Gisele que nos desculpe, mas modismos ecochiques não vão salvar o planeta
A hipocrisia pseudoambientalista não conhece limites. Virou moda demonizar os canudinhos de plástico, seguindo o exemplo virtuoso de Gisele Bündchen, que a revista Vogue promoveu a mãe da Terra --para a alegria de ONGs brasileiras em busca de celebridades para abraçar suas causas.
Nada a favor dos canudinhos, que fique bem claro. Seria melhor que essas próteses da fase oral não existissem para engrossar a avalanche de plásticos. Mas estigmatizá-los como inimigos planetários nº 1? Tenha paciência.
A santimônia plastificada decolou com o vídeo de 2015 em que uma tartaruga marinha aparece com o cilindro encalacrado na narina. São oito minutos para extrair o corpo estranho. O bicho sangra, abre a boca como se gritasse. Um verdadeiro horror.
Nascia ali um símbolo de fácil assimilação sentimental para a poluição dos oceanos com plásticos, um problema real. Estima-se que, a cada ano, 320 bilhões de quilos desse material sejam produzidos e descartados no ambiente.
Uma pequena parte disso vai parar no mar, talvez 8 bilhões de quilos. Outros 32 bilhões se acumulam nas praias, mangues e costões.
Ficaram famosas as imagens do acúmulo de detritos na grande faixa de lixo do Pacífico (GPGP, na abreviação em inglês de Great Pacific Garbage Patch), entre a Califórnia e o Havaí.
Estudo de março na revista Scientific Reports, do mesmo grupo da Nature, calculou que 80 milhões de quilos flutuam por ali, numa área de 1,6 milhão de km2 (equivalente a cerca de um quinto do território brasileiro).
Muita gente acredita que os canudos formam parte considerável desse continente de detritos. Afinal, estima-se que só nos Estados Unidos 500 milhões de tubinhos sejam utilizados a cada dia (poucos sabem que o cálculo foi feito por um garoto de nove anos). Mas não é o caso.
Para começo de conversa, 40% dos plásticos não boiam no oceano, afundam. E os canudos quando muito representariam 0,03% do total desses resíduos que chegam ao mar.
Na realidade, 46% do lixo plástico em ambiente marinho são compostos por redes de pesca e outros implementos da indústria pesqueira, calcularam os autores do artigo na Scientific Reports. Pense nisso quando abrir sua próxima lata de atum.
Se for para expiar culpa, é melhor renunciar ao hambúrguer, além do canudinho do milk-shake. Carne bovina é um problema infinitamente maior para o planeta do que um pedaço de plástico.
A ameaça ambiental mais premente está na mudança do clima amplificada pelo aquecimento global. Seus efeitos estão por toda parte --dos incêndios na Califórnia, na Grécia e na Escandinávia às ressacas turbinadas que estão comendo a Ponta da Praia em Santos .
A pecuária responde sozinha por quase 15% das emissões globais de gases que agravam o efeito estufa. E essa participação tende a piorar, sob o rápido desenvolvimento socioeconômico da China.
Nas últimas três décadas, os chineses ampliaram o consumo de carne de 15 para 70 kg/pessoa/ano.
Isso dá 28% do total mundial, o dobro do que se vende nos Estados Unidos, mas há que levar em conta o fato de a ingestão per capita ainda ser a metade da prevalente entre americanos.
Isso dá 28% do total mundial, o dobro do que se vende nos Estados Unidos, mas há que levar em conta o fato de a ingestão per capita ainda ser a metade da prevalente entre americanos.
Nem mesmo se você virar vegano vai fazer diferença para salvar o mundo. Precisaria antes combinar com 1,4 bilhão de chineses que, enfim, vão poder comer mais carne.
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