Considerado uma das principais referências do vôlei no Brasil, o ex-líbero Serginho, 45, diz que está aliviado por não ter que participar como atleta das Olimpíadas de Tóquio. Agora, ele está do outro lado do balcão, estreando como comentarista de vôlei masculino da Globo e do SporTV durante a competição.
“É muito gostoso poder reviver o voleibol de alto nível fora das quadras, estou muito feliz”, diz. “É aquele sentimento de ‘ufa, não vou precisar jogar’. Deixa essa responsabilidade para os atletas”, completa, entre risos.
Nascido em Diamante do Norte (PR) e criado no bairro de Pirituba, zona norte de SP, Sérgio Dutra Santos defendeu a seleção brasileira por quase duas décadas. Conquistou duas medalhas olímpicas de ouro (Atenas-2004 e Rio-2016) e duas de prata (Pequim-2008 e Londres-2012), duas Copas do Mundo (ambas no Japão, em 2003 e 2007), sete vezes a Liga Mundial e foi medalha de ouro no Pan-Americano do Rio, em 2007.
Ele anunciou sua aposentadoria em maio de 2020, em meio à epidemia da Covid-19. Sua última partida foi em março, pela equipe Vôlei Ribeirão —seu último jogo com a camiseta verde e amarela foi em 2016. “É difícil saber a hora de parar. Mas sempre preparei a minha cabeça para isso, sempre soube que essa vida de atleta não seria para sempre”, diz. “Poderia jogar mais um ano? Sim. Tinha saúde para isso? Também. Mas tudo que queria fazer, eu já tinha feito. Minha história como atleta se encerrou. Quem viu, viu. Quem não viu, joga no YouTube e vai ver.”
Foram mais de 30 anos jogando vôlei. Ele conta que desde sempre teve afinidade com os esportes. “Na minha infância, a nossa internet era a calçada de casa, onde todas as crianças se encontravam para jogar bola. Não tinha videogame nem celular”, diz. Serginho afirma que sempre teve muito apoio da família —e que sua mãe é a “grande culpada” por ele ter se tornado atleta profissional.
“Um dia ela foi na feira e comprou uma bola pra mim. Mas comprou uma de vôlei achando que era de futebol [risos]. E a minha casa ficava numa descida, não tinha como jogar. Aí, comecei a dar umas pancadas na bola, jogava ela lá em cima [na rua] e ficava esperando ela descer, ficava brincando desse jeito. Foi quando eu realmente despertei para o esporte.”
No início da carreira, conciliava os treinos com outras profissões, porque precisava contribuir financeiramente com a renda da família. “Já fui vendedor de produtos de limpeza. Entrava nas comunidades numa kombi velha pra oferecer cândida, detergente. E também já trabalhei com um amigo colando papel de parede.”
O ex-atleta afirma que nunca se abalou com xingamentos ou críticas de torcida —“entrava num ouvido e saía pelo outro”. E diz que a prática do cancelamento nas redes sociais “é a maior besteira que existe”. “Hoje, as coisas estão muito misturadas. As pessoas estão esperando um erro para crucificar a outra, sendo que nem sempre elas sabem da trajetória dela. Pelo amor de Deus. Que mundo é esse?”
Ele diz que leva um estilo de vida tranquilo e que, apesar da visibilidade que a carreira lhe proporcionou, é como qualquer pessoa. “O esporte e a TV te botam num patamar que parece que sou um intocável. Não é assim. Eu choro, vou ao banco, tenho que buscar meus filhos”, continua. Ele é pai de Marlon, 24, Matheus, 22, e Martin, 13.
Serginho conta que espera se emocionar com grandes exemplos e histórias nos Jogos de Tóquio. “Essa nova geração precisa de novos ídolos, de pessoas que os inspirem. O Brasil está carente de ídolos. Estamos carentes de pessoas em quem os outros possam se inspirar. O esporte tem essa facilidade e a mídia acaba endeusando de uma certa maneira. Mas, às vezes, fora de quadra ou do campo, a pessoa deixa a desejar.”
