segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Supremo forma maioria para permitir símbolos religiosos em prédios públicos, FSP

 

Brasília

STF (Supremo Tribunal Federal) formou maioria nesta segunda-feira (25) para permitir símbolos religiosos em prédios públicos da União, como crucifixos e imagens de santos. No caso, o Ministério Público Federal apresentou um recurso contra a presença desses ícones com o argumento de que o Estado é laico.

O julgamento tem seis votos contrários ao pedido e nenhum favorável até o momento. Os ministros têm até 26 de novembro para incluir seus votos no plenário virtual. O debate envolve laicidade, liberdade religiosa e a posição que o Estado deve ter diante desse tema.

O ministro Cristiano Zanin, relator do processo, diz que a exposição de símbolos que remetem ao cristianismo não representa afronta à laicidade do Estado, já que a religião está ligada à formação da sociedade brasileiro.

Ele foi acompanhado pelos ministros Flávio DinoAndré MendonçaDias ToffoliGilmar Mendes e Edson Fachin.

Plenário do STF tem crucifixo instalado à direita da cadeira do presidente do tribunal - Supremo Tribunal Federal - 25.nov.10/Divulgação

Último a se manifestar até aqui, Fachin afirmou que a separação entre igreja e Estado não pode isolar aqueles que guardam uma religião à esfera privada. Ele defendeu que os que não observam qualquer preceito religioso também devem esforçar-se por apreender as contribuições feitas ao debate público pelos religiosos.

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"Por me alinhar à percepção de que, no caso dos autos, a presença do crucifixo em espaços públicos se coloca como uma manifestação cultural, não verifico violação a liberdade de crença e consciência e a laicidade estatal. Ressaltadas as celebrações e o reconhecimento de culturas diversas e formas diferentes do modo de ser e de estar, acompanho o relator", disse.

Segundo Zanin, a influência da religião cristã está sacramentada nos dias consagrados como feriados e nos nomes das ruas, das cidades e até de estados brasileiros.

"A presença de símbolos religiosos nos espaços públicos [...] não constrange o crente a renunciar à sua fé; não retira a sua faculdade de autodeterminação e percepção mítico-simbólica; nem fere a sua liberdade de ter, não ter ou deixar de ter uma religião", diz Zanin no voto.

O julgamento tem repercussão geral —mecanismo pelo qual o Supremo define, com base em um caso, interpretação sobre determinado tema que valerá para todos os recursos correlatos.

"A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade", diz a tese proposta por Zanin.

Antes de propor a tese, o relator fez um breve relato sobre a história da formação da sociedade brasileira para comprovar a influência do cristianismo sobre o Brasil. Zanin cita trechos de livros de Gilberto Freyre e até um voto do ministro André Mendonça contra um processo que tentava proibir a construção de um monumento de São Sebastião na cidade homônima no litoral de São Paulo.

O ministro Flávio Dino seguiu a mesma linha de Zanin: "O Estado brasileiro não deve ser indiferente ou contrário à religião, mas sim respeitar e promover um ambiente onde a expressão religiosa possa coexistir de forma harmoniosa com o pluralismo".

Católico, Dino diz que o Brasil tem mais de 580 municípios com nomes de santos e santas. Para ele, isso comprova que a influência da Igreja Católica é "parte da construção de nossa identidade nacional".

"Do mesmo modo, desde o alvorecer do Brasil como nação, estavam presentes as religiões dos povos originários, assim como dos povos africanos —mesmo que oprimidos, perseguidos, silenciados", afirma Flávio Dino.

A controvérsia da manutenção de símbolos religiosos em prédios públicos chegou ao Supremo a partir da representação oferecida por um cidadão à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal por causa da existência de um crucifixo no Plenário do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do de São Paulo.

A ação questiona se a manutenção do símbolo fere a liberdade de crença e a laicidade estatal, presentes na Constituição Federal.

O próprio plenário do STF tem um crucifixo na parede atrás da cadeira do presidente da corte. A escultura foi quebrada durante a invasão aos Poderes, em 8 de janeiro de 2023, e reconstituída semanas depois.

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Eles não são (só) doidos, Dora Kramer, FSP

 Acreditar no inacreditável, bem como permitir que a imaginação obedeça aos ditames do inimaginável, são características daqueles que, por consciência ou contingência do devaneio, se deixam levar a um universo paralelo bem distante da realidade.

Tudo indica ser o caso do homem que se explodiu na praça dos Três Poderes, dos conspiradores do Planalto, dos presos por planejar assassinatos, dos depredadores das sedes-símbolo da República e de todos os que acreditaram na chance de Jair Bolsonaro (PL) continuar no poder sem lei e na marra.

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante solenidade de graduação de sargentos na Escola de Especialistas de Aeronáutica, em Guaratinguetá, São Paulo - Bruno Santos - 27.nov.2020/Folhapress - Bruno Santos/Folhapress

Olhando a cena, foge à compreensão a razão pela qual esses autores (e executores) do enredo da insurreição presumiram que teriam êxito; espanta como não consideraram a hipótese de um fracasso seguido de pesadas consequências.

A imprudência dos atos, e o emprego de meios toscos, de início faz pensar num surto coletivo de demência. Mas rompantes não duram tanto nem atingem igualmente pessoas com origens, idades, profissões, gêneros e etnias diferentes entre si. Algo as conecta ao mesmo universo de insensatez.

Desequilíbrios emocionais e mentais não explicam tudo. O desatino, de fato, desenha um traço de união entre o chaveiro do interior de Santa Catarina, oficiais de forças especiais treinados, militares de alta patente, ministros de Estado, presidente travestido de pregador da desobediência civil, gente que louva pneus na porta de quartéis e toda rede de rebeldes ávidos por uma causa.

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O ressentimento cria identificação. Do argumento da trama fornecido por Bolsonaro ao longo da carreira e do mandato de presidente, chegou-se à elaboração do roteiro do qual partiu-se para a execução de uma revolução tecida nos escaninhos de mentes contaminadas pelo vírus do inconformismo violento ante as regras da legalidade.

Não há que se falar em anistia. Não há como a sociedade condescender nem aceitar a versão de que a culpa é da loucura alheia. Não cola. Se doidos há, por trás deles estão os dirigentes do hospício, delinquentes muito conscientes de sua orientação à guerra.


Documentário retrata com afeto e delicadeza a demência de Maurício Kubrusly, FSP

 Se fizermos um levantamento das pessoas mais marcantes que já passaram pelo Fantástico, Maurício Kubrusly será um dos primeiros a serem lembrados. O carioca que adotou São Paulo foi um dos precursores na TV de um formato de matéria em que o repórter mergulha e interage com o cenário e com seus entrevistados, sempre atento ao detalhe mais curioso. Suas reportagens eram, antes de tudo, divertidas e deliciosas de se ver.

Numa reportagem da série que celebrou os 50 anos do Fantástico, no ano passado, ficamos sabendo que Kubrusly, hoje com 79 anos, sofre há algum tempo de demência frontotemporal, condição que provoca a perda de neurônios e da memória. Hoje, de todas as pessoas da sua vida, o jornalista só reconhece a mulher, a arquiteta e educadora Beatriz Goulart.

Foi a partir da repercussão dessa matéria que Beatriz decidiu contar a história do marido no documentário "Kubrusly - Mistério Sempre há de Pintar por Aí", que abriu a Mostra de Cinema de Gostoso, no litoral do Rio Grande do Norte. O filme estreia no dia 4 de dezembro no Globoplay.

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MÚSICA E MEMÓRIA

Dirigido por Evelyn Kuriki, que trabalhou com Kubrusly por 15 anos no quadro "Me Leva, Brasil", do Fantástico, e por Caio Cavechini, diretor de documentários da Globo, o filme se constrói em dois tempos diferentes. O primeiro é o ritmo frenético de suas reportagens, desde a primeira que fez na Globo, em 1985, quando entrevistou Cacá Rosset e Rosi Campos na estreia da peça "Ubu Rei" em São Paulo.

O segundo é o tempo bem mais lento em que Kubrusly vive hoje. Às vezes um lampejo de memória surge, sempre estimulado pela companhia afetuosa de Beatriz, que traz leveza mesmo às situações mais delicadas. Um estímulo é mais forte do que qualquer outro: a música, paixão do repórter desde seus tempos de crítico e editor da revista "Som Três". Até hoje, Beatriz encontra bilhetes com minirresenhas dentro das centenas de CDs que ele colecionou ao longo da vida.

Um dos pontos altos do filme é o encontro de Kubrusly com artistas que ele louvou em seus textos e reportagens para a TV antes de se tornarem consagrados. Gilberto Gil o visita e canta para ele "Esotérico", de onde saiu o verso que dá nome ao filme. Curioso é que o filme não deixa de exibir um trecho do "Roda Viva", da TV Cultura, em que Kubrusly recrimina o baiano na TV por ter estrelado um comercial de calcinha. Pequenas rusgas à parte, o afeto entre os dois se revela no último encontro, evidente e transparente.

EX-CARIOCA

Outra visita afetuosa é de Wandi Doratiotto, integrante do grupo Premeditando o Breque, destaque da cena paulista de vanguarda nos anos 80, ao lado de Luiz Tatit e outros. Kubrusly foi um ardente defensor do movimento, parte da paixão que desenvolveu por São Paulo desde que se mudou para a cidade –tanto que ele abre uma das reportagens mostradas no filme dizendo: "Eu sou carioca. Quer dizer... eu era".

Se há um ponto fraco no documentário é o fato de aderir demais ao ritmo frenético das reportagens do Fantástico, exibindo trechos muito picotados de matérias que gostaríamos de ver ou rever com um pouco mais de calma. Na rapidez, fica mais difícil entender a dimensão do carisma de Kubrusly, que encontrava personagens únicos em todos os estados e regiões do Brasil, e deles tirava o melhor para levar ao espectador.

"Kubrusly - Mistério Sempre Há De Pintar Por Aí"
Estreia dia 4/12 no Globoplay