segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Viramos na curva errada, e a prioridade à ética na política terminou, FSP (lindo)

Agora é torcer para que alguma coisa que perdeu na década de dez vença na de 20

  • 10
No começo dos anos dez, a crise do euro sucedia a do subprime americano, o resultado da aterrissagem chinesa era incerto, e estava claro que não poderíamos mais contar com o cenário externo para crescer. Após décadas de crescimento baixo, era claro que o modelo econômico brasileiro estava esgotado. Nos anos seguintes, houve duas tentativas ambiciosas de reformá-lo: a Nova Matriz Econômica de Dilma Rousseff e as reformas liberais do pós-impeachment.
A Nova Matriz fracassou. Até o PT admite que as isenções fiscais e outras medidas de estímulo não geraram qualquer crescimento, mas desorganizaram completamente as finanças públicas.
Quando Dilma foi reeleita em 2014, os preços das commodities desabaram, e a Lava Jato travou o investimento público no curto prazo. Em épocas normais, seria hora de estimular a economia, mas o dinheiro do estímulo havia sido desperdiçado pela Nova Matriz quando estávamos no pleno emprego.
Os economistas ainda discutem o que teria sido melhor fazer em 2015, mas o fato é que o PIB caiu 8% em dois anos, um número de país em guerra. E assim terminou meia década de total prioridade à promoção do crescimento.
No começo do segundo mandato de Dilma, a Lava Jato ganhou velocidade e enormes escândalos da era petista vieram a público. Os escândalos das eras anteriores já tinham prescrito.
Uma grande onda de esperança tomou o Brasil, mas foi um azar que a crise econômica e as revelações da Lava Jato acontecessem ao mesmo tempo. A opinião geral era que o dinheiro acabou porque os políticos roubaram. Era mentira, mas foi o que tivemos no lugar de debate sério.
Foi mais ou menos nessa altura que o PSDB e o resto da centro-direita brasileira acharam que era uma boa ideia apoiar o impeachment de Dilma Rousseff, o que implicava amarrar seu programa de reformas e seus melhores quadros ao PMDB da Câmara no auge da Lava Jato.
O programa de Temer era simples: reformas liberais e acordão do Jucá. Fracassou, bateu recordes de impopularidade e Geraldo Alckmin teve só 4,5% dos votos em 2018. Fazendo oposição às reformas, o PT foi ao segundo turno. Mas a oposição que venceu foi ao acordão.
Não seria um problema se essas aspirações tivessem sido representadas por Joaquim Barbosa, ou Luciano Huck, ou outro democrata.
Ao invés disso, venceu o bolsonarismo, uma aliança entre acusados de corrupção do baixo clero e defensores de milícia, todos fanatizados pela ideologia dos porões da ditadura. A extrema direita pós-2008, que já havia destruído a democracia húngara e começado a destruir a polonesa, chegou ao poder no Brasil. Tornamo-nos um polo de irradiação de extremismo e negacionismo climático, uma piada e um risco geopolítico ao mesmo tempo.
Na semana passada, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que um esquema de corrupção da família do presidente da República fez transferências de dinheiro para o chefe da milícia que matou Marielle Franco. E assim terminou meia década de total prioridade à ética na política.
Houve vários momentos em que poderíamos ter voltado ao caminho certo. Sempre viramos na curva errada.
Agora é torcer para que alguma coisa que perdeu na década de dez vença na de 20, e que, um dia, alguém critique essa coluna por não ter visto o germe do novo em meio à catástrofe.
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Oposição está muda como sempre, FSP

No Brasil, presidente da República detém monopólio do megafone político

  • 4
A política sob Jair Bolsonaro inovou em alguns aspectos. Ele é o primeiro governante desde a redemocratização a abrir mão de costurar maiorias estáveis no Congresso. Seu algoritmo corrosivo destruiu até mesmo a legenda de aluguel pela qual foi eleito.
Algumas coisas, entretanto, não se alteraram. Apesar de haver flancos para explorar, não se nota oposição ativa nem vocal.
O cercadinho da besta autoritária que habita o Executivo está sendo mantido por lideranças silenciosas da Câmara e do Senado, agentes de controle dentro da máquina estatal e organizações da sociedade.
Submergiram todas as forças partidárias derrotadas na eleição passada e também as que cogitam se alevantar na próxima. Lula na cadeia parecia galvanizar mais o público do que solto. Doria descobre que a vida de governador de São Paulo também pode ser dura. Huck continua dissolvido no caldeirão. Ciro onde estará?
Lula durante ato no Circo Voador, no Rio de Janeiro - Zo Guimaraes - 18.dez.2019/Folhapress
Já o destampatório diário de Bolsonaro perpassa tudo, mesmo sendo ele um dos presidentes com menos poder, de fato e de direito, em 31 anos de vigência desta Constituição. Menos, no entanto, não quer dizer pouco.
No Brasil destas últimas três décadas, a fala, a prerrogativa de definir a agenda política, tem sido monopólio de quem dirige o Palácio do Planalto. Seus opositores vivem a pão e água e semimudos, à espera de uma janela eleitoral ou de uma erupção nas ruas.
Essa é uma das razões a tornar tão custoso perder uma eleição por aqui.
Algo a observar, a esse respeito, são as especulações de congressistas para retirar o veto à reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara. Sem a amarra, eles poderiam comandar as suas Casas ao longo de todo o mandato do presidente da República.
Nessa hipótese poderiam também disputar em melhores condições o megafone da política nacional e desobstruir, ao menos em certas ocasiões, os canais que condenam a oposição ao silêncio.
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.