O futuro da elite dos jornalistas parece mais seguro do que o futuro da maioria dos eleitores
Lúcia Guimarães, O Estado de S.Paulo
06 Agosto 2018 | 02h00
“O passado nunca está morto. Nem sequer passou.” (William Faulkner)
Depois se assistir aos candidatos a presidente enfrentando pelotões de jornalistas em duas redes, esta carioca expatriada, mais conhecedora de campanhas americanas, voltou para casa pensando na frase de William Faulkner.
Campanhas para presidente são, quase sempre, sobre o futuro. A campanha de 2016, nos Estados Unidos, foi carregada de promessas de volta ao passado mítico. Um playboy nova-iorquino que se definiu nos desvairados anos 1980 prometeu a seus eleitores voltar aos anos 1950, em que um país majoritariamente branco, patriarcal, segregado e triunfal diante da Europa devastada sonhava com a lua, não desconfiava do efeito estufa e emporcalhava sua vastidão territorial com abandono.
Houve alguma eleição recente no Brasil tão voltada para o passado? Os dois homens favoritos nas pesquisas, um sentado em sua cela especial, outro sonhando com celas para seus moinhos adversários, pedem aos eleitores que imaginem uma volta ao passado. O passado do presidente preso é real, vivo na memória, mas começou a ser desmontado por ele mesmo e sua sucessora esquenta-lugar.
O passado do capitão candidato é a ditadura que “benéfica” o país das estatais movidas a voluntarismo do andar de cima, onde minorias eram invisíveis, mulheres sabiam seu lugar e precisavam ser atraentes para merecer violação sexual. Mas o passadismo do caudilho petista e o do capitão trumpista eram esperados porque ambos vivem de culto à personalidade.
O que tento entender é o papel do meu ofício no olhar para o futuro. Os candidatos foram entrevistados por jornalistas veteranos e astutos, munidos de fatos, estatísticas, réplicas e tréplicas. Mas não pude deixar de notar uma ênfase desproporcional na revisita ao passado.
No caso do capitão, o passado é fácil de explorar para sound-bites porque ele é uma usina de despautérios que regurgita de presente para sua arquibancada. Não houve ditadura militar, o coronel torturador é o autor na sua cabeceira, as declarações imitam o modus operandi do ídolo do norte, que insulta e choca para dar aos seguidores o prazer de se vingar do establishment liberal.
O establishment liberal é representado por jornalistas, mesmo considerando as diferenças no ecossistema de mídia dos dois países. Recomendo a leitura de um artigo do excelente crítico de mídia Michael Massing, no próximo número da revista The Nation, Jornalismo na Era de Trump: O que importa e o que falta. Massing reconhece o trabalho excepcional de repórteres americanos investigando a presidência mais caótica da história recente. Mas ele também aponta para o risco maior de ser levado na correnteza de tuítes, mentiras, ameaças militares: ignorar o cotidiano de um país continental.
Assistindo às duas longas sabatinas do capitão, pensei nas palavras de Massing. O jornalista preocupado legitimamente em revelar ao público o perfil do candidato arrisca ser visto como paroquial pelo eleitor que não tem o luxo de se debruçar sobre a história da ditadura e está consumido por problemas de sobrevivência, não de identidade.
O destaque da imprensa como inimigo, que o ídolo americano do capitão renova com intensidade cada vez maior e o fã imita bem, pode provocar uma mentalidade de estado de sítio e condescendência na mídia, alerta Massing.
Nas entrevistas que assisti, esperava mais referências diretas ao futuro e a casos específicos como, qual o papel da tecnologia “x” na destruição de empregos desta categoria? O futuro da maioria da elite dos jornalistas parece estar mais seguro do que o futuro da maioria dos eleitores. Os eleitores que estão longe do estúdio e devem ter perguntas diferentes para fazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário