quarta-feira, 21 de março de 2018

Operação sem fim, Opinião OESP (pauta Vilhena)

O Estado de S.Paulo
21 Março 2018 | 03h00
A Operação Lava Jato completou quatro anos no dia 17 passado com números expressivos. Foram ao todo, até agora, 49 fases, com um total de 188 pessoas condenadas por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em primeira e segunda instâncias – somente os casos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal lamentavelmente ainda não tiveram desfecho. Os acordos de colaboração e leniência devem resultar na devolução de R$ 12 bilhões aos cofres públicos, segundo esperam as autoridades envolvidas. Já foi restituído R$ 1,9 bilhão.
Diante desses dados se pode afirmar que a Lava Jato já se inscreveu na história nacional como um lampejo de esperança num país tão habituado à impunidade. Criminosos de colarinho branco decerto estão hoje muito mais preocupados. No entanto, é o caso de questionar se a Lava Jato, no seu quarto aniversário, ainda se justifica, visto que seu objeto específico de investigação – o esquema de corrupção na Petrobrás – parece estar quase inteiramente esclarecido.
O problema é que a Lava Jato há muito tempo não se concentra apenas na Petrobrás, nem mesmo em alguma outra estatal em particular. Seu objeto de investigação, na prática, não é mais um caso de corrupção, mas a corrupção em si mesma. E não qualquer corrupção, mas a corrupção no mundo político.
Assim, qualquer fiapo de suspeita que corrobore a presunção de que os políticos em geral são corruptos é desde logo levado a sério pela Lava Jato, transformando-se quase sempre em rumorosas ações da Polícia Federal e do Ministério Público, costumeiramente acompanhadas de vazamentos de depoimentos à imprensa.
Num cenário como esse, os políticos que tiverem o seu nome soprado por algum delator e divulgado nas manchetes dificilmente conseguirá recuperar sua imagem, ainda que venha a ser inocentado. Estará inscrito no rol genérico dos corruptos, administrado pela Lava Jato.
Desse modo, a Lava Jato caminha para ser uma operação sem fim – de caráter moral, e não judicial – pela simples razão de que dificilmente a corrupção na política um dia deixará de existir. Sem se dedicar a um caso em particular, mas sim à tarefa de sanear a política nacional, a Lava Jato tende a se colocar acima do bem e do mal, situação em que qualquer movimento que desagrade a seus líderes é desde logo confundido como ameaça à sua existência.
Não surpreende, desse modo, que o discurso de alguns dos responsáveis pela Lava Jato seja claramente político, pois trata como opositores os que apontam seus exageros. Foi assim, por exemplo, quando procuradores apresentaram um pacote de medidas anticorrupção e o Congresso, dentro de suas prerrogativas, fez as modificações que julgou pertinentes. Não é o caso de discutir aqui se essas mudanças foram corretas ou não, embora o pacote de medidas contivesse gritantes violações de princípios constitucionais, que tinham de ser mesmo evitadas.
Importa salientar que essas mudanças foram feitas por representantes do povo, submetidos ao escrutínio do eleitor, o que, definitivamente, não é o caso dos procuradores da Lava Jato. Esses procuradores, contudo, queixaram-se de que o projeto havia sido “desfigurado” justamente por aqueles que supostamente seriam os mais atingidos pelas medidas, isto é, os parlamentares.
No balanço do quarto ano da Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol manteve esse tom político. Disse que “a punição não pode acontecer de modo episódico num caso específico, mas de modo geral” e, para ele, “se queremos mudar, precisamos atacar a corrupção, mudando o sistema de Justiça que privilegia a impunidade”. Como se candidato fosse, defendeu “atacar em várias frentes”, promovendo “reforma no sistema político, melhora no sistema de licitações, transparência e participação da sociedade no controle das contas públicas”. É tudo o que se presume que o eleitor queira, mas, numa democracia, isso só se confirma no voto, por meio da política tradicional – aquela que alguns açodados militantes da Lava Jato parecem dispostos a destruir. 

terça-feira, 20 de março de 2018

Programa Pesquisa Inovativa da FAPESP tem novo recorde de empresas contratadas, Fapesp



20 de março de 2018
Claudia Izique  |  Agência FAPESP – O Programa FAPESP Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) bateu o quarto recorde consecutivo em número de projetos e em valores contratados. Em 2017, foram contratadas 237 novas propostas submetidas por startups, pequenas e médias empresas, em um valor total de R$ 79,8 milhões.
Entre os projetos aprovados, 116 pleitearam apoio para a Fase 1 do PIPE, de demonstração/validação de uma ideia inovadora, com contrato de financiamento por um período de até nove meses. Outros 56, tendo concluído com sucesso a Fase 1, tiveram aprovados recursos para a Fase 2 (Fase 2 Indireta - 2I na nomenclatura da FAPESP), de desenvolvimento do projeto de pesquisa propriamente dito. Adicionalmente, 21 empresas que validaram ideias com recursos próprios obtiveram financiamento diretamente para a Fase 2 – ou Fase 2 Direta (2D). Em ambos os casos, o contrato com a FAPESP prevê um período de pesquisa de até dois anos.

A FAPESP também apoia iniciativas de desenvolvimento industrial e comercial de produtos inovadores – conhecida como Fase 3 – por meio de um acordo com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no âmbito do Programa PIPE-PAPPE Subvenção. Em 2017, 44 empresas obtiveram financiamento por até dois anos para preparar a inovação para o mercado.
O programa PIPE prevê que as empresas apoiadas pelo programa possam também pleitear bolsas para os coordenadores dos projetos e para contratar profissionais que darão suporte à pesquisa. Em 2017, foram outorgadas 387 bolsas para projetos aprovados nas diversas fases do programa, resultado igualmente recorde em relação a anos anteriores.
Uma novidade em 2017 foi o fato de a FAPESP ter lançado, pela primeira vez, um edital para seleção de projetos em Fases 1 e 2 em parceria. A chamada PIPE-Pitch Gov teve como contraparte a Secretaria de Governo do Estado de São Paulo e o objetivo foi selecionar projetos que propusessem soluções inovadoras para questões de relevância pública na área de Saúde. As propostas estão em análise e os resultados deverão ser divulgados possivelmente no próximo mês de maio.
Crescimento consistente
Na evolução do número de projetos inovadores propostos e contratados pelo PIPE entre 2014 e 2017, destaca-se o crescimento dos projetos de Fase 3.

Esse aumento se explica não apenas pela procura de apoio, como também pelo crescimento no número de chamadas. Diferentemente das Fases 1 e 2, que selecionam projetos por meio de quatro editais anuais, as chamadas para a Fase 3 têm como base desafios específicos, propostos pela FAPESP e Finep às empresas.
Em 2017, por exemplo, foram quatro editais para a Fase 3, com temas ligados à saúde, manufatura avançada e agropecuária. Em 2016, foram dois editais, em 2015 quatro e, em 2014, apenas um.

Desembolsos x Contratação
Os valores dos projetos contratados a cada ano abrangem todo o período de execução das pesquisas, de 9 a 24 meses no caso dos projetos PIPE. Esses valores, portanto, não correspondem ao desembolso anual da FAPESP com o programa que também cresceu ao longo do período 2014 a 2017.
Em 2017, o desembolso da Fundação com o PIPE foi de R$ 71,9 milhões, incluindo bolsas. Esse resultado foi 20% superior ao desembolso da Fundação com o programa em 2016, 127% maior que o de 2015 e mais de 160% superior ao de 2014.

Demanda
No período analisado, 2014 a 2017, também cresceu a demanda por recursos do PIPE para projetos inovadores. Em 2014, 352 propostas foram habilitadas para a análise – desse total, 119 foram contratadas. Em 2017, o número de projetos habilitados saltou para 863, um aumento de 145%.

"A tendência do PIPE é continuar crescendo nos próximos anos, mas, para isso, é fundamental termos um crescimento na submissão de propostas de boa qualidade, pois, para a FAPESP, a qualidade dos projetos de pesquisa é essencial”, afirma Fábio Kon, membro da coordenação adjunta de Pesquisa para Inovação da FAPESP.
Mais informações sobre o PIPE: www.fapesp.br/pipe.
Palavras-chave: PIPE Contratados, PIPE Balanço 2017

segunda-feira, 19 de março de 2018

Toda nudez será partilhada - JOÃO PEREIRA COUTINHO (definitivo)

FOLHA DE SP - 13/03

Sucesso das redes sociais revela aspectos sombrios da natureza humana


As "redes sociais" são uma selva, diz o bom senso. Mas o que significa realmente a palavra "selva" nesse julgamento severo? Um estudo recente ajuda a perceber.

Foi publicado na revista Science e tomou o Twitter como objeto. Pesquisadores do MIT analisaram todos os tweets publicados entre 2006 e 2017. Selecionaram 126 mil histórias partilhadas. Depois, classificaram esses tweets como verdadeiros ou falsos e seguiram o rastro para medir a velocidade da propagação.

O resultado, que li na The Economist, é funesto: os tweets falsos viajaram seis vezes mais rápido do que os tweets verdadeiros. Por quê?

Uma resposta possível seria apontar para os perfis igualmente falsos que gostam de espalhar mentiras pelo mundo virtual. Pois bem: os pesquisadores analisaram esses perfis falsos —os "bots", para usar a linguagem dos especialistas— mas garantem que o impacto é insignificante. Os tweets falsos viajam mais depressa porque são "retweetados" mais depressa.

Por outras palavras: somos nós, humanos, que contribuímos para a disseminação da mentira. A tecnologia é apenas um instrumento. Sobra, porém, a questão fundamental: por que motivo gostamos de espalhar mentiras?

Os pesquisadores também respondem: essa opção pode não ser consciente. Acontece que os tweets falsos, precisamente porque são falsos, oferecem um sabor de novidade a que ninguém resiste.

Perante essa novidade, os nossos sentimentos são sempre mais fortes do que os sentimentos que experimentamos com as notícias verdadeiras. Sentimos medo, ou náusea, ou surpresa intensa. Com histórias verdadeiras, a simples alegria ou tristeza chegam e sobram.

O estudo é interessante porque confirma as minhas intuições: o sucesso das redes sociais —como o Twitter ou o Facebook— está diretamente relacionado com os aspectos mais sombrios da natureza humana.

No caso do Twitter, o seu sucesso é alimentado pelo símio primitivo que habita em nós e que pula de excitação ou rancor quando vê uma notícia fora da caixa.

Mas se assim é com o Twitter, suspeito que não será muito diferente com o Facebook. Os especialistas gostam de afirmar que o Facebook é uma ameaça para a salubridade das democracias ao organizar a discussão política em tribos de ódio mútuo.

Difícil discordar. Mas é preciso não esquecer o outro lado do diagnóstico: os filtros do Facebook apenas organizam sentimentos humanos que são anteriores, e até superiores, a qualquer rede social.

O primeiro sentimento é um certo gosto pela violência que a sociedade civilizada sempre tentou reprimir. O segundo é uma covardia igualmente primitiva que nos leva a procurar o conforto da nossa tribo para atacar sem temor a tribo inimiga. Nelson Rodrigues, que nunca assistiu ao dilúvio das "redes sociais", tinha razão quando temia as multidões. Elas são burras, violentas e covardes.

Ou, então, são pateticamente narcisistas —como as "redes sociais" amplamente demonstram. Entenda, leitor: o narcisismo sempre fez parte do nosso software. A esse respeito, vale a pena ler "Selfie", um estudo de Will Storr sobre a forma como a ideia do "ser" emergiu no Ocidente 2.500 anos atrás.

A noção de que eu sou diferente —dotado de uma "essência", digamos, que me distingue dos outros e do mundo— é o grande contributo da filosofia grega para a humanidade.

Porém, esse individualismo sempre foi temperado por outros elementos sociais: pela família, pela religião, pelas necessidades da comunidade que nos obrigam a "sair de nós próprios". No fundo, a primeira pessoa do singular teve que acomodar a primeira pessoa do plural.

Não mais. As "redes sociais" potenciam o "ser digital" (expressão de Will Storr): um ser narcisista, exibicionista —e, sem surpresas, permanentemente insatisfeito. Como no mito de Narciso, todos estamos apaixonados pelo reflexo da nossa imagem.

Só que, ao contrário do mito, não é a paralisia que nos mata. É a busca constante de uma perfeição cada vez maior, sempre em competição com os narcisos da vizinhança.

As "redes sociais" são uma selva? Afirmativo. Porque elas permitem que os seres humanos se libertem dos velhos constrangimentos morais ou cívicos para se revelarem em toda a sua nudez.

Se em rede nos revelamos violentos ou covardes, a culpa não é da tecnologia. É de uma matéria-prima que já vem corrompida da origem.

João Pereira Coutinho

É escritor português e doutor em ciência política.