domingo, 24 de novembro de 2024

Amizades por interesse surgem como novo tipo de relação, Ronaldo Lemos, FSP

 

SÃO PAULO

Em um mundo em que a solidão é epidêmica e a ansiedade, a regra, é preciso estar atento a novos tipos de relação que aparecem. A tendência mais recente vem da China. Trata-se de um novo tipo de amizade que por lá está sendo chamado de DaZi (搭子). O termo significa algo como "companheiro".

Na prática, a expressão se refere a amizades por interesse ou conveniência. Pessoas que se conhecem —na maioria das vezes pela internet— para realizar alguma atividade específica juntas. Por exemplo, ir ao cinema, à academia ou a um restaurante.

Após a atividade ser realizada, não há nenhum compromisso de se falar novamente nem de manter contato. A ideia é criar um vínculo social temporário, mas sem ter qualquer envolvimento emocional ou responsabilidade posterior.

Casal assiste a filme; China tem nova forma de encontros de relacionamentos

Como disse um jovem entrevistado pela Radii Media: "a relação é movida por interesse, uma vez que o interesse é realizado, não há qualquer vínculo. As relações DaZi são baseadas em uma necessidade temporária. Uma vez que ela é satisfeita, a relação pode terminar".

É como se fosse o fenômeno do "date" contemporâneo nas relações amorosas —mediado por aplicativos— levado ao campo das amizades. Após o encontro, as pessoas sentem-se confortáveis para fazer "ghosting" e simplesmente desaparecer sem falar nada.

As mídias sociais chinesas têm sido tomadas pelo termo DaShi. São pessoas à procura dos seus "companheiros por interesse", seja em posts individuais ou em grupos destinados a facilitar encontros assim.

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A plataforma social chinesa Soul chegou a publicar uma pesquisa sobre o fenômeno. As conclusões são interessantes. Quanto mais jovens as pessoas, maior a propensão de ter relações no estilo DaZi.

O fenômeno é forte especialmente entre quem nasceu a partir do ano 2000. Nesse segmento, 90% das pessoas conhecem o termo "DaZi" e 20% praticam esse tipo de encontro. Dentre quem faz DaZi, 48% têm 2 ou 3 companheiros simultâneos para atividades diferentes.

70% valorizam justamente a ausência de rótulos como a principal característica da relação. Dentre os interesses mais populares está ir a um restaurante (49,4%), ir a um show, festival ou cinema (43,7%) e praticar atividades esportivas (27,4%).

Uma das hipóteses para a popularidade desse tipo de relação na Geração Z seria que seus praticantes valorizam conexões sociais com limites claros. A ideia é se proteger de qualquer questão emocional, ficando só com a parte superficial da relação.

É claro que problemas também surgem. Muita gente reclama do caráter descartável e do eventual sumiço das pessoas sem qualquer justificativa. Isso acaba tendo sim repercussões sociais e emocionais. Há postagens reclamando que a total falta de vínculos da experiência faz com que as pessoas se sintam ainda mais vazias, ou tratadas como se fossem objetos.

Vale lembrar que a Ásia é hoje um grande laboratório sobre o convívio urbano contemporâneo. O DaZi - tal como o 4B - é só mais um tipo de sociabilidade que está sendo falada por lá primeiro e que depois acaba aparecendo por aqui também.

READER

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Becky S. Korich - Apesar de vocês, ainda estou aqui, FSP

Em uma cena emblemática do filme "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, um fotógrafo incumbido de registrar um retrato da família Paiva para ilustrar uma matéria jornalística pede uma foto "menos feliz". Mas Eunice Paiva não se rende: "Nós vamos sorrir. Sorriam!". Ela e seus cinco filhos sorriram para a foto, apesar da dor profunda que cada um carregava.

Corta para novembro de 2022. Um grupo de pessoas se reúne para tentar reverter o resultado das eleições e evitar a posse de Lula. O plano, de acordo com a Polícia Federal, incluía "neutralizar" (= assassinar) o presidente eleito, seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do STF Alexandre de Moraes.

A imagem mostra uma mulher em um ambiente interno, com paredes em tons claros e cortinas vermelhas. Ela está de pé, com uma expressão séria, vestindo uma blusa sem mangas azul escura e uma saia amarela. Ao fundo, há um sofá marrom, uma mesa lateral e uma lâmpada acesa. Também é visível uma obra de arte na parede.
Cena do filme 'Ainda Estou Aqui', de Walter Salles, em que Fernanda Torres interpreta Eunice Paiva, viúva de Rubens Paiva - Divulgação

Mas Eunice Paiva ainda está aqui. Quando o risco de uma ruptura democrática parecia iminente, a democracia se mostrou mais sólida. Graças às Eunices e apesar do choro das Marias e Clarices [Herzog], das torturas e das famílias destroçadas; graças aos sorrisos que não se renderam no passado, às fortalezas humanas, à coragem e à recusa de se silenciar diante da violência e repressão. Ainda estamos aqui graças aos que não desistiram —o não desistir é a nossa maior força—, aos artistas e intelectuais que não se calaram, a Chico Buarque, que também insistiu em sorrir na foto através da música e nos ajudou a acreditar que, apesar deles, "o outro dia" menos sombrio aconteceria.

Essa semana foi histórica, um desses "outros dias". A prisão de quatro militares e um policial federal e o indiciamento de 37 pessoas, incluindo o ex-presidente, que, segundo as investigações, tentaram orquestrar um golpe sangrento, foi a resposta contundente do Brasil à ameaça à sua democracia.

Mas só isso não garante. Para se assegurar uma democracia plena, não basta que a Corte Máxima puna golpistas: é essencial que nunca deixe de agir com transparência, seja apartidária, siga os ritos processuais, preserve a autonomia dos poderes e sempre garanta as liberdades individuais. A democracia é o governo do povo; o STF, o seu guardião.

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O senador Flávio Bolsonaro tem razão: não temos como criminalizar pensamentos de perdedores inconformados dispostos a tudo. Mas quando se tenta romper o Estado de Direito, a coisa vai para um outro lugar, onde matar se torna um "meio legítimo" —assim como foram consideradas legítimas as torturas, os sequestros e os assassinatos no período da ditadura. São atos que transcendem o campo político e ultrapassam as fronteiras do debate ideológico.

Felizmente, a verdadeira medida da solidez de uma democracia não está na ausência de ameaças, mas na capacidade das instituições de responderem com eficácia para impedir que essas agressões se concretizem.

A obra de Walter Salles é o "Feliz Ano Velho" da atualidade, o livro de Marcelo Rubens Paiva que chacoalhou os jovens da década de 1980 (entre os quais me incluo). O filme, que não poderia chegar em melhor momento, tem a mesma humanidade e causa o mesmo impacto do livro, ao mostrar uma parte do Brasil que os jovens só conhecem pelas páginas frias dos livros de história.

"Ainda Estou Aqui" não é uma aula, é uma lição. Quando se compreende a luta e os sacrifícios feitos para a conquista da democracia, todos se tornam cúmplices dela.

Eunice Paiva e a canção de Chico compartilham o mesmo coração: uma recusa em aceitar a escuridão como destino. E, juntas, sussurram ao futuro: "Apesar de vocês, ainda estamos aqui."