“Queremos heróis de verdade. Herói de mentira a gente vê todos os dias. Temos que mostrar que somos bons dentro do esporte, mas somos melhores fora dele”, segue.
Serginho já foi às redes sociais para se posicionar sobre temas que considera importantes, como a luta antirracista. Mas diz que isso varia de acordo com cada atleta. “Se o cara quiser se posicionar, está certo. Se não quiser, também está certo. Cada um está no seu direito, é liberdade de expressão.”
Ele diz que não é uma pessoa muito ligada em política e que não é “nem de esquerda nem de direita”. “A minha política é ser cidadão de bem, fazer minha parte bem feita, pagar meus impostos, não atravessar no farol vermelho.”
Para ele, esporte não é política —mas diz que o primeiro precisa muito do segundo “para sobreviver”. “O esporte no Brasil hoje é um grãozinho de areia. Os nossos atletas são pessoas batalhadoras. Nem sempre têm as melhores condições, o melhor tênis, a melhor bola, o melhor ginásio [para treinar]. E são esses caras que estão nas Olimpíadas. Eles são guerreiros.”
No começo do ano, concorreu à vice-presidência da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) na chapa de oposição encabeçada pelo empresário Marco Túlio Teixeira —mas não foi eleito. “A minha intenção era ajudar a reformular o voleibol brasileiro. Acho que lá dentro [da CBV] precisa de pessoas que entendam de vôlei, que façam as coisas acontecerem. Não podemos deixar o esporte entrar em decadência.”
Ele diz que, se estivesse na CBV quando ocorreu o episódio com a jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, teria agido de outra forma. Carol foi muito criticada após se manifestar contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Em entrevista ao vivo, ela disse “fora, Bolsonaro”. O ato gerou uma nota de repúdio da confederação.
“A questão ali era sentar e conversar. Deveria ter sido estudado direitinho e as decisões tomadas por todos. A gente precisa pensar no atleta também, não podemos massacrar a pessoa porque ela fez determinada coisa. Cada um tem a sua opinião. Se foi errado ou não, a gente não pode crucificar.”
O episódio gerou comparações com a atitude da CBV diante de dois atletas da seleção masculina de vôlei, Wallace e Maurício Souza, que posaram para foto demonstrando suposto apoio ao então candidato Bolsonaro em 2018. Ao contrário dos atletas, Carol foi denunciada ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva sob acusação de ter prejudicado a imagem da CBV. “Foram dois pesos, duas medidas, né? O que vale para um tem que valer para todos”, diz Serginho.
Ele avalia que a realidade atual do vôlei no Brasil é “muito ruim e triste” e acredita que deve haver mais incentivo do governo. “A estrutura hoje está de mal a pior. Estamos perdendo nossos principais jogadores para a Europa. Queremos nossos craques jogando aqui. Eles vão buscar estabilidade financeira, o nível técnico, o que é melhor para eles.”
O ex-atleta conta que, em 2020, se isolou e fez quarentena por cerca de três meses em seu haras em Jarinu, no interior paulista. Diz que teve Covid-19 e que já tomou a vacina. E critica quem se recusa a receber o imunizante. “A vacina é nossa esperança hoje por dias melhores. Não tomar a vacina é um atestado de burrice.”
Sobre o futuro, diz que quer curtir a família e continuar com os trabalhos no Instituto Serginho 10, inaugurado em 2019. A iniciativa busca criar oportunidades para jovens por meio do esporte e da educação. Antes da epidemia, ele afirma que o instituto atendia cerca de 500 crianças e adolescentes, de 7 a 18 anos. “Sempre quis retribuir tudo aquilo que o vôlei me deu.”
E toparia se tornar técnico? “Não posso falar que dessa água nunca beberei, até acho que tenho o perfil. Mas no momento, não. Voltar com aquela rotina de quadra não é fácil. Mas pode ser, né? Quem sabe um dia”, finaliza.