domingo, 5 de agosto de 2018

1968: o ano que não acabou também na zona sul de São Paulo, FSP



Estátua de Borba Gato com a Linha Lilás do metrô, que está inaugurada, mas não completa
Estátua de Borba Gato com a Linha Lilás do metrô, que está inaugurada, mas não completa - Eduardo Anizelli/Folhapress
Fui de metrô ao Borba Gato, o monumento paulistano que, de tão cafona, já virou cult. Depois, voltei aos trilhos e corri a uma sorveteria perto da Igreja de Moema. Talvez fosse o sabor do sorvete, mas senti em todo o passeio uma sensação de “déjà vu”, algo meio estranho, como se estivesse saindo de um túnel do tempo, vendo a cidade pular 50 anos.
Nos anos 1960, muita gente achava que o melhor hot dog de São Paulo ficava numa rua do Brooklin, perto dos trilhos que passavam na avenida Vereador José Diniz. Naquele tempo, quando ainda era chamado de cachorro-quente, o sanduíche era mais popular que os onipresentes hambúrgueres de hoje. Alguns fanáticos pegavam o trem para Santo Amaro para comer o petisco e tomar o delicioso milk-shake, sorvido em canudinhos de papel, mais sustentáveis que os de plástico.
Dizem que 1968 não terminou. Uma das evidências disso é o fato de que, naquele ano, o prefeito Faria Lima interrompeu o serviço de transporte público sobre trilhos (chamado, então, de bonde; hoje, os engenheiros preferem VLT), prometendo substituí-lo por metrô, mais eficiente. A rota do centro a Santo Amaro, seguindo roteiro semelhante ao da nova linha 5-Lilás, foi enterrada em fevereiro daquele ano insepulto. 
Tanta fé o prefeito tinha, ou fingia ter, na rapidez da construção do novo sistema que nem se preocupou em criar corredores de ônibus para a transição. A cidade ficou sem bonde, sem metrô e sem ônibus
eficientes. As vias asfaltadas viraram monumentos ao automóvel.
Quem fazia a viagem apenas para se divertir buscou outros destinos na cidade. Talvez por isso o delicioso hot dog não esteja mais lá. 
Em seus deslocamentos para o trabalho no centro, os moradores de Santo Amaro e dos bairros da zona sul, que não pararam de crescer, foram jogados no congestionamento, dentro de ônibus ou de carros,
sem opção de coletivo eficiente.
Só em 2008 foi inaugurado o corredor de ônibus da Vereador José Diniz. E agora, meio século depois de aposentados os bondes, começa a ser possível ir de Moema a Santo Amaro de metrô. Mas o trajeto até o centro ainda não foi reconstituído. O ano de 1968 não acabou.


Leão Serva
Jornalista, foi coordenador de imprensa na Prefeitura de São Paulo (2005-2009). É coautor de "Como Viver em São Paulo sem Carro".

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