domingo, 10 de novembro de 2019

Democracia qwerty, FSP

Paulo Guedes apresentou bode vistoso ao propor extinção de municípios com pouca sustentabilidade financeira

SÃO PAULO
Ciente das dificuldades do governo para unificar forças no Congresso, o ministro Paulo Guedes optou por apresentar um pacote de medidas econômicas cuja marca é a redundância (com inevitáveis contradições) e que se faz acompanhar de um belo rebanho caprino. Um dos bodes mais vistosos é a proposta de extinção de municípios com pouca sustentabilidade financeira.
O problema é real. Estima-se que 80% das 5.570 cidades brasileiras não arrecadem, através de impostos municipais, nem 10% do que gastam. Para os políticos locais, é mais fácil sobreviver de repasses feitos pela União e por estados do que indispor-se com o eleitor aumentando as alíquotas de IPTU, ITBI e ISS, os três tributos sob seu controle.
O remédio sugerido por Guedes é homeopático. Ele limita a poda municipal às 1.253 cidades com menos de 5.000 habitantes (22,5% do total). Pela PEC, elas teriam até 2023 para fazer com que os impostos locais gerem ao menos 10% das receitas. As que não conseguissem teriam de incorporar-se a um dos municípios limítrofes até 2025.
É difícil, porém, que mesmo essa ultradiluída solução seja aprovada pelo Congresso. A proliferação de municípios, que se agudizou sob o viés descentralizador da Constituição de 1988, provavelmente foi um erro, mas é um daqueles erros que não têm volta fácil, como a estrutura tributária brasileira e o teclado tipo qwerty.
Embora ruins, tais sistemas sobrevivem porque as pessoas já estão habituadas a eles e abandoná-los demandaria muita energia. Qual é o deputado federal que vai bater de frente com dezenas de prefeitos e centenas de vereadores de seu estado, que sempre podem ajudar numa reeleição?
A democracia é qwerty. Por privilegiar o possível (em oposição ao ideal), ela frequentemente gera resultados subótimos, com os quais precisamos depois conviver, já que as alternativas à democracia se mostraram todas bem piores do que ela.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

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