sexta-feira, 5 de abril de 2024

A imaginação no poder, Helio Schwartsman, FSP

 

SÃO PAULO

Nicolás Maduro promulgou a lei que "cria" o estado de Guiana Essequiba, em porção do território guianense que é reivindicada por Caracas. Não creio que o governante venezuelano chegará, pelo menos não por enquanto, às vias de fato.

É verdade que as Forças Armadas da Guiana não são páreo para as venezuelanas. Falamos de um efetivo de apenas 3.400 homens contra mais de 120 mil do vizinho beligerante. Mas a floresta é. Para de fato ocupar o território reclamado, as tropas venezuelanas precisariam ou fazer um complicado desembarque anfíbio em terreno para lá de inóspito ou então fazer um desvio passando pelo Brasil, o que Lula não autorizaria. Em qualquer caso, uma saída militar implicaria novas sanções contra a Venezuela e agravaria o isolamento diplomático do regime.

Nicolás Maduro promulga lei que cria o estado de Guiana Essequiba, na região do Essequibo, que pertence à Guiana
Nicolás Maduro promulga lei que 'cria' o estado de Guiana Essequiba, na região do Essequibo, que pertence à Guiana - Reprodução/Governo da Venezuela - Reprodução/Governo da Venezuela

Não dá para descartar a possibilidade de os EUA, a pedido da Guiana, despacharem um porta-aviões para a região, para proteger o país agredido. Aí a própria vantagem militar da Venezuela, cujo Exército deve estar bem deteriorado por anos e anos de crise, ficaria ofuscada.

É provável, portanto, que Maduro, dando um novo significado à expressão "a imaginação no poder", se limite a fingir que incorporou Essequibo. Se até alguns anos atrás um ditador simulando ter conquistado o país vizinho não passaria de enredo de comédia B, vivemos hoje num mundo em que fake news e outras modalidades de versões desvinculadas de fatos ganharam tal proeminência que é possível que a estratégia funcione. Serviria para fazer com que os venezuelanos que já apoiam Maduro se engajem no processo eleitoral. O pleito está marcado para julho.

Acho que o gesto de Maduro encerra ainda um não muito sutil recado a Lula, que vem esboçando um afastamento de Caracas. O venezuelano está dizendo "não me abandone, porque ainda sou capaz de criar instabilidades regionais". Envolver-se muito proximamente com ditadores é dor de cabeça assegurada.


Indústria ferroviária prevê fabricar mais vagões e locomotivas neste ano, FSP

 

RIBEIRÃO PRETO

Depois de ter zerado a fabricação de carros de passageiros em 2022 pela primeira vez desde 1997, a indústria ferroviária brasileira se recuperou parcialmente no ano passado e já projeta crescer neste ano.

As previsões são da Abifer (Associação Brasileira da Indústria Ferroviária), que estima que serão fabricadas 45 locomotivas neste ano, o que representa um crescimento de 45,16% em relação às 31 comercializadas no ano passado.

Imagem mostra uma trem passando em uma ponte sobre um rio
Indústria ferroviária projeta crescimento na fabricação de vagões e locomotivas em 2024 - Divulgação/ANTF

Já os vagões para cargas devem crescer 25,89% no ano, passando dos 1.271 fabricados em 2023 para 1.600. Os carros de passageiros, por sua vez, devem manter neste ano a produção do ano passado –291 unidades–, número muito superior aos registrados nos anos anteriores.

Em 2020, foram 72, ante os 35 de 2021 e nenhum, no ano seguinte. Desde o início da série histórica, em 1971, somente em 1997 e em 2022 os fabricantes nacionais não produziram um carro de passageiros sequer.

"Agora nós temos exportações para Taipei, Bucareste e Santiago. A indústria de passageiros, que ficou 10, 12 anos sem encomendas e sem nenhuma atividade industrial a não ser nas áreas de manutenção, volta a ter um protagonismo. Nós teremos pelos próximos quatro anos, já a partir deste ano, inclusive, cerca de 250, 300 carros por ano, que é um nível bastante satisfatório", afirmou o presidente da Abifer, Vicente Abate.

O recorde na produção de carros de passageiros foi obtido em 2016, com 473 unidades.

Segundo Abate, linhas do metrô paulistano como a 8 e a 9 fizeram recentemente encomendas na indústria nacional, e há as exportações em andamento, o que ajuda a explicar as perspectivas para 2024.

Imagem mostra aeromóvel já sobre os trilhos que farão a ligação entre a estação da CPTM e o aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo; início da operação é prometido para este ano
Aeromóvel já sobre os trilhos que farão a ligação entre a estação da CPTM e o aeroporto de Guarulhos, na Grande São Paulo; início da operação é prometido para este ano - @mporoficial no Instagram

Conforme o executivo, entre os projetos estão ainda o aeromóvel de Guarulhos, três lotes de dois carros cada produzidos pela Marcopolo Rail no Rio Grande do Sul e o leilão do trem entre São Paulo e Campinas, que deve contribuir para o setor pensar efetivamente num crescimento em médio prazo.

O primeiro dos trens que ligarão a estação da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) aos terminais de embarque e desembarque do aeroporto de Guarulhos chegou ao local no dia 15 de março.

"Nós tivemos sérias dificuldades. A indústria ferroviária experimentou ociosidade da ordem de 90%, até 100% em alguns casos, que começa a ser diminuída na medida em que esses projetos começam a acontecer."

A capacidade instalada da indústria nacional atualmente, que foi ajustada com a baixa demanda dos últimos anos, é de 2.000 vagões, 150 locomotivas e 600 carros de passageiros.

"O setor é estratégico para o país, entendemos que isso tende a crescer ano a ano a partir de agora. Esperamos que com os projetos colocados a gente consiga ter previsibilidade e uma produção mais regular em longo tempo."

Em relação à produção de vagões cargueiros, a expectativa é que o setor cresça gradualmente nos próximos anos, até atingir uma média superior a 3.000 vagões/ano.


Ruy Castro - À direita da extrema direita, FSP

 Em 1932, um jornalista português, António Ferro, 37 anos, conseguiu o que era dado como impossível: entrevistar o quase inatingível António de Oliveira Salazar, todo-poderoso de um governo que se definia como ditadura. Ferro teve com Salazar longas conversas, reunidas num livro de 300 páginas com o pensamento do ditador de Portugal.

Como foram essas conversas? A bordo de carros em movimento, à mesa de jantar, em torno de "fumegantes caldos verdes" e em passeios a pé por estradas, às vezes "à beira do anoitecer" ou sob "uma chuva miudinha e enervante". As perguntas de Ferro eram curtas, como sói, mas as respostas de Salazar eram caudalosas e demoradas, de páginas e páginas.

Como veterano entrevistador, tiro o chapéu para António Ferro. Em 1932, não havia gravadores, os alemães só lançariam o magnetofone em 1935. Ferro teve de anotar tudo a lápis ou caneta, nas terríveis condições descritas, e Salazar não as deve ter ditado com vagar. E eu queria ver Ferro taquigrafar no escuro, debaixo de chuva.

Donde só há uma explicação: todas as palavras atribuídas a Salazar são de Ferro. Por que Salazar se submeteria a tal? Porque confiava nele. Ferro era culto, ladino, muito inteligente —aliás, amigo dos modernistas brasileiros e colaborador da revista Klaxon. E os dois tinham muito em comum: desprezo pelo povo português, aversão ao Judiciário, ódio à democracia e admiração por Mussolini e Hitler.

A extrema direita costuma ser creditada a certos governantes. Mas eles talvez fossem apenas os executores da estratégia de um pensador maléfico, à direita da extrema direita. Ferro pode ter sido para Salazar o que Marinetti, criador do futurismo, foi para Mussolini; Oswald Spengler, para Hitler; Steve Bannon, para Donald Trump; e Olavo de Carvalho, para Bolsonaro. O que nos salva é quando esses governantes se empolgam e resolvem pensar por conta própria.

António Ferro (esq.) e Salazar na Torre de Belém
António Ferro (esq.) e Salazar na Torre de Belém - Wikimedia Commons