domingo, 3 de junho de 2018

Produção nacional de diesel é a mais baixa em 15 anos, FSP

O país produziu 9 bilhões de litros de diesel no primeiro trimestre, queda de 9,2%

Caminhões na estrada
Protesto de caminhoneiros na rodovia Régis Bitencourt, em 29 de maio - Zanone Fraissat/Folhapress
Nicola Pamplona
RIO DE JANEIRO
A produção nacional de óleo diesel atingiu no primeiro trimestre de 2018 o pior nível para o mesmo período desde 2003. A retração é resultado de nova estratégia de gestão do refino da Petrobras, que vem sendo criticada por abrir mercado a combustíveis importados.
Com a política de preço de reajustes diários atreladas à variação do câmbio e do preço do petróleo, adotada pelo ex-presidente da Petrobras, Pedro Parente, era mais vantajoso para a estatal importar o produto, daí a redução da produção nacional e o aumento da importação.
No novo cenário, que inclui represamento da preço no mercado interno, sem reajustes diários, a estimativa é que a importação de diesel possa reduzir as margens de ganho da Petrobras. O gasto com essa parcela de diesel importado vai continuar pressionada pela alta no preço do óleo (por divergências entre os produtores mundiais) e aumento do dólar (causado pela guerra comercial global liderada por Donald Trump presidente dos EUA, alta dos juros americanos e eleições no Brasil).
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Com a paralisação dos caminhoneiros, representantes da oposição e até aliados do governo passaram a questionar a política de preços dos combustíveis e o crescimento da participação de combustíveis importados no mercado brasileiro.
Pressionado pelas críticas, Pedro Parente pediu demissão da estatal na sexta (1º) e será substituído pelo diretor financeiro da companhia, IvanMonteiro.
Na gestão Parente, a Petrobras mudou a estratégia de gestão do refino, optando por produzir menos diesel sob a justificativa de que, a partir de determinado volume, pode ser mais vantajoso para a companhia exportar petróleo e importar o combustível.
De acordo com dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o país produziu 9 bilhões de litros de diesel no primeiro trimestre, volume 9,2% inferior ao verificado no mesmo período de 2017 e 25% menor do que o recorde atingido em 2013.
A queda se deu em um momento de recuperação, ainda que pequena, das vendas internas do combustível, que cresceram 1,8% no trimestre, para 13,1 bilhões de litros. Foi o primeiro ano de aumento desde 2014, quando se iniciou a recessão.
Os dados da ANP mostram que o diesel nacional está sendo substituído por importações, apesar da mudança de frequência dos reajustes promovida pela Petrobras em julho de 2017, que permitiu ajustes diários para competir com produtos importados.
As importações de diesel atingiram 3,6 bilhões de litros no primeiro trimestre, alta de 5,3% com relação ao ano anterior e custaram ao país US$ 1,8 bilhão no período. O volume importado é o maior desde 2000, quando a ANP passou a compilar dados sobre o mercado de combustíveis no país.
Assim, no primeiro trimestre, a participação de diesel importado nas vendas do combustível no país chegou a 28%, a maior da série histórica e 27% superior à segunda maior, em 2017. O crescimento das importações reduz a operação das refinarias e é um dos alvos da greve iniciada pelos petroleiros na última quarta (30).
“A empresa está sendo prejudicada”, afirma o diretor da FUP (Federação Única dos Petroleiros), Deyvid Bacelar, que já representou os empregados da Petrobras no conselho de administração da estatal. Ao fim do primeiro trimestre, o nível de utilização das refinarias da empresa era de 77%.
A estratégia passou a ser questionada por políticos tanto da oposição quanto do governo e ganhou destaque entre postulantes a cargos públicos nas eleições de 2018 após o início da greve dos caminhoneiros.
“Vejam que absurdo: na hora em que o Brasil tem superprodução [de petróleo], nós viramos importador crescente de derivados em dólar”, criticou nesta semana o pré-candidato à Presidência pelo PDT, Ciro Gomes.

PONTO ÓTIMO 

A Petrobras defende que o recuo na produção de diesel é parte de uma estratégia de gestão do refino, que prioriza a rentabilidade das operações ao invés dos volumes de produção. E que, em certos casos, é melhor exportar petróleo do que refinar no Brasil.
“Existe um ponto ótimo de refino que gera o melhor resultado”, disse em vídeo gravado esta semana o gerente executivo de Logística do Refino e Gás da Petrobras, Claudio Mastella. No vídeo, ele argumentava para os empregados da companhia as vantagens da política.
Segundo ele, a partir desse “ponto ótimo”, o refino começa a gerar derivados que valem menos do que o petróleo ou que não têm mercado perto das refinarias, o que aumenta o custo de transporte. “Nessa hora, comparando com a alternativa, que é exportar o petróleo, vende exportar o petróleo”, afirmou, dizendo que a decisão considera as condições de demanda e preço do petróleo e dos derivados.

sábado, 2 de junho de 2018

Licenças para matar, FSP


Licenças para matar

Como disse Rui Barbosa, abolida a pena de morte, mata-se agora sem pena




O ex-presidente da República Ernesto Geisel
O ex-presidente da República Ernesto Geisel - 1º.out.76/Folhapress
Os “meios empregados” não são dos mais “confessáveis”, mas “surtiram excelente efeito”. Nem sempre é “possível proceder de modo irrepreensível perante a lei”. As frases recolhidas pelo historiador Flavio dos Santos Gomes, de despacho de ministro da Justiça (1877), sintetizam a tradição brasileira de abuso de poder.
Era fundamental “suprimir esse valhacouto de ladrões” —os quilombos. “Há casos policiais em que os fins justificam os meios”. É assim desde a colônia.
O general Ernesto Geisel (1974-79) não é o único presidente com uma perturbadora história de licença para matar.
Geisel deu seguimento à política de extermínio de banidos, terroristas e guerrilheiros instituída no governo de seu antecessor, general Emílio Garrastazu Médici (1969-74). Geisel foi sucedido pelo general João Batista Figueiredo (1979-85), participante da roda de assassinatos noticiada pelo memorando da CIA.
Além de reprimir a vadiagem nas cidades, a República enfrentaria rebeliões e batalhas. Rui Barbosa menciona o paradoxo em 1913: “Abolida a pena de morte, mata-se agora sem pena”.
O segundo presidente do Brasil, marechal Floriano Peixoto (1891-94), tem na biografia texto de telegrama supostamente assinado por Antônio Moreira César, lido no Senado em 1896: “Romualdo, Caldeira, Freitas e outros foram fuzilados segundo vossas ordens”.
Para defensores do “Marechal de Ferro”, é estúpido imaginar o envio de mensagem de tal teor. Mas Moreira César fez o “ajuste de contas” com Desterro (depois Florianópolis), capital de Santa Catarina, para onde convergiam movimentos da Revolução Federalista e da Revolta da Armada, implantando regime de terror e fuzilamentos sumários.
Além de investir na polícia política, Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) reinstituiria a pena de morte para subversivos e homicidas fúteis ou perversos (1938), a rigor nunca aplicada.
O mais longevo governante do período republicano, Vargas havia decretado a expulsão da mulher judia e grávida do líder comunista Luís Carlos Prestes, Olga Benário, entregando-a para a Alemanha de Hitler. A morte da militante (1942) na câmara de gás, em campo de concentração nazista, já situa o Estado Novo e seu chefe no incômodo território dos crimes contra a humanidade.
Diminui a autoestima saber que documentos capazes de explicar lacunas históricas do Brasil permanecem secretos por normas de sigilo dos EUA e que, aqui, a documentação militar desapareceu.
O que dizem os dois parágrafos com tarja preta do memorando recebido pelo secretário de Estado Henry Kissinger? Outras fontes de informação esclarecem o contexto do relato produzido pela CIA?
São desconcertantes as estatísticas da letalidade policial no Brasil, assim como são assombrosos os números de homicídio, estupro e assalto.
A licença para matar está entranhada na cultura policial, particularmente da Polícia Militar, e também na cultura de delinquentes. O círculo vicioso parece infinito.
A decisão do governador tampão de São Paulo, Márcio França, de “homenagear” a cabo da PM que matou ladrão armado com três disparos diante de uma escola é imprópria, leviana e oportunista.
Se a soldado agiu em legítima defesa, se a reação ao assalto não expôs outras mães e crianças a riscos adicionais, isso deve ser declarado por autoridade judicial. Violência gera traumas. O policial que mata —o inocente, inclusive— deve permanecer nas ruas como se nada tivesse acontecido?
O governador é candidato, mas o eleitor não o conhece. A oportunidade surge. O discurso da linha dura não tem dono. As “enquetes” encorajam.
Mais impulso político, mais licença para matar.
lfcarvalhofilho@uol.com.br
Luís Francisco Carvalho Filho
É advogado criminal e presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.

A sedução da ordem, do Blog Faces da Violência , in FSP

Ao longo das últimas décadas, o Brasil foi se dando conta da tragédia em torno dos números da segurança pública no país. Crimes em uma espiral crescente de casos, relatos cada vez mais frequentes de mortes violentas e cenas de medo e terror foram se tornando banais no cotidiano. Fomos nos acostumando com números superiores aos de guerras abertas e conflitos étnicos no mundo afora. A violência foi se transformando em uma das principais preocupações da população brasileira e um dos principais motores políticos da atualidade.
E, não à toa, em um momento de profunda crise de legitimidade das instituições democráticas, nos tornamos presas fáceis de grupos que exploram o fato de que os brasileiros estão sedentos por uma perspectiva de ordem que sinalize um projeto de mudança efetiva para uma vida melhor e  tentam vender sua fé na violência como forma de governar e de impor ordem ao “caos” que se transformou o Brasil.
O problema é que, como tenho destacando em vários espaços, convivemos faz anos com uma espécie de vendeta moral e política que nunca tem fim e que parece ganhar cada vez mais adeptos ao reverberar ódios, preconceitos e intolerância. A violência é, se olharmos por trás dos números do medo e da violência, uma permanente marca societária do país e é um dos principais entraves para um novo e virtuoso modelo de desenvolvimento para o Brasil.
E como chegamos até aqui? Com décadas e décadas relegando o tema à terceira divisão das prioridades políticas e institucionais ou, pior, lidando com ele como uma pauta quase que exclusivamente policial. Nesta seara, por sua vez, pouco fizemos para ajustarmos as polícias, em termos normativos e de doutrina, à ordem social democrática inaugurada pela Constituição de 1988 (a legislação que organiza a estrutura das Polícias Militares, por exemplo, ainda é do começo dos anos 1980).
Com isso, em meio à “guerra às drogas” inaugurada na década de 1970 e à caça aos “delinquentes”, nossas políticas criminais e penitenciárias obsoletas não priorizam a prisão de matadores e outros autores de graves e violentos crimes e transformam prisões em celeiros descontrolados de facções. O país pouco fez nos últimos anos para mudar os padrões operacionais das polícias baseados na lógica do enfrentamento ao criminoso e do cartório burocrático que rege os inquéritos policiais.
Contraditoriamente, o Poder Público gasta energias, recursos e esforços, mas não chegamos a lugar algum. Há muito sendo feito, porém com baixa eficiência e efetividade. Cada instituição da área vai tocando suas ações na esperança de que, em algum momento, as coisas se resolvam. No máximo, quando surgem episódios agudos de crises penitenciárias, de greves de policiais ou de fortes confrontos entre gangues/organizações criminosas por controle de territórios, recorremos às Forças Armadas como bálsamo caro e tópico.
É fato que vários têm sido os programas e iniciativas de redução dos crimes violentos tentados pelas Unidades da Federação que, em um primeiro momento, conseguem frear a escalada de mortalidade violenta. Porém, basta uma nova crise ou uma mudança política, tudo volta sempre ao ponto do nosso eterno recomeço. Falta-nos capacidade coordenação federativa e republicana da área e, por esta razão, não temos nenhuma governança sobre as respostas públicas frente ao crime, à violência e ao medo.
Enquanto vemos atônitos o crescimento do movimento em defesa de uma intervenção militar e o percentual de intenções de votos do pré-candidato Jair Bolsonaro, que se esforça para ser o “salvador da pátria” de plantão, a segurança pública não é reconhecida como agenda prioritária no debate político brasileiro. Ficamos surpresos a nos dar conta que chocando o ovo da serpente do autoritarismo.
Tudo isso para dizer que, se o Brasil não encarar de frente o drama da violência e não construir um novo projeto político e institucional para a segurança pública do país, não só veremos as tentações autoritárias crescerem, como correremos sérios e reais riscos de retrocessos civis, políticos, sociais. Nas próximas postagens, a ideia é tentar apresentar e analisar muitas das propostas cidadãs de mudanças. Há outras opções e soluções. Precisamos acreditar e nos mobilizar, sem inocência mas com base em evidências e na agenda de direitos civis, humanos e sociais.
E, para concluir, ao falar de propostas cidadãs de transformação, eu queria de iniciar o blog fazendo um tributo a Paulo de Mesquita Neto, cujo falecimento completou 10 anos no final de março último. Paulo Mesquita foi pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência, da USP, e, junto comigo, José Marcelo Zacchi, Elizabeth Leeds e Josephine Bourgois, ajudou a fundar o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Mas o ponto mais importante da trajetória pública de Paulo Mesquita é que ele foi um dos mais ativos defensores da ideia de modernização cidadã da segurança pública brasileira, pela qual não há nenhuma oposição entre defender enfaticamente direitos humanos e valorizar políticas públicas efetivas e transparentes de prevenção da violência e controle do crime. Em uma era de ódio, polarizações e ressentimentos, Paulo e sua serenidade faz muita falta!