Denúncias de violação de direitos humanos em minas leva indústria a criar maneiras seguras de rastrear minério usado em baterias
SÃO PAULO
O mercado de baterias de íon-lítio tem crescido exponencialmente durante os últimos anos, puxados principalmente pelo mercado de carros elétricos na China e no mundo.
Em 2018, a frota global atingiu 5,1 milhões de automóveis, mais do que o dobro do ano anterior, quando 2 milhões de carros foram produzidos, segundo a Agência Internacional de Energia.
Mas se a eletrificação dos veículos atende ao discurso de um mundo mais sustentável, a indústria de baterias ainda enfrenta um problema para poder se proclamar “politicamente correta”.
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Para produzir energia, o lítio reage com uma série de elementos nas baterias. Um deles, utilizado em larga escala na indústria, é o cobalto.
A demanda do metal tem crescido no mesmo ritmo das baterias. A consultoria Benchmark Mineral Intelligence estima que o uso deve crescer de 115 mil toneladas, em 2018, para 345 mil toneladas em 2038.
O setor automobilístico é o maior consumidor. Em 2018, segundo a consultoria Roskill, 70% das baterias produzidas no mundo em 2018 foram para a indústria automotiva. Em 2010, a participação era 6%. A China é o principal mercado consumidor.
A República Democrática do Congo é o principal produtor de cobalto do mundo, responsável por extrair 78% do mineral do planeta. É lá que a indústria de baterias tenta evitar seu “diamante de sangue”.
Em 2016, a Anistia Internacional denunciou a ligação entre minas de cobalto no sul do Congo que desrespeitavam direitos humanos e grandes empresas de tecnologia que consumiam a matéria-prima.
O relatório da organização citava crianças que ganhavam entre US$ 1 e US$ 6 por dia (cerca de R$ 4,15 a R$ 30) para carregar sacos de terra em jornadas de 12 horas e garimpeiros sem nenhum equipamento de segurança, além de mais de 80 mortes em menos de um ano por acidentes de trabalho.
“A questão é que é muito difícil de rastrear o cobalto ao longo da cadeia de fornecimento, então a indústria de baterias pode, inadvertidamente, estar comprando material proveniente desse tipo de mineração”, afirma Caspar Rawles, analista sênior da Benchmark Mineral Intelligence.
Segundo ele, apesar de o material ilegal ser uma pequena porcentagem na produção, na falta de uma cadeia rastreável, o risco de esse material acabar em equipamentos como celulares e baterias é muito grande.
Empresas do setor se mobilizam agora para criar uma cadeia segura de rastreamento do metal usando tecnologia blockchain.
Uma parceria entre as empresas IBM, Ford, LG Chem e Huayou Cobalt e a auditoria RCS Global testa um projeto-piloto que monitora cada movimento do minério na cadeia produtiva em um registro digital criptografado e inviolável, o blockchain.
A auditoria certifica as condições de trabalho da mineradora, que registra no sistema o lote comercializado segundo suas características minerais únicas. Na refinaria, esse lote é processado e sua entrada e venda registrada novamente no sistema.
“O piloto está em teste, a intenção é expandir para outros minérios e também para pequenas fornecedoras. As pequenas mineradoras, que operam legalmente, têm dificuldade de provar a segurança dos seus recursos e fechar contratos com grandes consumidores. O blockchain pode ajudá-las nisso”, comenta Carlos Rischioto, líder técnico de blockchain da IBM Brasil.
Dessa maneira, o usuário final, a montadora, consegue rastrear de qual mina veio o cobalto utilizado nos seus carros. A criptografia evita fraudes como esquentar material ilegal com documentação falsa.
A Tesla também já fez seu movimento, seus carros elétricos de luxo diminuíram a quantidade do metal nas baterias ao longo dos anos. O primeiro modelo, em 2009, demandava 11 kg de cobalto por unidade. O lançamento de 2018 requer 4,5 kg.
A Panasonic, que disputa a liderança do mercado de baterias de íon-lítio com a LG Chem, e é fornecedora exclusiva da Tesla, anunciou em 2018 que pretende desenvolver baterias sem cobalto nos próximos anos.
Mas a meta parece estar distante. Segundo a Reuters, citando fontes da indústria mineral, a empresa pretende triplicar a demanda pelo metal até 2025. À agência, a Panasonic disse que não revela planos para o futuro.
A estratégia é uma maneira de se proteger de flutuações do preço do cobalto, que responde à alta demanda e oferta mais escassa após contratos em larga escala de refinarias com minas congolesas.
“Vemos movimentos de grandes players para tentar travar sua cadeia de suprimentos. Há uma série de mineradoras na RDC que trabalham sem garimpo. Uma vez que o material delas esteja com a venda já comprometida, será mais desafiador para outras indústrias comprarem material sustentável no mercado”, diz Rawles.
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