A democracia brasileira —objeto de múltiplas análises nos últimos anos — goza de saúde relativamente boa, mas é uma das seis que conheceram retrocessos de 2017 para 2018. É o que mostra o Relatório Anual da Democracia, estudo centralizado no Departamento de Ciência Política da Universidade de Gotemburgo (Suécia).
Participam do projeto mais de 3 mil acadêmicos e especialistas, que avaliam a democracia em 178 países.
No ranking geral, o Brasil é o 56º colocado, o que significa que está no terço superior da tabela.
Mas é pouco para o país mais rico da América Latina, porque, entre outras razões há seis países latino-americanos à frente do Brasil: Costa Rica (um impressionante 6º lugar), Chile (18º), Uruguai (21º), Argentina (42º), Panamá (47º) e Peru (49º).
Aqui, cabe fazer a ressalva de praxe: esse tipo de ranking precisa sempre ser tomado com uma pitada de sal porque, em ciências humanas, entra sempre a subjetividade. Não parece muito razoável colocar Panamá ou Peru à frente do Brasil no quesito democracia.
O que talvez explique essa colocação relativamente ruim do Brasil é a observação de que “o relatório identificou inquietantes tendências em vários países chaves, como Brasil, Índia, Polônia, Rússia, Turquia e Estados Unidos”. No caso dos EUA, é evidente que a administraçãoTrump explica a inquietação dos pesquisadores, que, de resto, levou esse antigo defensor da democracia a um modesto 31º lugar.
No caso do Brasil, a democracia capenga em dois dos cinco grandes itens em que se divide o ranking: o de igualdade e o que o estudo chama de “Componente Deliberativo".
É o processo pelo qual “um raciocínio lógico, focado no bem comum, motiva decisões políticas, em contraste com apelos emocionais, interesses paroquiais ou coerção”. O relatório diz mais: “Democracia requer mais que a agregação de preferências existentes. Deveria haver também um diálogo respeitoso em todos os níveis entre participantes informados e competentes que estejam abertos à persuasão".
No ambiente conflagrado que 11 de cada 10 analistas vêm apontando no Brasil, é inevitável que o país acaba em posição péssima nesse capítulo do ranking (104º lugar ou seja na parte inferior da tabela).
No outro item em que o Brasil capenga (o da igualdade), dispensam-se maiores explicações: a desigualdade no país é uma chaga crônica, o que leva o Brasil ao 108º lugar no ranking (sempre entre 178 países).
Em dois dos outros itens do ranking, o país se sai relativamente bem ou, pelo menos, bem melhor do que na classificação geral: é o 44º no Índice de Democracia Eleitoral e é o 45º no de Participação.
Trocando em miúdos: o processo eleitoral é razoavelmente aceitável no Brasil, aos olhos dos pesquisadores.
No quesito Participação, mede-se principalmente a organização da sociedade civil, os mecanismos de democracia direta (plebiscitos e referendos), participação e representatividade junto aos governos locais (prefeituras no caso do Brasil) e regionais (estados).
Curioso, neste último ponto, é que a posição do Brasil é muito boa tanto no que se refere aos governos locais (16º lugar) quanto nos regionais (21º).
Por fim, no quinto ponto que o relatório abrange (o chamado Componente Liberal), o Brasil fica em posição pior do que no conjunto do ranking: é 74º, quando, no geral, é o 56º.
O Componente Liberal mede, por exemplo, o grau de igualdade ante as leis e os freios que tanto o Judiciário como o Legislativo impõem ou não ao Executivo.
Tudo somado, o ranking da Universidade de Gotemburgo incomoda menos pela posição em que o país se encontra, por ser previsível, e mais pelo fato de que está listado entre os seis que mais retrocedem no quesito democracia. Pior: na companhia do Brasil, estão a Turquia de Recep Tayyp Erdogan, conhecido pelo crescente autoritarismo, e os Estados Unidos de Donald Trump (os outros três são Polônia, Croácia e Romênia).
Dispensável dizer que nos primeiros lugares do ranking estão os suspeitos de sempre, pela ordem: Noruega, Suécia, Estônia, Suíça e Dinamarca. Surpreende a Costa Rica no 6º lugar e Portugal no 10º.
Vale, pois, torcer para que se realize a profecia de Chico Buarque de Holanda em seu “Fado Tropical": “Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:/Ainda vai tornar-se um imenso Portugal".
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