”, balbuciou, disparando o processo que derrubou o Muro de Berlim.
“Foi inacreditável. O anúncio foi um erro”, conta o veterano repórter de 74 anos que estava a serviço do tabloide Bild, hoje aposentado. Só que a história nem sempre reconheceu essa narrativa.
Nas décadas que se seguiram à atabalhoada Queda do Muro, a fama pertenceu quase exclusivamente a Riccardo Ehrman, hoje com 80 anos, jornalista italiano da agência Ansa. Há um motivo para isso.
A entrevista das 18h daquele dia tinha tudo para ser mais uma tediosa série de anúncios explicitando a dificuldade que o governo comunista tinha para lidar com o fluxo de 2.000 pessoas que vinham fugindo de seu país por outras fronteiras vizinhas, como Hungria e Áustria, para a então Alemanha Ocidental capitalista.
Só que naquela semana a então Tchecoslováquia havia anunciado que iria fechar a fronteira, e a matriz do império comunista em Moscou pretendia abrir uma saída única, controlada, no sul alemão.
Daí a flexibilização que seria anunciada na forma da entrega gratuita de vistos a quem quisesse ir ao lado capitalista, mas que Schabowski acabou por acelerar sem querer.
A fama de Ehrman no episódio decorreu de uma qualidade profissional e de um lance do acaso. De fato, ele merece o crédito por ter disparado a primeira questão sobre a regulação das viagens, 53 minutos depois do início da entrevista.
Na confusão, Schabowski acabou confrontado por Brinkmann e suas perguntas. Só que ele estava fora do enquadramento das câmeras de TV, então apenas sua voz no meio da balbúrdia foi ouvida. A imagem fixada do episódio acabou sendo a do italiano.
Em 2008, o italiano recebeu uma condecoração do governo alemão por seu trabalho em prol da unidade do país, o que levou Brinkmann a começar uma campanha para recuperar sua versão daquele dia.
Até agora não ganhou medalha, mas foi o nome escolhido pelo governo alemão para dar um testemunho a um grupo de jornalistas estrangeiros em Berlim, no fim de setembro.
Ele conta que Schabowski não parecia ter conhecimento exato sobre o que seus chefes tinham decidido.
“Mas não sabíamos disso, embora eu tenha chegado três horas antes porque estava com a sensação de que algo importante podia acontecer. Deixei meu lugar guardado na primeira fileira com um lenço”, disse.
Assim que o “imediatamente” saiu da boca do burocrata, os repórteres se agitaram e correram para telefones públicos no centro de imprensa e para suas redações —era uma época sem notícias em tempo real, internet ou celulares.
Os telefones precisavam de autorização da Stasi, polícia secreta, para serem acionados e, presumivelmente, terem seus grampos acionados. Ainda assim, a agência Reuters deu o furo, jargão para notícia em primeira mão, às 19h02, dois minutos após o fim da confusa entrevista.
Nela, Brinkmann ainda perguntou se a abertura de fronteiras valia também para Berlim, cidade dividida incrustada na porção comunista da Alemanha. Schabowski assentiu com a mesma insegurança.
Em pouco tempo, a notícia chegou a Bornholmer Strasse, um dos principais pontos de cruzamento entre as duas metades da hoje capital da Alemanha unificada —naquele tempo, apenas o era da Alemanha Oriental. Os guardas do lado comunista deixaram a multidão passar. Começaram então as cenas conhecidas até hoje.
Riccardo Ehrman não concorda com a visão de Brinkmann. Em entrevista há duas semanas ao americano The Wall Street Journal, ele reafirma que foi seu diálogo com Schabowski que derrubou o muro na prática, e que as perguntas do colega alemão eram complementares às suas.
“Era uma conversa entre mim e Schabowski, o que Schabowski admite”, afirmou ao jornal. O antigo burocrata não pôde conceder entrevistas por estar hospitalizado.
A celeuma é saborosa nota de rodapé na história épica. E exemplifica como alguns muros, como o da vaidade profissional, são mais difíceis de derrubar do que outros, mesmo 30 anos depois.
O jornalista viajou a convite do governo alemão

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