Em estudo, ex-futebolistas receberam cinco vezes mais medicações para demências
Praticar esporte faz bem à saúde, mas bater a cabeça traz problemas.
Na década de 1990, foi publicado o primeiro estudo a mostrar que atletas profissionais de futebol americano, que haviam jogado pelo menos cinco anos, apresentavam índices mais baixos de mortalidade do que homens da mesma faixa etária, na população geral.
A mortalidade por doenças neurodegenerativas, no entanto, era 3,2 vezes mais alta. Os riscos de morrer por Alzheimer ou por esclerose lateral amiotrófica, a ELA —doença que causa paralisia progressiva dos músculos— praticamente quadruplicavam.
Apesar da relevância desses achados, houve poucas pesquisas até a última década, quando surgiram casos de ex-profissionais com quadros de disfunção cognitiva grave e atrofia cerebral, classificados como encefalopatia traumática crônica.
Resultante de concussões repetitivas e assintomáticas na prática de esportes de contato, esse transtorno se instala no decorrer de décadas, levando ao comprometimento da função mental, depressão e dificuldades motoras, como a falta de equilíbrio. Nas situações mais dramáticas, há aumento do número de suicídios.
O risco de encefalopatia traumática é maior nos jogadores de futebol americano escalados para as posições que os obrigam a correr com mais velocidade e a se chocar com maior impacto contra os adversários.
Acaba de ser publicado na prestigiosa The New England Journal of Medicine um estudo, realizado desta vez com atletas profissionais do futebol que praticamos.
Pesquisadores escoceses compararam os índices de mortalidade de 7.676 ex-jogadores profissionais de futebol com os de uma população comparável de 23.028 homens, numa pesquisa patrocinada pela Football Association and Professional Footballers’ Association, da Escócia.
Depois de 18 anos de observação, foram contados 1.180 mortes entre os ex-jogadores e 3.807 no grupo-controle.
Até os 70 anos de idade, a mortalidade por todas as causas reunidas foi mais baixa nos ex-jogadores, provável reflexo da redução da prevalência da obesidade e do fumo entre eles. Daí em diante, houve inversão: a mortalidade do grupo-controle se tornou mais baixa.
Mortes por infarto do miocárdio e câncer de pulmão foram menos frequentes entre os ex-jogadores, mas a mortalidade por doenças neurodegenerativas mais do que triplicou (1,7% contra 0,5%).
Os ex-futebolistas profissionais receberam cinco vezes mais medicações para tratamento de demências do que os participantes do grupo-controle. O índice de mortalidade por neurodegenerações em goleiros não foi mais baixo do que entre os demais defensores e os atacantes, posições mais sujeitas a choques e cabeçadas.
Encefalopatias traumáticas crônicas já foram descritas em boxeadores e praticantes de diversas modalidades esportivas que envolvem contato e pancadas na cabeça. O trabalho conduzido com futebolistas profissionais, na Escócia, confirmou os achados de outros estudos que encontraram mortalidade geral mais baixa em ex-atletas, porém maior prevalência de mortes por Alzheimer, ELA e encefalopatias traumáticas.
Em algumas séries de autópsias realizadas em profissionais de futebol e de rúgbi, alterações patológicas consistentes com esse tipo de encefalopatia foram diagnosticadas em 75% dos ex-jogadores, mas a relação desses achados com a instalação de quadros demenciais não está clara.
Calcula-se que um jogador profissional cabeceie a bola de seis a 12 vezes por partida, eventos que somados aos dos treinamentos podem chegar a mais de mil durante a carreira. Há evidências de que choques repetidos da bola de futebol contra a cabeça podem modificar a bioquímica cerebral, interferir na integridade da substância branca e na espessura da substância cinzenta, camada encarregada das funções nobres que nos diferenciam dos outros animais.
Futebol é o esporte mais popular do mundo, praticado em mais de 200 países por centenas de milhões de pessoas que se beneficiam da redução do risco de doenças cardiovasculares e câncer, duas das principais causas de morte.
Não há demonstração de que a prática amadora tenha repercussões neurológicas.
As conclusões do estudo escocês não valem para mulheres nem para boleiros de fim de semana. Não existe motivo para preocupação dos pais: as atividades esportivas —inclusive a do futebol— devem ser incentivadas, por causa dos inúmeros benefícios à saúde.
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