domingo, 19 de fevereiro de 2023

Gestão Ricardo Nunes discute projeto para comprar sucata de moradores de rua, FSP

 

SÃO PAULO

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) discute a criação de um projeto de compra de sucata vendida por moradores de rua no centro de São Paulo.

O material seria adquirido pontos afastados da região central da cidade, ao lado dos quais haveria centros de acolhida, nos quais eles poderiam dormir.

A ideia do projeto é a de oferecer uma forma de remuneração a essas pessoas, que habitualmente vendem os materiais a preços baixos em ferros-velhos, e desarticular as aglomerações de pessoas em situação de rua no centro da cidade.

Prefeito Ricardo Nunes (MDB) durante reinauguração do Museu do Ipiranga
Prefeito Ricardo Nunes (MDB) durante reinauguração do Museu do Ipiranga - Rubens Cavallari-6.set.2022/Folhapress

A Prefeitura de SP ainda discute a melhor maneira de operacionalizar o programa, possivelmente integrando aos contratos de concessão de coleta de lixo.

Nunes tem lançado programas para atacar a situação crítica do centro da capital, com a cracolândia e grande crescimento no número de moradores de rua.

Em articulação com o Governo de São Paulo, criou um pacote de saúde, habitação, assistência e segurança para tentar acabar com a cracolândia. Além disso, intensificou a retirada de barracas de moradores de rua.

O tema será central em sua tentativa de buscar a reeleição em 2024, quando provavelmente terá como adversário Guilherme Boulos (PSOL), que concentra sua atuação na área da habitação.

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Uma ação impetrada pelo líder do MTST levou a Justiça a determinar, em caráter liminar, a suspensão da remoção de barracas e outros pertences das pessoas em situação de rua.

Muniz Sodré - Outro lado do desespero, FSP

 A palavra "cercadinho" evoca tanto o chiqueiro dos quintais interioranos quanto o pequeno biombo que protege crianças enquanto as mães cumprem tarefas domésticas. Já o espaço onde o ex-presidente interagia com apoiadores popularizou-se como "cercadinho do Alvorada". Reedita-se agora em Orlando como show, estilo beija-mão populista, a preços vips e populares. Na estreia o ex-mandatário do "Brasil acima de tudo" causou: "Pela lei, sou italiano".

beija-mão era uma tradição de reverência, transmitida da monarquia portuguesa à Corte Imperial brasileira. Membros da elite eram admitidos ao palácio para oscular a mão de Pedro 2º. No show, o ex-presidente enrola-se na bandeira sob um holofote, enquanto espectadores, aparentemente migrantes alheios à realidade brasileira, rezam e lhe oferecem cestas com pão e Nutella.

"Surreal", comentou a revista Time. Não há, claro, comparação plausível entre o rito imperial e a aglomeração do cercadinho, vendida como gabinete de curiosidades, do tipo "neofascista ao alcance de um selfie". O bozoshow é bizarro, logo, estimulado pela mídia. Mas seria esnobismo desconsiderá-lo: é pertinente à compaixão reflexiva.

Sem articular o humano com o político, tende-se a generalizações. Para além da superfície factual, na interioridade mental dos segmentos sociais, faz-se cabível a hipótese dramática do desespero. Não algo como o dos yanomamis, marcados física e moralmente pela opressão sórdida, mas desespero como "a inconsciência dos homens de seu destino espiritual" (Soren Kierkegaard, "O Desespero Humano").

Até mesmo o indivíduo mais desprovido de sentimentos próprios pode ser habitado pela angústia desesperada de não portar um espírito. É um desespero comum à diversidade humana das classes sociais. Nesse estado emocional, o cidadão permite-se àquilo que Kierkegaard chamou de "direito de chicana da Verdade". Ou seja, direito de mentir. Não o perturba estar em erro, pois emoções têm mais força do que a verdade e o espírito. Inútil desmentir, apenas contrapor-se a fake news. A mentira é uma blindagem.

cercadinho do Alvorada foi laboratório dessa autoimunidade ao verossímil, irradiadora da indistinção entre o rico, o pobre, o troglodita, o civilizado e o mané que votaram aos milhões no ícone do que de mais infame a nação já produziu sob a República. Não que a angústia possa estar ausente de quem optou pela saúde democrática: apenas foi canalizada por emoções lúcidas para uma aposta na vida.

Vale dizer: e quem assim o fez foi por desespero não tão exacerbado como o da figura cristã do diabo, filosoficamente o mais intenso de todos. Dele, autodenominado Legião, Cristo transferiu os maus espíritos aos porcos. É o risco teologal das varas, manadas e cercadinhos.


Ruy Castro Quero morrer no Carnaval, Ruy Castro _FSP

 Há 30 anos, se alguém lamentasse o fim dos blocos de Carnaval, seria tachado de saudosista. As escolas de samba tinham vindo para ficar, e o Carnaval se reduzira a um lugar na arquibancada para vê-las passar. Era o Carnaval sentado. É verdade que, no Rio, os blocos nunca tinham sumido de todo. Havia o Bola Preta, nas ruas desde 1919, o Cacique de Ramos, desde 1961, e alguns novos, como o Simpatia É Quase Amor, em 1985. Mas, a partir de 2000, a coisa estourou até chegarmos às atuais centenas de blocos, alguns mega.

Hoje, será um saudosista quem se perguntar sobre os sambas de Carnaval. Não os das escolas, chatos e repetitivos, mas os feitos para serem cantados pelo povo no asfalto. Sambas mesmo, não marchinhas —lindos, melódicos, de frases longas, críticos ou românticos. Acredite ou não, eles já foram a grande força do Carnaval. Eis alguns.

"Covarde sei que me podem chamar/ Porque não calo no peito essa dor/ Atire a primeira pedra, ai, ai, ai/ Aquele que não sofreu por amor...", de Ataulpho Alves e Mario Lago, para o Carnaval de 1944. "Trabalho como um louco/ Mas ganho muito pouco/ Por isso eu vivo/ Sempre atrapalhado// Fazendo faxina/ Comendo no china/ Tá faltando um zero/ No meu ordenado...", de Ary Barroso e Benedito Lacerda, 1945.

"Sapato de pobre é tamanco/ Almoço de pobre é café, é café!/ Maltrata o corpo como quê, porque/ O pobre vive de teimoso que é...", de Luiz Antonio e Jota Junior, 1951. "Lata d’água na cabeça/ Lá vai Maria, lá vai Maria/ Sobe o morro, não se cansa/ Pela mão leva criança/ Lá vai Maria...", também deles, 1962. E, do mesmo Luiz Antonio, mestre dos sambas dolentes e sensuais: "Quero morrer no Carnaval/ Na avenida Central/ Sambando/ O povo na rua cantando/ O derradeiro samba/ Que eu fizer chorando...", em parceria com Eurico Campos, 1961.

Bem, se um dia os sambas voltarem, já sabe: você leu sobre isso aqui primeiro.

Confete, flâmulas, revistas de marchinhas, livro e memorabília do Carnaval - Heloisa Seixas