sexta-feira, 10 de março de 2017

Unicamp detecta novas drogas na região de Campinas, OESP



Centro de Controle de Intoxicações encontrou fentanil e butilona em comprimidos vendidos como ecstasy e LSD


Ronaldo Faria ,
ESPECIAL PARA O ESTADO
15 Setembro 2016 | 03h00

Foto: Polícia Militar
Unicamp detecta novas drogas na região de Campinas
Apreensão. Substâncias põem pesquisadores em alerta
CAMPINAS - Novas substâncias químicas estão sendo agregadas às drogas que circulam na região de Campinas. Um estudo do Centro de Controle de Intoxicações (CCI), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriu que traficantes têm incluído os compostos fentanil e butilona em produtos vendidos como comprimidos de ecstasy ou LSD, geralmente comercializados em papéis coloridos e cristais. No último mês de agosto, seis jovens, entre 18 e 30 anos, foram intoxicados por essas novas drogas sintéticas na região - um deles morreu por parada cardíaca.
O fentanil, substância que causou a morte do cantor Prince em abril deste ano, é considerado cerca de 50 vezes mais potente que a morfina. Ele serve para anestesia e como analgésico e foi sintetizado pela primeira vez em 1959. Entrou no mercado nos anos 60 como um anestésico endovenoso. Já a butilona é uma catinona sintética e pode provocar intoxicações tão graves quanto as causadas pela cocaína ou a metanfetamina. Em forma de cristais, é usada em vários países como agrotóxico ou repelente, mas também tem efeito alucinógeno.
“Em agosto, em uma semana, atendemos seis casos de intoxicação de jovens por drogas sintéticas, um deles fatal. Identificamos até quatro drogas num único exame laboratorial. Os jovens correm um risco grande com essas substâncias. Muitas vezes, a interação delas tem um efeito letal”, diz Rafael Lanaro, toxicologista do Laboratório de Toxicologia Analítica (LTA) do CCI. Um dos pacientes atendidos pelo CCI tem 25 anos e estava numa festa em Campinas. Chegou inconsciente no Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. Ele teria consumido LSD e álcool. Nos exames foi detectado o fentanil.

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quarta-feira, 8 de março de 2017

Tornar-se mulher, Karnal, OESP


A fêmea, na espécie humana, é tratada como um tema especial. A base da singularidade do feminino está assentada na consciência masculina que elaborou grande parte da representação das mulheres. 
Temas ligados ao corpo feminino, como o aborto, foram legislados por homens, e pior, homens com voto formal de celibato. Apesar da imaginação do meu saudoso amigo Moacyr Scliar, a Bíblia foi escrita por homens. Em Êxodo 20, 17, lemos: “Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a sua mulher, nem o seu escravo, nem a sua escrava, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença a teu próximo”. Enumeram-se bens interditados à cobiça alheia: casa, mulher, escravos, bois e jumentos. Seria ordem crescente ou decrescente de importância na visão do autor? 
Deus tem identidade masculina na língua criada por homens. Suas imagens são sempre do macho da espécie. Todo teólogo dirá que Deus não tem gênero ou forma e, sendo assim, nada impede que seja representado com seios, tão equivocados na iconografia quanto a barba. Deus é mulher no filme Dogma (Kevin Smith, 1999). Alanis Morissette encarna a figura da Toda-Poderosa na obra. Na peça teatral O Topo da Montanha, Katori Hall revela, pela boca da camareira-anja, que Deus é “Ela” e, momento lindo na interpretação de Taís Araújo, a divindade é negra e tem um “cabelão”... Trata-se de um gesto político, como foi político Michelangelo pintar o Onipotente como homem na Capela Sistina. As imagens de Deus falam muito sobre o humano.
A opção gramatical de gênero é questão menor, mas significativa. A língua determina, por exemplo, o predomínio do masculino na enumeração de itens. Se eu falar de 35 meninas numa sala e, no meio, incluir um João, são eles, os meus alunos, que surgem gramaticalmente. Há questões mais graves. Um homem sexualmente ativo recebe denominações positivas: tigrão, garanhão ou galo. Uma mulher em idêntica situação é galinha ou piranha, animais com menor associação positiva. A língua, reflexo vivo daqueles que a usam, apaga o feminino de forma tão antiga e repetitiva, que achamos que isso é natural e atemporal. Lembro-me de algo bizarro: quando criança, li o romance Éramos Seis, assinado pela senhora Leandro Dupré... Aqui, a talentosa Maria José desaparecia até no nome.
O preconceito contra a mulher, a misoginia, é sólido e universal. Contaminou outros preconceitos. Vejamos: um homem homoafetivo é mais discriminado quando é mais feminino. Perdoa-se com mais indulgência um gay como Rock Hudson do que um que se vista como ou que aparente ser mulher. É provável que a homofobia esteja contaminada por algo anterior e mais vasto, a misoginia. O defeito é ser mulher. O filme O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005) foi algo novo ao trazer cowboys masculinos, casados, com filhos e… completamente apaixonados um pelo outro. Parte do sucesso da obra é este: tolera-se melhor que sejam gays, desde que não aparentem o feminino.

Quando o Enem de 2015 trouxe uma frase conhecida e antiga de Simone de Beauvoir, causou alvoroço. “Não se nasce mulher, torna-se mulher foi a afirmação que amotinou algumas pessoas que descobriram, enfim, a ideia escrita 62 anos antes. Beauvoir adota uma posição que existe há mais tempo ainda: o biológico feminino não é óbvio, mas parte de um processo que envolve elaboração cultural de uma identidade feminina. O tema continua dilacerando o fígado de muita gente. Para quem acredita que ser mulher ou ser homem são dados da natureza e evidentes, recomendo ganhar algum tempo assistindo ao delicado filme de Lucía Puenzo, XXY (2007).

Hoje é Dia Internacional da Mulher. Há avanços notáveis na consciência da questão. A Lei Maria da Penha trouxe à tona a extensão assustadora da violência doméstica. Enquanto o governo autoritário de Putin na Rússia retrocede e permite o espancamento de mulheres, o Brasil continua dando passos, insuficientes, mas reais, para mudar a situação. O Instituto Maria de Penha sofre com a falta de verbas e necessita do nosso auxílio. Caso deseje conhecer o trabalho dessas/desses ativistas, hoje é um dia especial para fazê-lo.

Quanto mais frágil a sociedade julga ser uma pessoa, mais a atacará. As mulheres negras, estatisticamente, sofrem ainda mais do que as brancas. Misoginia e racismo são um cruzamento desastroso. Mulheres apanham todos os dias e, quase sempre, a agressão parte do companheiro. Existe uma cultura do estupro que consegue elaborar a frase mais canalha já criada pela nossa espécie: a culpa estaria na insinuação feminina. O racismo já é crime inafiançável (embora se condene menos do que se deveria por esse tipo de comportamento inaceitável). Já a incitação à violência contra a mulher infelizmente ainda não é crime da mesma força, é apenas falta de cérebro e de caráter que gera morte, dor e traumas.

Há uma longa estrada pela frente. Inicie, talvez, vendo o site do Instituto Maria da Penha e o filme que recomendei. Depois, poderemos discutir nossa linguagem. Por fim, resta eliminar o monstrinho misógino que habita em homens e mulheres. Todos ganharemos com isso. Descobriremos, enfim, que lugar de mulher é onde essa mulher desejar estar. Boa semana para os quase 7,5 bilhões de gêneros que existem andando por este mundo!

