segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Lula está em São Bernardo, Celso Rocha de Barros, FSP

Enquanto o petista estava na prisão, a democracia brasileira se deteriorou muito

Lula está livre, está em São Bernardo. Em um quadro de radicalização criado pelo bolsonarismo, muita gente tem medo de que a entrada em cena de um líder carismático de esquerda crie a mobilização popular que Bolsonaro sonha reprimir com um novo AI-5.
Antes de discutir se a radicalização vai ou não aumentar, alguns esclarecimentos são necessários. Tem gente razoável com medo de radicalização, e radicalização é ruim mesmo. Mas boa parte dos apavorados é da turma que, nos últimos três anos, apostou em um impeachment e dobrou a aposta elegendo um defensor do Ustra. Se esses forem os moderados, estamos mal.
E a tentativa de dizer que Lula e Bolsonaro representam riscos iguais para a democracia é ridícula. Lula nomeou ministros do Supremo que decidiram contra ele e contra o PT diversas vezes. Sob Bolsonaro, PGR passou a significar “Pra Gaveta Rápido”.
Lula lidou com imprensa hostil por oito anos e, à exceção do episódio vergonhoso contra Larry Rohter, limitou-se a xingar a mídia. Bolsonaro trabalha o dia inteiro para estrangular financeiramente a imprensa livre.
Quando tinha 80% de popularidade, Lula poderia ter facilmente mudado a lei para se eleger uma terceira vez, mas não o fez. Deem 80% de popularidade e um superciclo das commodities para Bolsonaro e vejam o que ele faz com a democracia.
Há mesmo alguns incentivos no ar para a radicalização de esquerda. No poder, o PT foi severamente limitado pelo Congresso, pelos tribunais e pela imprensa. Bolsonaro está tentando destruir tudo isso.
Bolsonaro está corroendo as instituições em que o PT era fraco. Se isso acontecer, pode ser que um futuro governo de esquerda, sem instituições que o limitem, ache o radicalismo tentador. 
Mas talvez seja errado ler a semana passada como momento de radicalização. Afinal, Lula não foi solto por pressão da esquerda.
decisão do STF pode ser mais uma manifestação da reacomodação política em curso no Congresso, do pacto de governabilidade negociado no primeiro semestre. Dias Toffoli só colocou a segunda instância em julgamento porque sabia que era seguro.
Essa reacomodação, diga-se, parece inevitável. Nós, brasileiros, encaminhamos muito mal a Lava Jato politicamente, quaisquer que tenham sido as realizações positivas da operação. Deixamos que se inaugurasse um ciclo de linchamentos seletivos altamente manipuláveis.
Vaza Jato mostrou que houve abusos. Durante o processo, Lula virou o bode expiatório do sistema, e isso foi errado. Um grande movimento cívico que termina com Moro ministro de Bolsonaro descarrilhou em algum momento.
Lula pode ter todo interesse do mundo em incendiar o bolsonarismo, mas não sei se tem interesse em incendiar a reorganização da política brasileira.
Será necessária uma reflexão depois do reencontro de Lula com a militância. Lula ficou um ano e meio na prisão, e não foi um ano e meio qualquer: a democracia brasileira se deteriorou muito. Xingar a mídia em 2010 era inofensivo, agora não é: a mídia está, de fato, sofrendo perseguição política e econômica do governo Bolsonaro.
Lula vai ter que aprender a fazer oposição nesse novo cenário. Ele não é mais o Lula de 1978, que podia contar com Ulysses conduzindo a transição.
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Nenhum comentário: