terça-feira, 11 de março de 2025

Se você olha a história, a trajetória da economia brasileira é boa, diz presidente da Stellantis, FSP

 

BELO HORIZONTE

O presidente do conselho e CEO da Stellantis, John Elkann, considera que a trajetória da economia brasileira no longo prazo, apesar do sobe e desce momentâneos, é positiva.

A empresa, dona de marcas como Fiat, Jeep, Peugeot, Citroën e RAM, anunciou no ano passado um plano de investir R$ 30 bilhões no país entre 2025 e 2030. Nesta terça-feira (11), inaugurou o centro de desenvolvimento de motores híbridos flex em sua planta de Betim (MG).

cerimônia contou com a participação do presidente Lula (PT), do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e de outras autoridades.

Lula cumprimenta o presidente da Stellantis, John Elkann, em inauguração do centro de desenvolvimento de motores híbridos flex na fábrica em Betim (MG) - Divulgação Stellantis

"O Brasil é um país que, se você olha na história –e no próximo ano vamos completar 50 anos aqui–, teve altos, baixos, mas a trajetória é boa, ascendente", disse Elkann, ao ser questionado pela Folha sobre como avalia o cenário econômico em meio aos planos de investimentos da montadora.

O executivo também falou que o Brasil pode servir como um exemplo de produção automotiva regionalizada diante dos desafios impostos pela possibilidade de tarifas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre a cadeia produtiva.

"O Brasil está fazendo muita produção local. Em outros grandes mercados, é muito China produzindo para a China, os Estados Unidos estão pensando nesse sentido, assim como a Europa. É algo que no Brasil está indo muito bem e temos muito o que aprender", afirmou.

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Elkann se recusou a entrar em detalhes sobre os impactos das tarifas americanas sobre a Stellantis, porque caracterizou a discussão como incerta, mas disse que a empresa está pronta para reagir caso elas entrem em vigor.

Nesta terça, a Casa Branca confirmou que irá prosseguir com as tarifas de 25% sobre aço e alumínio de "todos os parceiros comerciais, sem exceções ou isenções".

O Brasil representa cerca de 80% do volume de produção da Stellantis na América Latina. A região, por sua vez, responde por 15% da produção da montadora em todo o mundo.

O foco dos R$ 30 bilhões para serem investidos até 2030 será no desenvolvimento de modelos híbridos flex. Por causa da experiência com o etanol, o Brasil se tornou o centro de desenvolvimento dos novos sistemas híbridos da montadora.

Essa é a principal estratégia da fabricante para enfrentar a concorrência chinesa no país, que tem elevado as importações de elétricos diante da recomposição gradual de alíquotas impostas pelo governo.

Desde julho de 2024, ela é de 18% para elétricos, 20% para híbridos plug-in e 25% para híbridos.

A volta ao patamar de 35% está prevista para o início de 2026. A Anfavea (associação das montadorastem defendido o retorno imediato e integral do Imposto de Importação para veículos híbridos e elétricos.

As montadoras chinesas que estão chegando ao país têm anunciado planos de estabelecer linhas de produção no Brasil, mas têm enfrentado atrasos.


Financial Times , Martin Wolf - Como a Europa pode assumir o lugar dos Estados Unidos

 

"Estávamos em guerra com um ditador; agora estamos lutando contra um ditador apoiado por um traidor." Assim, em um discurso brilhante, Claude Malhuret, até então um senador francês pouco conhecido, definiu o desafio de nossa era. Ele estava certo. Agora sabemos que os Estados Unidos e, portanto, o mundo, foram transformados para pior. Mas isso não deveria mais ser tão surpreendente. A dúvida, no entanto, é sobre como a Europa pode e irá responder.

Nos anos 1970, tive a sorte de viver e trabalhar em Washington. Essa foi a era de Watergate. Assisti às audiências no Congresso sobre as más ações do presidente Richard Nixon com admiração. Rapidamente ficou evidente que os membros do Congresso de ambos os partidos levavam a sério e literalmente a sua obrigação de proteger a Constituição. Nixon estava prestes a ser impugnado e condenado. Avisado disso, renunciou devidamente.

A imagem mostra três bandeiras hasteadas. À esquerda, a bandeira da Polônia, que é branca e vermelha. No centro, a bandeira dos Estados Unidos, com listras vermelhas e brancas e um canto azul com estrelas brancas. À direita, a bandeira da União Europeia, que é azul com um círculo de estrelas amarelas.
Bandeiras dos Estados Unidos (à esq.) e da União Europeia (à dir.) - Sergei Gapon - 6.mar.25/AFP

Contraste isso com o segundo impeachment de Donald Trump em fevereiro de 2021, pelo crime muito maior de incitar uma insurreição visando reverter os resultados da eleição presidencial de 2020. É impossível para qualquer pessoa sã duvidar de sua culpa. Mas apenas sete senadores republicanos votaram pela condenação. Não foi suficiente. Ao absolvê-lo, o Congresso matou a Constituição. O que aconteceu desde aquele momento era previsível e foi previsto.

Desde os anos 1970, os EUA sofreram um colapso moral do qual é improvável que se recuperem. Vemos isso diariamente no que esta administração está sendo autorizada a fazer com os compromissos dos EUA, com os aliados, com os fracos, com a imprensa e com a lei. Meu colega John Burn-Murdoch também mostrou que as atitudes "Maga" estão próximas das dos russos de hoje: o poder não será facilmente cedido.

Esta é uma verdadeira catástrofe histórica. Mas se os EUA não são mais um defensor da democracia liberal, a única força potencialmente forte o suficiente para preencher essa lacuna é a Europa. Se os europeus quiserem ter sucesso com essa tarefa pesada, devem começar por garantir seu lar. Sua capacidade de fazê-lo dependerá, por sua vez, de recursos, tempo, vontade e coesão.

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Sem dúvida, a Europa pode aumentar substancialmente seus gastos com defesa. Embora tenha havido um aumento na parcela do PIB gasto com defesa na última década nos 10 países mais populosos da UE, além do Reino Unido e dos EUA, a Polônia é o único que gasta mais do que os EUA, em relação ao PIB.

Felizmente, as proporções de déficits fiscais e dívida líquida em relação ao PIB da UE27 são muito menores do que as dos EUA. Além disso, o poder de compra do PIB da UE e do Reino Unido juntos é maior do que o dos EUA e supera em muito o da Rússia. Em suma, economicamente, a Europa tem os recursos, especialmente com o Reino Unido, embora precise das reformas recomendadas por Mario Draghi no ano passado se quiser alcançar avanços tecnológicos.

No entanto, esse potencial econômico não pode ser transformado em independência estratégica dos EUA da noite para o dia. Como mostra o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede em Londres, o armamento europeu é muito dependente de produtos e tecnologia dos EUA para que isso seja possível.

Será necessário um segundo e mais escasso ingrediente —tempo. Isso cria uma vulnerabilidade mostrada, mais recentemente, pelo temido impacto do fim do apoio militar dos EUA à Ucrânia. A Europa terá dificuldades para suprir o que estará faltando.

O terceiro ingrediente é a vontade. Os europeus têm que querer defender os tão aclamados "valores europeus" de liberdade pessoal e democracia liberal. Fazer isso será economicamente custoso e até perigoso. Na Europa, também existem elementos de direita com visões semelhantes às dos republicanos Maga, mesmo que não sejam tão dominantes no lado conservador da política como nos EUA.

Mas alguns países —Hungria, Eslováquia e talvez em breve Áustria— terão governos pró-Putin. Marine Le Pen na França já flertou mais do que apenas uma vez com ser pró-Putin no passado. Também é assustador o aumento da extrema direita e extrema esquerda na Alemanha. Em resumo, a Europa tem "grupos favoráveis ao outro lado" quase em toda parte.

Ao mesmo tempo, alguns líderes e países europeus importantes, principalmente a Alemanha, estão mostrando alguma vontade. Em particular, Friedrich Merz, provável próximo chanceler alemão, e seus potenciais parceiros de coalizão concordaram em emendar o "freio da dívida" e gastar centenas de bilhões de euros em infraestrutura e defesa. Merz também disse que a Alemanha faria "o que fosse necessário" para afastar "ameaças à liberdade e à paz" na Europa. No entanto, ele cumprirá? A resposta a essa pergunta é incerta.

Por último, mas não menos importante, está o ingrediente essencial da coesão. Ao contrário dos EUA, China ou Rússia, a Europa não é um Estado. De fato, ao contrário da histeria dos britânicos pró-Brexit, está longe de ser um Estado. Sua capacidade de agir estrategicamente é fundamentalmente prejudicada pelos fatos gêmeos de que lhe faltam uma política compartilhada e finanças compartilhadas.

É melhor vista como um clube que precisa de um alto grau de unanimidade se quiser agir de forma eficaz e legítima em questões de política externa e defesa. Os europeus foram caronas dos EUA porque isso era o natural para cada um deles fazer. Infelizmente, o mesmo ainda se aplica se os EUA os abandonarem.

Muitos membros estarão inclinados a deixar o fardo para algumas grandes potências. Mas mesmo coordenar as políticas e os militares da Alemanha, França e Reino Unido será difícil, porque isso deve ser feito por um comitê de iguais —falta um líder.

Em resumo, temos uma força irresistível e um objeto imóvel: a imprevisibilidade de Trump é a força; e as dificuldades em fazer a Europa mobilizar sua vontade são o objeto imóvel. Além disso, superar o último tem que ser feito rapidamente. Até que isso seja feito, a Europa ainda dependerá fortemente para sua segurança de um EUA imprevisível.

Se a Europa não se mobilizar rapidamente em sua própria defesa, a democracia liberal pode naufragar por completo. Hoje se sente um pouco como os anos 1930. Desta vez, infelizmente, os EUA parecem estar do lado errado.

Habitação social cresce em SP sem clareza se incentivo chega a famílias pobres, diz estudo, FSP

 Clayton Castelani

SÃO PAULO

A cidade de São Paulo vive uma explosão da produção de habitação social impulsionada por incentivos públicos ao setor privado. Mas a ausência de dados claros sobre o destino das moradias não permite saber se elas são destinadas a famílias de baixa renda que compõem o déficit habitacional, segundo pesquisa desenvolvida em parceria entre o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e a Fundação Tide Setubal.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) disse discordar das afirmações de que não há fiscalização sobre a destinação das unidades. Segundo a prefeitura, mais de R$ 31 milhões em multas foram aplicados a empresas por não cumprimento de regras para a construção de moradias populares.

O relatório divulgado nesta terça-feira (11) também faz comparações sobre a produção habitacional privada incentivada com recursos públicos nas 27 capitais brasileiras. Os resultados mostram falta de coesão entre as políticas adotadas no país e repetições de problemas que dificultam o controle, como a inclusão de famílias de faixas de renda relativamente altas como beneficiárias.

A imagem mostra um trem elevado passando por uma área urbana em construção, cercado por prédios altos. À esquerda, há um edifício em construção com andaimes, enquanto à direita, há vários prédios residenciais com janelas. O céu está nublado, e a cena transmite uma sensação de desenvolvimento urbano.
Prédios em construção próximos à estação Oratório do monotrilho, na zona leste de São Paulo; área tem incentivos ao mercado para construção de prédios - Danilo Verpa - 22.mar.2024/Folhapress

No intervalo de uma década, as unidades chamadas de HIS (Habitação de Interesse Social) passaram de 16% para 53% do total da produção de moradia pelo setor privado na capital paulista. Em 2010, eram 5.748 imóveis enquadrados como HIS dentro de um total de 36.300. Já em 2020, a produção anual de HIS atingiu 49.589 em um universo de 94.503 habitações.

Para que uma família tenha o direito de comprar a habitação social, é necessário ter renda máxima de até seis salários mínimos (R$ 9.108). Isso se torna um problema porque a ampla faixa salarial permite a pessoas com acesso a financiamento imobiliário competirem pelas unidades com famílias com renda de até dois salários mínimos (R$ 3.036), faixa na qual está concentrado o déficit habitacional, segundo Bianca Tavolari, coordenadora da pesquisa.

Se por um lado o fórmula para concessão de incentivos permite o ingresso de uma parcela ampla da população na disputa por moradias sociais, por outro, a fragmentação do cadastro de licenciamento da prefeitura criou, historicamente, um labirinto para a identificação dos empreendimentos incentivados, diz o relatório.

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Segundo a análise dos pesquisadores, o atual sistema de licenciamento não possui uma base de dados pública, o que impede que pesquisadores ou outras pessoas consigam checar se determinado empreendimento está regular.

Tanto o aumento na produção de HIS quanto o crescimento de outras modalidades na capital paulista têm como marco a aprovação do Plano Diretor Estratégico de 2014, na gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT).

De 2013 para 2014, o número de HIS saltou de 3.565 para 11.217, e o número geral de imóveis residenciais de 31.469 para 58.993. Na época, porém, a proporção de habitações sociais ainda representava 19% do total.

No planejamento do crescimento urbano anterior, a concessão de incentivos para a produção privada de habitação social exigia que as empresas beneficiárias estivessem conveniadas ou consorciadas com o poder público.

Com a renovação do plano, em 2014, a exigência foi retirada, permitindo a qualquer incorporador registrar projetos aptos a receber estímulos.

Em linhas gerais, os incentivos à construção privada de HIS em São Paulo são oferecidos por meio de isenções e descontos no pagamento da taxa para construir na cidade, a outorga onerosa, e com o aumento da área construída em relação ao terreno. Vantagens que ficam ainda maiores nas proximidades de corredores de ônibus e estações de trem e metrô.

Outro problema desse mecanismo, segundo Tavolari, é a ausência de controle de quanto o município deixa de arrecadar. "É um dinheiro que certamente faz falta para a produção habitacional para quem realmente precisa de uma política pública", comenta.

A produção de habitação social privada em São Paulo também é alvo de um inquérito do Ministério Público que apura fraude na destinação desses imóveis, mas o pedido de suspensão da política foi negado pela Justiça na semana passada.

As regras do Plano Diretor de 2014 foram revisadas e seus incentivos ampliados em 2023, na gestão Nunes.

A prefeitura diz que a localização dos projetos pode ser verificada no site GeoSampa e que, desde dezembro de 2024, qualquer pessoa pode acessar dados como endereço, quantidade e tipo de unidades licenciadas, datas dos processos e área a construir.

Representantes do mercado imobiliário em São Paulo, Secovi-SP e Abrainc foram procuradas, mas não responderam até a publicação deste texto.