terça-feira, 7 de março de 2017

Sororidade, substantivo feminino, O Globo

RIO — Um substantivo feminino ausente de dicionários clássicos de língua portuguesa vem sendo repetido com vigor entre jovens mulheres que militam pela igualdade de gênero. Disseminada em redes sociais, a palavra é salpicada em frases como “A sororidade pode salvar vidas”, “Sororidade gera sororidade” ou, ainda, “Estamos aqui umas pelas outras. Isso é sororidade”. Numa definição corrente na internet, “sororidade” se refere a uma espécie de pacto entre mulheres relacionado às dimensões ética, política e prática do feminismo contemporâneo. Ou, simplesmente, uma aliança baseada na empatia e no companheirismo.
O termo, uma espécie de antônimo da suposta rivalidade existente entre elas, atingiu, este mês, marcado pelo Dia da Mulher, o seu mais alto patamar de popularidade no Google Trends, que mede o volume de pesquisas no buscador, em 12 anos. No Twitter, foram 1.600 menções até o dia 17, quase o dobro do total de março de 2015, quando a palavra foi usada 900 vezes por usuários, de acordo com levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) a pedido do GLOBO. A popularidade repentina está ligada à recente expansão de correntes diversas do feminismo, sugerem estudiosas de gênero. Para elas, o sentimento expresso pelo termo é um instrumento para a conquista da igualdade entre mulheres e homens.
— A expressão tem se disseminado com a expansão recente dos feminismos, inclusive entre as jovens mulheres, e com a consciência de que a sororidade é um caminho importante para enfraquecer a misoginia ainda dominante em nossa cultura que, inclusive, incita a rivalidade entre as mulheres — analisa Ana Liési Thurler, integrante do grupo de pesquisa Vozes Femininas, da Universidade de Brasília (UNB). — Mergulhadas acriticamente na sociedade, muitas vezes, não nos damos conta dos processos misóginos em nosso entorno.
Ana define sororidade como “acolhimento, empoderamento, solidariedade entre mulheres”. A socióloga explica que o termo tem origem em soror, cujo significado é “irmã”, em latim. Nos Estados Unidos, por sua vez, sororities são organizações sociais em universidades: as fraternidades integradas por meninas.
— A misoginia — e a sororidade, seu antídoto — torna-se também um fenômeno político, já que envolve a distribuição de poderes na sociedade — acrescenta a professora.
Para Ligia Baruch, mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o conceito contribui para a igualdade de gênero na medida em que implica uma reflexão sobre a importância das mulheres não julgarem ou criticarem umas às outras.
— Não sei ao certo quando essa ideia da rivalidade entre as mulheres surgiu, me parece mais um desses clichês populares que são perpetuados automaticamente sem maiores reflexões, pois também há rivalidade entre os homens. Faz parte da competição do humano pela sobrevivência. É um mecanismo primitivo útil em situações extremas, mas a colaboração também é um mecanismo útil e mais sofisticado — opina. — A rivalidade masculina é mais enfatizada nos esportes e no trabalho, e a feminina, na questão da competição pelo mercado matrimonial. São resquícios de uma visão patriarcal e machista.
Ligia sugere que a aliança entre mulheres seja incorporada no dia a dia, com atitudes de cooperação que favoreçam condições para que elas assumam posições de poder.
— Mas essas atitudes colaborativas também precisam acontecer entre homens e mulheres, principalmente dos parceiros em relação a uma divisão real das tarefas de casa e cuidado dos filhos — ressalta.
A psicóloga credita a disseminação do termo à emergência de uma nova onda do feminismo protagonizada por jovens mulheres conectadas às redes sociais e às ferramentas tecnológicas, que favorecem as articulações de ideias e práticas. A exemplo disso, a jornalista Babi Souza recém-lançou o livro “Vamos juntas? — O guia da sororidade para todas” (Editora Galera), aos 25 anos. O livro é fruto de um projeto criado pela jovem na internet, cuja proposta é unir mulheres contra o assédio e outros tipos de violência. Numa noite, voltando do trabalho, Babi percebeu que ela e outras mulheres poderiam vencer a sensação de insegurança ao andarem sozinhas na rua se caminhassem lado a lado. A página do movimento recebeu mais de cinco mil curtidas nas 24 horas seguintes ao seu lançamento. Hoje, um terço das seguidoras não passa dos 18 anos, e as mais engajadas estão entre os 13 e 14 anos.
— Depois de criar o projeto, fizemos uma pesquisa perguntando o que fazia as mulheres sentirem tanto medo ao andar na rua. A alternativa que teve maior número de respostas foi “o machismo”. Muitas das que participaram disseram que nunca tinham parado para pensar nisso — conta a jornalista, que, no livro, dá as dicas (que ilustram esta reportagem) de como praticar a sororidade.
Outra campanha a incentivar a solidariedade feminina é a #MaisAmorEntreNós. A ideia é que meninas ajudem umas às outras em tarefas do dia a dia ou com apoio emocional numa espécie de corrente. Nas redes, usuárias se dispõem gratuitamente a apoiar outras usuárias cuidando de seus bebês por algumas horas, auxiliando em questões jurídicas, ensinando habilidades como idiomas e fotografia ou mesmo fazendo companhia e dando abraços.
De acordo com o levantamento do DAPP, da FGV, as menções a “sororidade” aparecem sobretudo ao lado de termos como “mulheres”, “mina”, “empatia”, “feminista” e a expressão “não quero flores”. Para Babi Souza, embora o termo ainda não seja amplamente conhecido, mesmo entre alguns grupos de meninas, o sentimento a que ele se refere é notório.
— Ainda há esse estranhamento em relação à palavra, mas algo que me deixa surpresa é que, quando comento a ideia de desconstruir a rivalidade entre mulheres, raramente ela não é aceita. Algo nos diz que isso não faz sentido e não nos fortalece. Não raro, meninas me falam que já procuravam se aproximar de outras meninas na rua quando se sentiam inseguras, mesmo sem pensar muito nisso. A ideia de sororidade já está dentro das mulheres, mesmo que inconscientemente.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/mundo/sororidade-substantivo-feminino-18959230#ixzz4ah6w9JzO 
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