11/03/2018 07:00 - Regional
Localizada a 140 quilômetros de Bauru, município tem milhares de cones silicosos semelhantes aos geiseritos modernos de Yellostone nos EUA
Aurélio Alonso
Aurélio Alonso |
Gabriel Campos/Prefeitura de Anhembi |
Aluno da escola Waldort Rudolf Steiner da capital em visita à área onde estão as rochas milenares |
O município de Anhembi tem 4.500 cones silicosos em área rural que são uma formação rochosa por ação de gêiseres há 250 milhões de ano, no período Permiano, o que sucedeu o Carbonífero anterior a pré-história dos grandes dinossauros, quando ainda havia os supercontinentes interligados, a Pangeia. O prefeito Miguel Machado (PSD) busca o selo de Município de Interesse Turístico (MIT) e faz planos de a longo prazo transformar esse local em um parque para visitação, mas por enquanto a área fica em propriedade particular. O projeto já deu entrada na Secretaria Estadual de Turismo.
A Assembleia Legislativa aprovou em 2007 uma lei que criou o "Monumento Natural Geiseritos de Anhembi", de autoria do deputado Adriano Diogo (PT). A finalidade é preservar a área, até há pouco tempo o local atraia curiosos e colecionadores que quebravam as pedras para levar pedaços. Por desconhecimento em outras gestões as pedras chegaram a virar cascalho e foram colocadas em estradas vicinais.
A descoberta dos cones silicosos numa área de 1,8 quilômetro ocorreu após uma visita ao município do professor doutor em geologia Jorge Kazuo Yamamoto, que coordenou um projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
As pedras têm duto interno por onde os gêiseres - jatos de água quente com vapor saíam do interior da terra e chegavam até a atmosfera. Isso aconteceu há milhões de anos, quando a área era imenso mar. As rochas são chamadas de geiseritos.
De acordo com o assessor de imprensa da prefeitura de Anhembi, Gabriel Campos, o pesquisador viu as pedras espalhadas em alguns locais e notou que se tratavam de achado geológico precioso. Ele pertence ao Instituto Geológico da Universidade de São Paulo (USP) e orientou a dissertação de Lígia Liz Souvezzo Garcia apresentada àquela instituição de ensino para obtenção de título de mestre em geologia que fez levantamento da área.
Kazuo também fez uma descrição de sítio geológico para que a área possa obter o registro no Patrimônio Mundial da Humanidade.
O JC teve acesso ao documento, que a prefeitura tem cópia, em que o especialista relata que os cones foram inicialmente identificados como estromatólitos (formações semelhantes a rochas que podem ser encontradas em meios marinhos pouco profundos e de elevada salinidade que podem ser formadas por bactérias) por Paulo César Soares, mas um levantamento detalhado conduzido por Armando Coimbra permitiu mapear 4.500 cones que demonstrou constituir um campo de geiseritos atípico, semelhante ao encontrado no Parque Yellowstone (EUA), onde há cerca de 500 gêiseres espalhados por uma área maior.
O pesquisador publicou artigo científico sobre o tema em 2005 na revista "Nature". A área fica em um pasto, a cerca de nove quilômetros da cidade, na estrada da Cherp sentido Escola Agrícola e não há placa indicativa no terreno de que se trata do "Monumento Natural Geiseritos de Anhembi", conforme reconhecimento do governo do Estado, em lei sancionada na gestão de José Serra, em setembro de 2007.
Professor defende preservar a área
Geraldo Campos, de São Manuel, vai esporadicamente a Anhembi e ajuda a realizar exposições e divulgar importância dos geiseritos de Anhembi
Aurélio Alonso |
Professor Geraldo Machado ao lado de rocha que pesquisa indica ter sido formada por gêiseres |
O professor de Geografia de São Manuel Geraldo Campos é um entusiasta dos geiseritos e até virou um "voluntário" da Prefeitura de Anhembi para divulgar as rochas formadas pela ação dos gêiseres há milhões de anos. As rochas atraem muitos pesquisadores por ser uma formação única no Brasil e também já contou no ano passado com a visita de estudantes das escolas Aitiara de Botucatu e Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo que têm no currículo estudo de geologia.
As pedras são o único registro geológico no mundo de atividade hidromineral muito intensa no período Permiano, quando nem existia o homem na terra. A conservação das rochas é considerada excelente, mas principalmente pela grande quantidade de corpos de geiseritos expostos à superfície do terreno com cones com altura média de 1 metro. "Isso tem que ser preservado, faz parte da história do ser humano e da terra", afirma.
