Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo
01 de junho de 2019 | 03h00
Você já deve ter reparado que pessoas que levam cachorros para passear se tornam mais sociáveis e humildes. O aumento da sociabilidade advém do fato de dois cachorros sempre pararem para se cheirar ou para latir para o outro (é o caso do nosso Loki, um maltês que se acha dogue alemão).
Esses encontros caninos, na maioria das vezes, provocam alguma conversa entre os donos, que primeiro versa sobre cães, mas pode terminar em casamento. Além disso, o fato de as pessoas que caminham com cachorros serem obrigadas a sair da superioridade arrogante – característica de nossa espécie – e serem obrigadas a vestir a mão com um saco plástico, se abaixar e coletar as fezes de uma espécie inferior é um ato de humildade comparável à cerimônia de lava-pés, onde o papa lava os pés de mendigos todos os anos como símbolo de humildade.
Também sabemos que pessoas que levam cachorros para passear se livram do risco de os canídeos fazerem suas necessidades no apartamento ou que, aflitos, passem a destruir a mobília. Tudo isso é bem conhecido. Mas agora uma pesquisa feita na Inglaterra descobriu algo inesperado: são os cachorros que levam seus donos a passear e não os donos que levam os cachorros.
É uma espécie de consenso que a quantidade mínima de exercício necessária para nos mantermos saudáveis é de 150 minutos semanais de atividade moderada (ser rebocado pelo Loki pelas calçadas, por exemplo). Com isso em mente, um grupo de cientistas ingleses decidiu comparar a quantidade de exercício feita por pessoas que têm ou não cachorros.
Foram estudados 385 lares de West Cheshire, na Inglaterra, de julho a agosto de 2015. Nesse grupo havia 191 adultos que tinham cachorros, 455 adultos que não tinham e 45 crianças. Além de um questionário detalhado, essas pessoas receberam um desses equipamentos de pulso que monitorou a quantidade de exercícios que a pessoa fez durante os dois meses da pesquisa.
Terminada a coleta de dados, que incluía a estrutura familiar (por exemplo, pessoas por habitação), as informações pessoais (sexo, idade e estado civil), socioeconômicas (renda e educação) e de saúde (presença de doenças e peso), os números foram analisados.
Primeiro, os cientistas classificaram as pessoas segundo a quantidade de exercício que praticavam todo dia. Em seguida, tentaram achar entre todos os dados coletados quais tinham correlação melhor com a quantidade de exercício feita pela pessoa. Para surpresa deles, não foi a idade, o sexo, o estado civil, a renda ou a educação o fator melhor correlacionado com a quantidade de exercício. A variável que melhor explica a quantidade de exercício que uma pessoa faz na semana é a posse ou não de cachorro. O resto não fazia diferença.
Mais interessante foi a conclusão que a maioria das pessoas que tinham cachorros praticavam a quantidade recomendada de 150 minutos por semana de exercício físico. Ou seja, é a posse de um cachorro que determina se uma pessoa faz ou não a quantidade de exercício recomendada.
Com base nisso, é possível o seguinte raciocínio: sabemos que a maioria das pessoas não compra um cachorro para fazer exercício. As razões são geralmente outras, como o amor aos animais, o prazer da companhia, ou mesmo o desejo do filho (meu caso).
Se isso é verdade, e também for verdade que quando uma pessoa possui um cachorro ela passa a fazer mais exercício, mesmo sem ser esse o seu desejo, podemos concluir que é o cachorro que leva a pessoa a fazer exercício. E isso significa que é o cachorro que leva a pessoa para passear todos os dias, e não a pessoa que leva o cachorro. Mas, de certa forma, isso não é novidade. São os cachorros que mandam em nós e não o contrário.
* MAIS INFORMAÇÕES: DOG OWNERS ARE MORE LIKELY TO MEET PHYSICAL ACTIVITY GUIDELINES THAN PEOPLE WITHOUT A DOG: AN INVESTIGATION OF THE ASSOCIATION BETWEEN DOG OWNERSHIP AND PHYSICAL ACTIVITY LEVELS IN A UK COMMUNITY. NATURE SCI. REP. VOL.9 PAG. 5704 (2019)