segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Nova legislação poderá proibir que água do lençol freático seja descartada na sarjeta em Mogi, O Diário

Diariamente, uma grande quantidade de litros d’água é liberada diretamente na sarjeta por edifícios construídos no Centro. Por enquanto, a situação não é ilegal, mas o novo Código de Obras exigirá outras soluções para a utilização do líquido de lençóis freáticos rebaixados durante as obras de construção. A intenção da Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo é coibir o lançamento dos verdadeiros rios de água que não é reaproveitada, pelo menos em futuras edificações.
Como não é algo proibido por lei, não é difícil encontrar ruas inteiras cujas sarjetas são acompanhadas pela água, que, em alguns pontos acumula-se, ficando convidativa para mosquitos como o Aedes aegypti, que transmite doenças como febre amarela, dengue, chikungunya e zika. Além disso, quando corrente, o líquido prejudica a mobilidade dos transeuntes, sem falar do desperdício de um recurso natural finito.
Um desses pontos é na Rua Presidente Rodrigues Alves, no Edifício Villa Lobos, próximo do antigo cartório eleitoral, e outro fica na Rua Major Pinheiro Franco, onde o edifício Amaranto libera água na sarjeta entre uma e duas vezes por dia, pela lateral do prédio. O líquido deveria correr pela própria Major Pinheiro Franco, porém, há, na esquina, uma pequena elevação de concreto, que desvia a água para a Rua Conceição Malloze, para depois chegar à Rua Navajas.
Quem conta as dificuldades enfrentadas nessas ruas é a professora Valéria Melo Freire, 60, que tomou conhecimento do problema há anos, já que seus pais, na faixa dos 80 anos, moram na Rua Navajas. “O prédio em que meus pais moram é antigo, e não tem muitas vagas na garagem. Por isso, há necessidade de estacionar fora, mas é preciso estar grudado na guia, para não ter que pisar na água ao descer”, diz ela.
Essa não é a única reclamação de Valéria, que diz que o acúmulo de água pode levar a acidentes, principalmente queda de idosos e pessoas com mobilidade reduzida. “Além disso, vivemos recentemente uma forte crise hídrica, e temos que continuar poupando, porém ali há o desperdício de muita água limpa”, completa a professora, que revela já ter feito solicitações para a análise da situação pelo menos seis vezes na ouvidoria da Prefeitura, sem obter nenhum retorno.
Para entender o que ocorre no local, e também em outros pontos do Centro que apresentam o mesmo quadro, O Diário conversou com a administração pública e com engenheiros, que explicaram que o procedimento é absolutamente normal. Trata-se de água vinda de lençóis freáticos, rebaixados para a construção no subsolo, situação permitida por lei.
“A presença de lençóis freáticos se dá pela proximidade com o Rio Tietê e outras áreas da várzea dessa bacia. E só tem como encontrá-los ao cavar a terra”, diz o secretário municipal de Planejamento e Urbanismo, Cláudio de Faria Rodrigues. “Lençóis são formados pela infiltração da chuva no solo. A água infiltra-se até atingir uma camada de material impermeável, formando como se fosse um rio subterrâneo. Quando há alguma construção nesse nível, como estacionamentos, o fluxo de água é interrompido, o que é tecnicamente chamado de rebaixamento do lençol freático”, completa o arquiteto e integrante da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Mogi das Cruzes (AEAMC) Paulo Pinhal.
A água proveniente dos lençóis então é bombeada e armazenada, e assim que os reservatórios dos prédios enchem, o líquido é liberado para as sarjetas, “a fim de se misturar com outras águas de chuva ou contaminadas e voltar para o rio, fechando assim o ciclo hidrológico”, como explica Pinhal.
Dessa forma, a água que se vê nas sarjetas não é suja, mas também não é exatamente limpa, sendo imprópria para o consumo. O caminho ideal, na visão do engenheiro Jurandir Bianchi, diretor da construtora J Bianchi, responsável pelo edifício Amaranto, é que “a água que ultrapassa o limite do tanque de retardo vá para sarjeta, e depois para uma boca de lobo, e depois para um córrego, retornando então à natureza”.
No edifício Amaranto, Jurandir garante que parte da água é reutilizada, mas embora reconheça a existência da elevação de concreto que desvia a água da Major Pinheiro Franco para a Conceição Malloze, nega que ela tenha sido feita pela construtora. “Não sei quem fez o desvio, mas não fomos nós”. Por outro lado, a assessoria da Prefeitura também desconhece a autoria da pequena lombada, que indigna a professora Valéria Mello Freire. E assim segue o mistério.
Para além dessa questão, porém, há nessa história outro impasse, já que não cabem multas e quaisquer penalizações para edificações antigas que apresentam o quadro. A solução, para o secretário de Planejamento, é que as adequações sejam feitas pela administração de cada prédio. “Vai do grau de consciência de cada um em tempos em que temos escassez de chuva e a necessidade de água”.
Rodrigues afirma que os técnicos responsáveis pelas obras “já poderiam ter considerado formas sustentáveis para o uso racional da água” durante a execução dos projetos hidráulicos, porém, nos endereços em que isso não acontece, a dica é trabalhar o reuso da água, como para lavar jardins, pátios e outras áreas comuns. “Tanto a sociedade quanto a Prefeitura tem que unir esforços para ações sustentáveis aproveitando os sistemas hidráulicos de cada prédio”, resume ele, ao afirmar que a Secretaria de Planejamento está à disposição para receber as construtoras, condôminos e síndicos para estabelecer soluções para os problemas já existentes.
