Notícias de outras transições revelam coincidências cômicas e problemas recorrentes
O governo que está para começar promete diminuir os impostos sobre a folha de salários das empresas. O governo de Jair Bolsonaro? É o que dizem seus economistas. Era também o que se dizia na transição dos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994), Luiz Inácio Lula da Silva (2002) e Dilma Rousseff (2010).
A gente relê os jornais da época de "festas" nos anos de mudança de governo e se diverte com coincidências, com as ingenuidades confiantes e com a constatação de quão grande costuma ser o desnorteio sobre o que pode acontecer.
Nas festas de 2002, muito perto da posse da então grande novidade esquerdista Lula da Silva, o futuro ministro do Trabalho, Jaques Wagner, falava de planos de reforma trabalhista. Patrões e empregados poderiam discutir até 13º e férias, "penduricalhos" (sic) que "acabam atrapalhando a relação entre capital e trabalho". Não seria o caso de "necessariamente diminuir" direitos, mas de fazer um novo "arranjo".
A propósito, não é preciso ser muito sarcástico para lembrar o caso do vice-presidente general Hamilton Mourão discursando sobre as "jabuticabas" trabalhistas brasileiras.
A diminuição dos encargos trabalhistas havia sido também plano de Pedro Malan, que seria ministro da Fazenda de FHC por oito anos; reapareceria em discurso da recém-empossada Dilma Rousseff, em 2011. A cada transição de governo, se discutia se o governo deveria tributar mais ou menos dividendos e ganhos de capital em geral (menos, no caso do governo FHC; inércia, no caso de Lula). Desde Fernando Collor (1989) havia promessa de corte de subsídios e incentivos fiscais.
O governo queria "controle social" de rádio e TV. Governo Lula? Pode ser também, mas quem discursava assim era Sérgio Motta (1940-1998), nas festas de 1994, pouco antes de se tornar escudeiro-mor e ministro das Comunicações de FHC. O governo fernandino assumia também com essa conversa fiada e em geral diversionista de diminuir o número de ministérios (não rolou). Em seu programa, sugeria financiar investimentos com reservas internacionais, tal e qual petistas fariam depois.
Nas festas de 2002, a oposição venezuelana criticava a possível interferência do governo petista em assuntos de seu país, a favor de Hugo Chávez. Nas festas de 2010, o caso Cesare Battisti também estava nas manchetes.
Nas semanas finais da transição, sempre reaparecia a conversa da articulação no Congresso: o novo presidente terá maioria? Maioria para fazer reformas constitucionais? Como vai negociar com os nanicos (hoje centrão) e com o PMDB? Ciro Gomes, nomeado ministro de Lula em 2002, dizia que o fato de o petismo não ter dado cargos ao PMDB, tal como o fizera FHC, protegia o governo do "custo ético" do "fisiologismo".
Os jornais dos dias da virada de 2010 para 2011 pouco davam bola para o governo da estreante Dilma Rousseff. A Bolsa subira quase 300% nos anos Lula, as favelas "pacificadas" do Rio atraíam turistas, e havia montes de textos opinativos a dizer que não era irrealismo imaginar um futuro de país rico e socialmente justo para o Brasil.
Não, não se quer dizer que tudo é farsa repetida ou que não saímos do lugar, para o bem ou para o mal. Este é apenas um divertimento de fim de ano, em parte para refrescar a nossa memória curta de que alguns problemas reprimidos sempre retornam. Para lembrar, enfim, que especulações de vácuo transitório de poder muita vez têm vida também curta.
vinicius.torres@grupofolha.com.br
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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