quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

João de Deus e a energia nuclear, FSP


Ainda há quem veja interesse nacional em Angra 3



O físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, em março de 2017 - Keiny Andrade - 29.mar.17/Folhapress
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Não é preciso ser um cientista, um intelectual ou mesmo apenas um cidadão de bom senso para duvidar de que alguém, seja lá quem for, que realize as curas e "cirurgias espirituais" do sr. João de Deus. Entretanto muitos recorrem a este senhor e outros charlatões congêneres em busca de milagres. Talvez porque afinal não somos, nós humanos, seres assim coerentes. Talvez porque no íntimo ainda somos aquele homo erectus, aterrorizado com o cair da noite e com os monstros que habitavam as cavernas.

Será que é esta mesma síndrome a responsável pela insistência recalcitrante na recuperação de Angra 3?

Tudo começou com o correto general Geisel, que, não obstante, deu uma de seguidor de João de Deus com o contrato nuclear Brasil-Alemanha. Se Maquiavel não disse, deve ter pensado: "Para derrotar um bom projeto a melhor arma é um mau projeto com a mesma finalidade". Muito provavelmente a principal razão para o desenvolvimento pífio da ciência e tecnologia nuclear no Brasil nesses últimos 30 ou 40 anos foi o acordo Brasil-Alemanha.

Não faz muito tempo, o jovem e inteligente ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, tomou o avião da FAB e veio a Campinas. Lula queria finalizar o reator Angra 3, empacado havia 20 anos. "Temos potencial hidroelétrico para pelo menos 30 ou 40 anos, e em algumas décadas a energia fotovoltaica, a eólica, a bioeletricidade serão muito mais baratas", argumentei. Duas semanas depois, Angra 3 era reativado. Todavia, até hoje continua tão empacado quanto estava há 15 anos.

É uma tecnologia de mais de 40 anos, portanto obsoleta. O custo de investimentos para acabá-lo é absurdamente elevado. A confiabilidade em equipamentos que ficaram armazenados por mais de 30 anos é reduzida. Os técnicos alemães que projetaram e construíram grande parte dos equipamentos já devem estar embalsamados. E ainda há quem acredita que seja de interesse nacional acabar Angra 3 e fazê-la operar regularmente.

Pois é, também há quem acredite nos milagres de João de Deus. Não é preciso lembrar os custos de descomissionamento de reatores nucleares e os incalculáveis gastos com as muitas centenas de anos de armazenamento do lixo atômico. Não há pesquisador honesto que não concorde que o Brasil precisa de tecnologia nuclear. Entretanto tampouco há quem duvide que o caminho para alcançar alguma competência no setor é por meio do trabalho árduo da pesquisa científica e aplicada. 
[ x ]
Houve um momento em que a Marinha do Brasil percebeu isso e teve um imenso sucesso com o desenvolvimento das ultracentrífugas para enriquecimento do urânio. Infelizmente ficou por aí...
Há pouco menos de uma década, o Ministério de Ciência e Tecnologia propôs a construção de um "reator multipropósito". Como não havia competência nacional para elaborar o projeto, contrataram uma firma argentina, decisão acertada para manter a incompetência nacional no pé em que estava.

A principal justificativa para o equipamento era a produção de radiofármacos. Hoje essa aplicação é realizada com aceleradores, o que reduz custos de produção por um fator de 3 a 4. Novamente a síndrome João de Deus, pois os mesmos atores insistem em contratar os argentinos para produzir o equipamento obsoleto. Como se vê, a síndrome João de Deus é muito mais generalizada do que se pensa.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite
Físico, professor emérito da Unicamp, membro do Conselho Editorial da Folha e presidente do Conselho de Administração do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais)


Valor representaria 40% de todo o investimento, mas ideia é atrair recursos privados

Taís Hirata
SÃO PAULO
​A Eletrobras reservou 40% de todos seus investimentos nos próximos cinco anos para finalizar a usina nuclear de Angra 3, um dos projetos considerados prioritários à equipe do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
A estatal planeja destinar R$ 12 bilhões ao empreendimento entre 2019 e 2023, segundo o Plano Diretor de Negócios e Gestão da companhia, que prevê um investimento total de R$ 30,2 bilhões nesse período.
O valor necessário para concluir a obra deverá ser ainda maior, já que a construção deve se estender até 2026.
[ x ]
No entanto, parte desses recursos poderão vir do setor privado. Hoje, a ideia do governo é realizar uma concorrência internacional para atrair um parceiro ao projeto. 
Obras de Angra 3, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro
Obras de Angra 3, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro - Folhapress
As obras de Angra 3 estão paralisadas desde 2015, com cerca de 60% de sua execução. 
À época, a construção do empreendimento foi alvo de investigação pela Operação Lava Jato por suspeitas de irregularidades nos contratos, o que levou até à prisão do então presidente da Eletronuclear.
Desde então, governo federal e Eletrobras têm buscado meios para finalizar o empreendimento, no qual já foram investidos bilhões.
Para facilitar a atração de um parceiro privado disposto a alocar recursos no projeto, foi aprovado em outubro um controverso aumento na tarifa da usina, que passou a R$ 480 por MWh (megawatt-hora), o dobro do previsto inicialmente.
A medida atraiu críticas por parte de especialistas do setor elétrico, que avaliam que o novo preço resolve o problema da Eletrobras, mas torna o empreendimento oneroso ao consumidor. 
Conforme mostrou a Folha em novembro, um estudo da PSR, uma das consultorias mais respeitadas no setor elétrico, concluiu que seria mais econômico abandonar a obra de Angra 3 e, no lugar, construir usinas de outras fontes. 
O levantamento comparou Angra 3 a empreendimentos de geração solar e concluiu que a usina nuclear seria R$ 6,6 bilhões mais cara aos consumidores. No caso de outras fontes mais baratas, como a eólica, a diferença poderia seria ainda maior.
​A equipe do novo governo de Jair Bolsonaro (PSL) já manifestou a intenção de concluir a usina. O futuro ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, tem relação próxima com o setor nuclear e já tocou projetos nessa área dentro da Marinha. 
Em entrevista à Folha, em dezembro, ele afirmou que valeria muito a pena concluir a usina e admitiu a possibilidade de atrair um parceiro privado ao empreendimento.

INVESTIMENTO

Ao todo, a Eletrobras planeja investir R$ 30,2 bilhões até 2023, em projetos de geração de energia (que incluem Angra 3), linhas de transmissão, entre outros.
O valor representa um aumento significativo em relação ao último plano de investimentos da companhia, divulgado no fim de 2017 —nesse relatório, a estatal projetou R$ 19,76 bilhões para os cinco anos seguintes.

    Nenhum comentário: