Kissinger diz que a humanidade está despreparada para a inteligência artificial
Um dos melhores textos deste ano foi escrito por alguém que não se interessava pelo assunto discutido nele. Henry Kissinger versou sobre inteligência artificial em artigo na revista The Atlantic.
Acabou metralhado por integrantes da comunidade científica, não raro com argumentos do tipo "ele não entende nada disso".
A reação é compreensível, mas vale espiar o que está escrito. Do alto de 95 anos de uma vida que cruzou algumas das grandes decisões do século passado, Kissinger defendeu a tese de que a humanidade está despreparada para a inteligência artificial.
Ele afirma que a chamada IA encerra a era do iluminismo, impulsionada pela imprensa e a propagação do conhecimento.
"O iluminismo procurou submeter verdades tradicionais à razão analítica humana. O propósito da internet é ratificar o conhecimento pela acumulação de uma quantidade crescente de dados", diz. "A cognição humana perde seu caráter pessoal. Internautas raramente interrogam a história ou a filosofia; buscam informação para necessidades práticas. A verdade se torna relativa."
Esse novo mundo não é governado por normas éticas ou filosóficas, escreve ele. A inteligência artificial toma decisões estratégicas sem explicar o que fez —o famoso exemplo do carro autônomo que deve escolher quem atropelar encaixa-se aqui.
Esse processo computacional altera o comportamento humano; Kissinger afirma que a reverberação de nichos nas redes sociais encurta a visão dos políticos, premidos a decisões de menor qualidade.
O pior está por vir, diz ele: ao enxergar um processo decisório como uma sequência de operações matemáticas, arriscamos perder nossa capacidade de pensar.
O ano que se encerra foi aquele em que os humanos correram atrás da privacidade perdida, expondo o porão das empresas de tecnologia. Em 2019, podem encontrar problemas ainda maiores escondidos por lá.
Roberto Dias
Secretário de Redação da Folha.
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