No Período Permiano a região onde estava Anhembi estava muito quente devido a ação vulcânica e todas as evidências geológicas apontam que o local estava invadido por um mar raso, parecido com o mar Cáspio, na Ásia Central. Campos explica que o pequeno monte de pedra em forma cônica que se avista ao longo do pasto são os locais da "fumarola" por onde saía o material que vinha do sub solo.
Gabriel Campos/Prefeitura de Anhembi |
Estudantes de escola de São Paulo em visita no ano passado |
Nas pesquisas encontraram sílica na composição dessas pedra, parecidos com cupinzeiro. Esse material pertence a grupo de minerais, cuja composição constitui quartzo entre outros. Esse componente é um material usado na forma de tijolo, revestimento de fornalha altamente refratário, que é também resistente a abrasão e a corrosão. "O geodo é o quartzo que se cristalizou durante os milhões de anos. Esses corpos estão em torno de 5 a 6 metros de profundidade. Os geiseritos encontrados foram exumados pela erosão de cerca de 100 milhões de anos. No sub solo deve ter muitos geiseritos enterrados", explica Machado.
O professor, que já acompanhou visitas de geólogos e pesquisadores, cita que se pensava que no local houvesse um vulcão, mas tudo indica que seria fundo de um mar raso. A água há milhares de anos desceu por frissuras das rochas sob temperaturas altas, num esguicho, para a superfície. O mineral - a sílica material arenoso - foi sendo depositado e formou a estrutura. "A água quente possivelmente vinha do magma que existia abaixo do lenço profundo e fazia a pressão para a superfície. Na realidade era um canal que pelas frissuras trazia o material para a parte de cima do solo vindo de uma profundidade de cerca de 300, 400 metros para mais", explica.
Magma é massa mineral pastosa, em estado de fusão, situada a grande profundidade da superfície terrestre, cujos movimentos determinam os fenômenos vulcânicos e que, ao resfriar, cristaliza-se, dando origem às rochas ígneas.
A fonte de calor é a grande dúvida das pesquisas, não se sabe se foi atividade vulcânica. Existe a hipótese que pode ter sido o magma. Nessa época os continentes como América do Sul, Norte, África e os demais estavam todos interligados, isso chamava-se Pangéia.
O professor afirma que ao descobrirem a formação geológica despertou-se para preservação. "Sempre comento: ninguém pode proteger aquilo que não conhece. Os antigos das décadas dos anos 20 e 30 consideravam esses montes de pedra como cupinzeiros e desmanchavam para preparar a terra para plantio. E usaram esse material para cascalho nas estradas e perceberam que abaixo desses corpos continuavam no subsolo", declarou Machado, que descobriu pela internet os geiseritos há seis anos. As rochas estão nas coordenadas geográficas 22°45'36''S - 48º10'48"W.
Rocha é semelhante ao do Parque Yellowstone
Reprodução Nacional Park Foudantion |
Parque Nacional de Yelowstone nos EUA onde há 500 gêiseres |
Na dissertação da geóloga Lígia Liz Souvezzo Garcia apresentada no Instituto de Geociências da USP que pesquisou os geiseritos na área de Anhembi é destacado que a maioria os gêiseres conhecidos são encontrados em 45 bacias distribuídas ao longo do planeta, sendo que 55% deste estão localizados no Parque Nacional de Yellowstone (Estados Unidos), com cerca de 500 gêiseres ativos, levantamento de 1995.
Os cones encontrados em Anhembi tem semelhança com os encontrados no parque norte-americano. A geóloga também explica a origem da palavra gêiser que provém de de geysir e significa "jorrar". De acordo ainda com a pesquisa, a primeira evidência foi reconhecida em uma nascente eruptiva em Haukadalur, ilha da Islândia.
Mais antigo do que dinossauros
O período Permiano é mais antigo do que os dinossauros e da existência do homem na terra. Remonta entre 290 a 250 milhões de anos. Havia o supercontinente Pangéia e único que teria existido na Terra até o período Cretáceo, o qual, ao se fragmentar, teria dado origem aos continentes atuais.
Havia pouca circulação de água do qual fez com que o oxigênio diminuísse e que teria acabado com abundância de florestas. Também nesse período os animais e plantas tiveram dificuldades para sobreviverem.
O nome Permiano vem de Perm, uma cidade de grandes formações rochosas que fica a oeste da Rússia, e foi definido pelo geólogo escocês Roderick Murchison, em 1841. Depois surgirá o Triássico e vai caracterizar pelo aparecimento dos primeiros dinossauros na Terra.
