quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Centro de São Paulo extrai o que há de mais desumano em nós, FSP

O centro de São Paulo é a degradação do ser humano, disse-me um amigo paulistano logo que passei a morar na cidade. 
Nem ele, no seu pessimismo congênito, poderia imaginar o nível de degradação que estava por vir. Há mais de duas décadas trabalho diariamente na região central da cidade mais rica do país. Falta à memória qualquer registro próximo ao que os olhos enxergam agora.
Há gente dormindo no canteiro central de avenida, espremida entre duas pistas com ônibus passando rente à cabeça. Há gente dormindo entre carros estacionados. Há gente dormindo no lixo. 
Dado o aumento visível dos moradores de rua pela cidade, a prefeitura decidiu antecipar o censo dessa população. Estima-se que já sejam 20 mil, o que supera a oferta de abrigos.
Deveria haver alguma lei de improbidade para um gestor incapaz de oferecer solução para algo que atenta tão fortemente contra a dignidade humana. Não se trata, nesse caso, de problema que escape à capacidade financeira do cofre público.
A situação dos seres humanos, como seria lógico imaginar, é a ponta mais grave de um desleixo absoluto que se manifesta de várias formas no centro paulistano.
As calçadas estão tomadas por fios de eletricidade, que continuam caídos mesmo após serviços supostamente de manutenção. Semáforos são tecnologia indomada. Ao Waze falta informar a existência da cracolândia, pois motoristas vivem minutos de terror por confiar cegamente no celular. Uma delegacia móvel dá às pessoas a insegurança de serem empurradas para fora da calçada.
Cidades europeias provavelmente tiveram centros no estado atual do de São Paulo —coisa de meio milênio atrás, talvez. Ou, quem sabe, em alguma situação extrema; reportagem da Folha na semana passada descreveu o cenário como “o de uma cidade abandonada no pós-guerra”. Transformado em paisagem diária, o caos vai extraindo o que há de mais que desumano em nós.

Nenhum comentário: