terça-feira, 7 de agosto de 2018

Questões de ordem: Discussão sobre aborto tem bruxas, lésbicas e ovos de tartaruga, Marcelo Coelho - FSP


Marcelo Coelho
Depois dos médicos e técnicos em saúde ouvidos no Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (3), nesta segunda (6) foi a vez das lideranças religiosas e dos especialistas em direito nas discussões sobre aborto convocadas pela ministra Rosa Weber.

As ministras Rosa Weber (esq.) e Cármen Lúcia - Lúcio Távora/UOL
Dois representantes da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) abriram a sessão. Magro, calvo, com roupa eclesiástica preta, bem à moda antiga, dom Ricardo Hoepers adotou uma linha mais amorosa do que faria prever sua aparência.
Querem nos caracterizar como fanáticos e fundamentalistas, disse. Mas é de ciência que se trata: a vida começa na concepção. A morte de mulheres pelo aborto é lamentável, mas "minha homenagem", afirmou, "é para as crianças que morrem com suas mães".
No fim, dom Ricardo lembrou o Hino Nacional: nossa pátria é "mãe gentil", e espera ver "o sorriso" das crianças que nascem.
O segundo padre católico, José Eduardo de Oliveira e Silva, foi mais ameaçador. Criticou a própria audiência do STF. Como a maioria dos convidados era a favor do aborto, estaria sendo desrespeitado "o princípio do contraditório".
Deveria ser rejeitada de pronto a ação do PSOL, questionando a constitucionalidade das leis que proíbem o aborto. No pedido encaminhado ao STF, faltava provar "a existência de controvérsia estabelecida sobre o assunto". O STF estava usurpando o poder do Congresso. Oliveira e Silva concluiu: "Um teatro está sendo armado aqui".
Teatro ou não, os aplausos da plateia não faltaram ao longo do dia. Ninguém suscitou tanto entusiasmo quanto a pastora luterana Lusmarina Campos, que foi quem mais se aprofundou em referências à Bíblia.
A surpresa é que ela era a favor da descriminalização do aborto. O Velho e o Novo Testamento o admitem, disse a teóloga. Na verdade, o texto sagrado sofreu séculos de "apropriação machista".
Mulheres, disse a pastora, foram "demonizadas como bruxas" e acusadas de "trazer o pecado ao mundo".
Gerar vida nova, continuou Lusmarina, não é obedecer a um "mandamento da natureza": é necessário que seja uma decisão refletida.
Ela lembrou palavras de Lutero: a religião não pode amontoar "medo sobre medo", "dor sobre dor", "aflição sobre aflição", categorizando como assassina uma mulher fragilizada.
Foram inversas as teses de Janaína Paschoal, falando como professora de direito penal da USP. Nenhuma mulher é presa por aborto no Brasil, insistiu. A lei produz constrangimentos e medos, claro, mas não podemos dar a observadores estrangeiros "a ideia de que estamos na Idade Média."
Para a célebre defensora do impeachment, o Partido Socialismo e Liberdade seguia a conhecida tendência de falar em nome de "negras, mulheres pobres, lésbicas" sem tê-las de fato consultado. "Conheço muitas lésbicas", disse Janaína, "cujo sonho é ter filhos..."
Os raciocínios iam ficando bizarros. Se o aborto for legalizado, especulava Janaína, é provável que "os homens se tornem ainda mais irresponsáveis". Pois abandonarão, como nunca, as mulheres a quem engravidaram...
Para a maior parte dos religiosos, entretanto, o argumento não variava: o embrião já é um ser novo. Não é um órgão, ou uma "cutícula", uma "unha", que a mulher possa tirar do próprio corpo. 
Presente aos debates, o senador Magno Malta (PR-ES) teve outra comparação. Nossas leis de proteção ao ambiente, disse ele, defendem ovos de tartarugas marinhas. Ou de "ararinhas azuis", como disse um clérigo. Como não cuidar do "ovo humano"? 
Imagens de um embriãozinho, e de seu coração, foram projetadas. "Isso agora é um bicho? Uma coisa? Pronta para ser morta e jogada no lixo?" Era o argumento do articuladíssimo representante do estado de Sergipe, José Paulo Leão Veloso Silva.
Faltaram imagens de hemorragia fatal causada por talo de mamona no útero.
Marcelo Coelho

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