Constituições, embora possam ser emolduradas e guardadas num museu, são documentos vivos. A melhor prova disso é a Carta norte-americana. A peça, que surgiu no bojo de um movimento independentista que prometia liberdade e igualdade para todos, conviveu por mais de 70 anos com a escravidão e, mesmo depois de uma sangrenta guerra civil para pôr fim a essa chaga, passou mais um século sem enxergar contradição entre a “Bill of Rights” (carta de direitos) original e legislações racistas nos estados.
Hipócritas? Com certeza, mas, se políticos e magistrados não tivessem fechado os olhos para essas contradições, os EUA provavelmente nem existiriam na forma como o conhecemos. É que os estados do sul, cuja economia estava baseada na exploração da mão-de-obra escrava, dificilmente teriam se juntado à União.
Meu ponto é que constituições só perduram no tempo, criando uma continuidade nos marcos jurídico-institucionais, porque cortes têm alguma maleabilidade para interpretá-las.
Assim, está dentro do esperado que, num contexto em que a sociedade vê a impunidade como um problema grave, forme-se uma jurisprudência que facilite condenações. Se a percepção é a de que o sistema promove perseguições, é natural que se reforcem as garantias individuais. É nesse quadro que se inscreve a polêmica da prisão após a segunda instância.
O problema não é tanto a mudança de orientação, mas a frequência com que ela ocorre. Cortes constitucionais, afinal, têm não apenas a missão de compatibilizar a Carta com o presente mas também a de fazê-lo preservando a estabilidade jurídica. Dar uma guinada de 180 graus apenas três anos após a decisão anterior parece-me precipitado.
Se as movimentações da corte são percebidas como motivadas por interesses pessoais ou partidários, sua credibilidade vai para o ralo e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Carta.
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