Bolsonaro pode aprender com a experiência fracassada de Collor.
Os contornos do governo Bolsonaro já podem ser divisados e suas prováveis semelhanças e diferenças com o de Collor pode iluminar questões sobre a governabilidade futura.
A principal semelhança está no estilo de campanha hipersonalizado e sem mediação partidária: ambos foram candidatos de micropartidos. Embora não se trate de outsiders, seus discursos são marcados pelo mesmo caráter antissistema. Mas há também diferenças notáveis: Collor não contou inicialmente com apoio partidário de seu próprio partido, o PRN, criado de forma ad hoc, embora tenha construído uma coalizão majoritária: 253 parlamentares (50,3% da casa), mas aquém do quórum constitucional de três quintos.
Na eleição legislativa de 1990 (os pleitos não foram coincidentes), o PRN elegeu 40 deputados, 36 abandonaram o partido durante o impeachment.
A dinâmica presidencial, centrípeta, desaparece se o presidente se enfraquece.
Bolsonaro montou uma coalizão ainda formalmente minoritária (composta de partidos com 127 deputados), embora seu partido será provavelmente catapultado ao posto de maior da Câmara. O efeito de coattail (impacto da eleição presidencial sobre a legislativa) é produto do alinhamento do calendário eleitoral no país que teve início apenas em 1994.
Uma segunda diferença fundamental é que o número efetivo de partidos políticos dobrou entre 1990 e 2018: pulando de 8,7 e agora 16,4. Construir coalizões de governo em 1990 envolvia a barganha pontual com algum parceiro grande —PFL com 83 cadeiras (16,5% do total) ou PMDB com 108 (21,47% do total). Em 2018 significa entrar em acordos com pelo menos dez partidos médios (com cerca de 5% das cadeiras).
Bolsonaro como Collor ataram suas próprias mãos com seu discurso antipartidário de campanha. Daí a inflação de notáveis no governo Collor (Celso Lafer, Zico, Rouanet, José Goldemberg) e militares (já são sete) no de Bolsonaro. A promessa de reduzir ministérios choca-se com a hiperfragmentação partidária.
Mas há uma diferença notável: Bolsonaro pode aprender com a experiência fracassada de Collor. Ele já moderou seu discurso e sua estratégia confrontacionista. Não é à toa que Bolsonaro afirmou que "o PSDB terá 22 ministérios".
Tendo em vista a herança de conflitos de campanha e —mais importante— o caráter tóxico de uma eventual participação ativa no governo, o PSDB poderá ter um papel que a literatura denomina "pivotal".
Como aconteceu sob Collor, o PSDB recusa o convite para integrar ministérios. Contudo seu apoio para a agenda de reformas será crucial. O conflito virá com as iniciativas legislativas em outras áreas, sobretudo na área dos costumes.
Marcus André Melo
Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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