Anna Virginia Balloussier
SÃO PAULO
Existe o Antonio Cezar Correia Freire e existe o Cezinha de Madureira. São, a princípio, o mesmo homem. Mas pode ter certeza que não foi à toa que o deputado federal eleito pelo PSD escolheu carregar sua igreja, a Assembleia de Deus Ministério Madureira, na alcunha política.
“Sou cristão, sou crente, sou pastor. E estou aqui porque a igreja me colocou, foi a igreja que me elegeu. Respondo ao meu povo através do meu líder”, diz à Folha em seu gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo, da qual se despede em 2019 para assumir uma cadeira na Câmara.
Sua eleição é um passo a mais no projeto de poder desta gigante da fé, que concorre com outra ala assembleiana, Ministério Belém, como maior igreja evangélica do Brasil.
Para Cezinha, tem muito deputado por aí que se coloca como porta-voz do povo evangélico no Congresso. Calma lá.
“Você pega três, quatro, cinco, alguns até que perderam a eleição, que dizem que estão representando a igreja. Mas pra mim representante de igreja é aquele que tem pastor, liderança”, afirma, numa crítica velada a deputados que pastoreiam suas próprias denominações, bem menores do que a colossal Madureira.
A máxima de Cezinha: “Quem não aceita ser liderado nunca está pronto para liderar. Como ouço alguém falar em nome dos deputados que se declaram evangélicos, alguém que não tem nem líder? Não, senhor, não é assim, não. Tem um povo aqui que não quer ouvir só aquelas lorotas de microfone, não”.
Para ele, “as duas maiores igrejas, Madureira e Belém, essas, sim, formam o maior número de evangélicos”.
Não cita nomes de parlamentares, mas menciona Silas Malafaia, à frente de um galho menor da Assembleia, a Vitória em Cristo, e tem políticos que apadrinha, como o deputado federal reeleito Sóstenes Cavalcante, e o irmão Samuel Malafaia, deputado estadual eleito (os dois pelo DEM-RJ).
O deputado eleito parabeniza o pastor carioca “pelo trabalho dele”, mas frisa: “Não é meu pastor, não me perguntou se pode falar por mim”.
A saída de Cezinha não desfalcará esta Assembleia de Deus na Assembleia Legislativa paulista: em 2019 chega à Casa Alex de Madureira (PSD), outro pastor convocado para defender os interesses da igreja no meio político.
Essas são os “puros-sangues” de Madureira —que, nas palavras de um assessor, têm o “traquejo” da igreja, foram “doutrinados” lá e contam com a bênção de seu bispo.
Dali saíram ainda outros peixes graúdos na política, como João Campos (PRB-GO), que já presidiu a bancada evangélica na Câmara e agora sonha em liderar a Casa toda, e João Jorge, que assumirá a Casa Civil no governo de outro João, o governador eleito Doria.
Segundo Jorge, durante o pleito, “a cúpula da igreja ajuda manifestando apoio como pessoas físicas e líderes que são”. A lei eleitoral tem uma série de vetos à atuação direita das igrejas em campanhas, como ao proibir que candidatos façam campanha em “bens públicos de uso do povo” (não só templos, como estádios e cinemas, por exemplo).
Nada que tenha impedido, nos últimos anos, um beija-mão no bispo titular da Madureira, Samuel Ferreira, que inclui políticos como Doria, Geraldo Alckmin e Michel Temer.
De Doria o bispo ouviu em 2017, numa visita à sua igreja do então prefeito que sonhava em ser o candidato do PSDB à Presidência: “Entre amigos dizemos: a química existe”.
E retribuiu: “Quando [Doria] manda um WhatsApp saio mostrando pra todo mundo, óbvio. Faturar um pouquinho não faz mal a ninguém”.
Eduardo Cunha (MDB-RJ), o outrora todo-poderoso presidente da Câmara que caiu em desgraça e hoje está preso, era próximo da Madureira. Tão próximo, aliás, que uma denúncia da Procuradoria-Geral da República afirmava que Cunha teria transferido R$ 250 mil para uma conta bancária da igreja —supostamente, parte de uma propina de US$ 5 milhões.
Advogado do bispo Samuel, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, diz que não há “absolutamente nada” contra seu cliente, apenas “uma citação”. Também afirma que, “por falta de qualquer indício sério, sequer houve um aprofundamento na investigação”.
No Censo de 2010, a Assembleia de Deus liderou o ranking de denominações evangélicas, com 12,3 milhões de fiéis (a Universal, por exemplo, tinha 1,9 milhão). Não pode ser encarada como uma só igreja, pois se divide em várias ramificações, que não necessariamente dialogam entre si.
As Assembleias mais poderosas, Madureira e Belém, já divergiram em eleições. Em 2010, por exemplo, a primeira apoiou a petista Dilma Rousseff, e a segunda, o tucano José Serra. Neste pleito, um consenso: Jair Bolsonaro (PSL).
A Madureira tem como bispo primaz Manoel Ferreira, colega do presidente eleito na Câmara de 2007 a 2011. Quem manda mesmo lá, atualmente, é seu filho Samuel.
Cezinha lembra que a relação de Bolsonaro com a igreja não é de hoje. O hoje presidente eleito já foi a convenções da Madureira. Em seu site, por exemplo, Arolde de Oliveira, que se elegeu senador no Rio numa dobradinha com Flávio Bolsonaro, destaca a participação de Eduardo Cunha num evento de 2015 já no primeiro parágrafo —e a presença do deputado Bolsonaro no último, junto com a prefeita de Iguaba Grande (RJ).
“Bolsonaro vivia na nossa igreja”, numa época em que “ninguém acreditava” nele, diz Cezinha, para quem a oratória inflamada do presidente eleito, que já falou em fuzilar opositores (de FHC, nos anos 1990, à “petralhada”, em 2018) tem lugar no meio cristão.
Lembra que Jesus tinha 12 apóstolos, “e um dos mais bravos se tornou o líder da Igreja” (Pedro). “O povo clamava por alguém com discurso duro para colocar o Brasil nos trilhos.”
O leme para a temporada em Brasília ele aprendeu em casa, conta. "Minha vó dizia: na dúvida, seja conservador. Temos que defender os bons costumes."
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