Para dar aos jovens, governo nega aos velhos
Em suas memórias, Adolfo Bioy Casares conta que, ao ver num restaurante um velho de cabelo pintado, pensou em escrever um ensaio sobre a decrepitude. Movida pelas artimanhas da imaginação, a ideia acabou se transformando num relato fantástico, em que jovens atléticos e cruéis perseguem, durante uma semana de insanidade, velhos flácidos e mansos, os quais são chamados por seus algozes de "porcos".
Lançado em 1969, a novela "Diário da Guerra do Porco" é uma espécie de manual do extermínio --jovens pobres matando velhos pobres em uma cidade havida como civilizada: Buenos Aires. Se a ação se desenrolasse no Rio de hoje ou em São Paulo, alguém se espantaria?
Como notou Antonio Callado num artigo publicado na Folha em 1995, Bioy Casares poupa o leitor ao não descrever os linchamentos. Mas sugere causas possíveis para o horror: "Calcule o número de velhos que se acumularão e o peso morto de sua opinião no manejo da coisa pública. Acabou a ditadura do proletariado para dar lugar à ditadura dos velhos. O que me irrita nessa guerra do porco é o endeusamento da juventude".
A questão não escapa à equipe econômica de Paulo Guedes. A medida provisória que cria o programa Verde e Amarelo (salve o altruísmo patriótico!) reduz a tributação sobre empresas que contratarem jovens de 18 a 29 anos. Mas, à última hora, retirou-se do projeto o trecho que daria as mesmas vantagens para a contratação de pessoas acima de 55 anos. Não satisfeito, o governo apertará o cerco contra as ações na Justiça que ampliam a concessão de benefícios para impedir a pobreza absoluta na velhice.
O mais maluco é que, para financiar o programa de emprego, a MP pretende tirar dinheiro de quem recebe seguro-desemprego. Um incentivo a outras guerras que estão aí: empregados contra trabalhadores informais, e estes contra desempregados. Haja sinal de arminha.
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