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Festa do Divino tem mais de 150 anos
Além dos geiseritos que têm projetado Anhembi no Estado, a Festa do Divino é outra atração que atrai o turismo religioso e sempre realizada uma semana após o Dia de Pentecostes, há mais de 150 anos. No dia recebe aproximadamente 40 mil pessoas, muitos romeiros. O encontro das canoas no Rio Tietê é ponto alto do evento religioso e folclórico, incluído no calendário turístico do Estado de São Paulo.
A Irmandade do Divino refaz todos os anos a penitência de viajar de casa em casa levando a bandeira do Divino e cantando músicas tradicionais. As rotinas da peregrinação são mantidas desde os primórdios desta manifestação cultural, onde a Irmandade do Divino viaja durante nove dias e pernoitam nas casas que os acolhem, chamada de Pousos do Divino. Como no início foram usados barcos para atravessar o Rio Tietê, hoje se mantém a tradição de usar dois batelões para as viagens nos pousos. A festa remonta à primeira metade do século 19, quando pestes dizimavam populações ribeirinhas. A fé no Divino Espírito Santo teria protegido das doenças as famílias devotas, dando início à celebração que resultou na criação da Irmandade do Divino. Para este ano, a prefeitura já começou os preparativos e será nos dias 18, 19 e 20 de maio.
Prefeitura de Anhembi |
Festa do Divino é das mais tradicionais do Interior do Estado e neste ano será em 18, 19 e 20 de maio |
Prefeitura faz plano para turismo
Prefeito Miguel Machado (PSD) busca incluir Anhembi como Município de Interesse Turístico (MIT) que pode garantir repasse de recursos
Aurélio Alonso |
O prefeito de Anhembi, Miguel Machado (PSD) |
Os geiseritos de Anhembi podem a longo prazo virar espécie de turismo científico. Atualmente a área pertence a um proprietário rural. Recentemente, a Prefeitura de Anhembi elaborou o Plano Municipal de Turismo, um dos itens necessários para buscar o selo de Município de Interesse Turístico (MIT) junto ao governo do Estado que pode render repasse anual de R$ 600 mil de investimento. O documento já deu entrada na Assembleia com apoio do deputado João Caramez (PSDB) e está agora para análise da Secretaria Estadual de Turismo.
O prefeito Miguel Machado (PSD) encampou a ideia de buscar mais receita ao município com o turismo. A cidade já é conhecida em promover a Festa do Divino.
Com a descoberta dos geiseritos e aprovação de lei estadual que instituiu como monumento natural, Machado faz planos de criar até um parque, mas por enquanto a área vai continuar em propriedade particular, do qual o dono da fazenda permite a visitação. Os geiseritos estão localizados a 9 quilômetros de Anhembi. O prefeito afirma que o município não tem tantos recursos para fazer a despropriação e investir na área.
No ano passado no dia que comemorou o Dia Mundial de Turismo em 27 de setembro recebeu estudantes da Escola Waldorf Rudolfo Steiner da capital e Aitiara de Botucatu. Vinte e sete alunos do sexto ano da estabelecimento paulistano, coordenados pelo professor Gustavo Costa, foram conhecer de perto a formação rochosa, o único registro geológico no mundo de atividade hidrotermal muito intensa no período Permiano.
De acordo com o prefeito, após tomar posse decidiu buscar meios para que o geiserito possa ser mais uma opção de turismo na cidade. "Indústria é difícil atrair para Anhembi, porque a cidade fica distante das rodovias Marechal Rondon e Castelo Branco. O turismo pode ser uma opção, porque temos muitos atrativos: a festa do Divino que atrai cerca de 40 mil pessoas (o município tem 7 mil habitantes) concentrada em um dia, mas temos o Monumento dos Geiseritos, temos área de camping às margens do Rio Tietê, a Fazenda da Vovô que atrai turistas para observação de pássaros", explica o prefeito em entrevista em seu gabinete.
Machado cita que o selo do MIT é muito importante porque pode garantir recursos para investir na área de turismo. "Na verdade, a cidade poderia até ser Estância Turística pelo potencial, o que poderia garantir até uma verba de R$ 2 milhões por ano, mas os últimos administradores não investiram. Por isso vamos por etapa: o foco é conseguir que seja incluída na lista de Município de Interesse Turístico", comenta.
O nome Anhembi no dialeto indígena, significa rio dos nambus - é parecida com a galinha d'angola, de cor parda, possui ovos azuis e um cantar muito bonito. O município é banhado pelo Rio Tietê.