Já para novas edificações, o cenário deve mudar em breve. Isso porque recentemente foi aprovado na Câmara Municipal o novo Código de Obras e Edificações (COE), dispositivo com normas gerais e específicas para o setor de construção civil, que agora passará para a sanção do prefeito Marcus Melo (PSDB).
No código, que deve entrar em vigor no início deste ano, o secretário afirma que para novas edificações “será vedado o lançamento águas pluviais na sarjeta, terrenos adjacentes ou no passeio publico, devendo a água ser lançada diretamente na rede de drenagem subterrânea, que já leva o líquido para o destino final”.
Por enquanto, porém, resta apenas estabelecer diálogo entre os edifícios e a administração pública. E vale lembrar que os cidadãos podem solicitar fiscalizações em pontos específicos utilizando a ouvidoria geral da Prefeitura, pelo número 156.
Projeto deveria prever o reuso do recurso
Como destaca Paulo Pinhal, arquiteto e integrante da Associação dos Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Mogi das Cruzes (AEAMC), “a água que vem do lençol freático não é própria para o consumo, e seu uso para outros fins deve ter autorização do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE)”. Ele entende que os edifícios que despejam água não estão errados, porém acredita que “os projetos arquitetônicos deveriam prever reuso desta água para lavar pisos e mesmo uso em vasos sanitários”.
Em outras palavras, são necessárias ações sustentáveis. “Se o despejo é inevitável e os custos de reuso são altos, pois exigem instalações hidráulicas distintas de outras, os projetos deveriam prever algum tipo de tubulação que pudesse conectar diretamente as bocas de lobos das águas pluviais, evitando assim o seu despejo sobre a calçada”, sugere Pinhal.
Para o arquiteto, então, a sustentabilidade deve ocorrer na “concepção do projeto arquitetônico”, o que “antecede a própria execução”. Assim, “decisões de rebaixamento de lençol freático devem ser avaliadas caso a caso”.
Uma das saídas, como encontrado por um edifício comercial na Rua Coronel Souza Franco, é reutilizar a água para fins estéticos. Por lá, há um espelho d’água que funciona como aquário, aproveitando o líquido que vem de uma nascente. “Temos um tanque com capacidade para 6 mil litros, mas o volume de água é bem maior: são cerca de 200 mil litros em 24 horas, que utilizamos também para limpeza e outros fins”, conta o proprietário do ponto, Galdino Iague Júnior, 75.
Ausência de bocas de lobo dificulta a solução de casosQuando procurado por O Diário para esclarecer o lançamento de água na sarjeta do edifício Amaranto, o engenheiro Jurandir Bianchi, diretor da construtora J Bianchi, lembrou de um grande problema: “Não temos outro lugar para jogar a água, mas dali deveria ir para uma boca de lobo e voltar para a natureza, e o que acontece é que não tem um bueiro próximo”. Essa ausência é uma verdade, como comenta o Secretário de Planejamento de Mogi, Cláudio de Faria Rodrigues.
“Mogi é uma cidade antiga, que vem sendo modernizada de acordo com a disponibilidade de recursos. Há realmente uma carência no sistema de drenagem da área central, mas existem bairros que ainda não têm o que o Centro tem, e acabam sendo priorizados”, diz o secretário. Para Rodrigues, por mais distantes que as bocas de lobo estejam, no Centro “não há mais pontos tão críticos de inundação”, e por isso outras áreas, afastadas e carentes, têm preferência para “ações de incremento”.
O secretário destaca, porém, obras de modernização na área central, como uma revitalização na Rua Professor Flaviano de Melo, em 2015: “este trecho não atendia toda a necessidade de águas pluviais atuais, então ganhou um sistema de drenagem novo, com tubos de concreto”.
Comerciante tenta minimizar a situaçãoPor conta de um desvio de concreto numa das esquinas da rua Major Pinheiro Franco, a água liberada pelo edifício é desviada para a rua Conceição Malloze, e depois chega à Rua Navajas. Durante o trajeto, o líquido fica empoçado, prejudicando a vida de moradores e comerciantes, como no caso da padaria Esquina dos Pães, que usa a criatividade para minimizar os danos.
Segundo o gerente do estabelecimento, Caique Mana, 44, a água corre pela sarjeta várias vezes ao dia, e por conta do parquímetro que fica na esquina, acaba acumulando em grandes quantidades. “Não tem como passar por ali sem molhar os pés”, resume ele.
Para aproveitar pelo menos parte da água, em toda madrugada, antes de abrir a padaria, ele pega a água com um balde e lava a calçada e a área externa da padaria. “Se não fizermos isso, a fachada fica uma nojeira”.
“Na verdade este é um problema maior, e acontece em vários prédios do Centro. E a água costuma ser cristalina, então acredito que os edifícios poderiam reaproveitá-la”, opina Caique, que afirma que durante a madrugada, o fluxo d’água é ainda maior do que à luz do dia. Ele revela ainda que “vários comerciantes e moradores já fizeram reclamação”, porém, até o momento o problema persiste.
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