RIO — Um substantivo feminino ausente de dicionários clássicos de língua portuguesa vem sendo repetido com vigor entre jovens mulheres que militam pela igualdade de gênero. Disseminada em redes sociais, a palavra é salpicada em frases como “A sororidade pode salvar vidas”, “Sororidade gera sororidade” ou, ainda, “Estamos aqui umas pelas outras. Isso é sororidade”. Numa definição corrente na internet, “sororidade” se refere a uma espécie de pacto entre mulheres relacionado às dimensões ética, política e prática do feminismo contemporâneo. Ou, simplesmente, uma aliança baseada na empatia e no companheirismo.
O termo, uma espécie de antônimo da suposta rivalidade existente entre elas, atingiu, este mês, marcado pelo Dia da Mulher, o seu mais alto patamar de popularidade no Google Trends, que mede o volume de pesquisas no buscador, em 12 anos. No Twitter, foram 1.600 menções até o dia 17, quase o dobro do total de março de 2015, quando a palavra foi usada 900 vezes por usuários, de acordo com levantamento feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV) a pedido do GLOBO. A popularidade repentina está ligada à recente expansão de correntes diversas do feminismo, sugerem estudiosas de gênero. Para elas, o sentimento expresso pelo termo é um instrumento para a conquista da igualdade entre mulheres e homens.
— A expressão tem se disseminado com a expansão recente dos feminismos, inclusive entre as jovens mulheres, e com a consciência de que a sororidade é um caminho importante para enfraquecer a misoginia ainda dominante em nossa cultura que, inclusive, incita a rivalidade entre as mulheres — analisa Ana Liési Thurler, integrante do grupo de pesquisa Vozes Femininas, da Universidade de Brasília (UNB). — Mergulhadas acriticamente na sociedade, muitas vezes, não nos damos conta dos processos misóginos em nosso entorno.
Ana define sororidade como “acolhimento, empoderamento, solidariedade entre mulheres”. A socióloga explica que o termo tem origem em soror, cujo significado é “irmã”, em latim. Nos Estados Unidos, por sua vez, sororities são organizações sociais em universidades: as fraternidades integradas por meninas.
— A misoginia — e a sororidade, seu antídoto — torna-se também um fenômeno político, já que envolve a distribuição de poderes na sociedade — acrescenta a professora.
Para Ligia Baruch, mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o conceito contribui para a igualdade de gênero na medida em que implica uma reflexão sobre a importância das mulheres não julgarem ou criticarem umas às outras.
— Não sei ao certo quando essa ideia da rivalidade entre as mulheres surgiu, me parece mais um desses clichês populares que são perpetuados automaticamente sem maiores reflexões, pois também há rivalidade entre os homens. Faz parte da competição do humano pela sobrevivência. É um mecanismo primitivo útil em situações extremas, mas a colaboração também é um mecanismo útil e mais sofisticado — opina. — A rivalidade masculina é mais enfatizada nos esportes e no trabalho, e a feminina, na questão da competição pelo mercado matrimonial. São resquícios de uma visão patriarcal e machista.
Ligia sugere que a aliança entre mulheres seja incorporada no dia a dia, com atitudes de cooperação que favoreçam condições para que elas assumam posições de poder.
— Mas essas atitudes colaborativas também precisam acontecer entre homens e mulheres, principalmente dos parceiros em relação a uma divisão real das tarefas de casa e cuidado dos filhos — ressalta.
A psicóloga credita a disseminação do termo à emergência de uma nova onda do feminismo protagonizada por jovens mulheres conectadas às redes sociais e às ferramentas tecnológicas, que favorecem as articulações de ideias e práticas. A exemplo disso, a jornalista Babi Souza recém-lançou o livro “Vamos juntas? — O guia da sororidade para todas” (Editora Galera), aos 25 anos. O livro é fruto de um projeto criado pela jovem na internet, cuja proposta é unir mulheres contra o assédio e outros tipos de violência. Numa noite, voltando do trabalho, Babi percebeu que ela e outras mulheres poderiam vencer a sensação de insegurança ao andarem sozinhas na rua se caminhassem lado a lado. A página do movimento recebeu mais de cinco mil curtidas nas 24 horas seguintes ao seu lançamento. Hoje, um terço das seguidoras não passa dos 18 anos, e as mais engajadas estão entre os 13 e 14 anos.
— Depois de criar o projeto, fizemos uma pesquisa perguntando o que fazia as mulheres sentirem tanto medo ao andar na rua. A alternativa que teve maior número de respostas foi “o machismo”. Muitas das que participaram disseram que nunca tinham parado para pensar nisso — conta a jornalista, que, no livro, dá as dicas (que ilustram esta reportagem) de como praticar a sororidade.
Outra campanha a incentivar a solidariedade feminina é a #MaisAmorEntreNós. A ideia é que meninas ajudem umas às outras em tarefas do dia a dia ou com apoio emocional numa espécie de corrente. Nas redes, usuárias se dispõem gratuitamente a apoiar outras usuárias cuidando de seus bebês por algumas horas, auxiliando em questões jurídicas, ensinando habilidades como idiomas e fotografia ou mesmo fazendo companhia e dando abraços.
De acordo com o levantamento do DAPP, da FGV, as menções a “sororidade” aparecem sobretudo ao lado de termos como “mulheres”, “mina”, “empatia”, “feminista” e a expressão “não quero flores”. Para Babi Souza, embora o termo ainda não seja amplamente conhecido, mesmo entre alguns grupos de meninas, o sentimento a que ele se refere é notório.
— Ainda há esse estranhamento em relação à palavra, mas algo que me deixa surpresa é que, quando comento a ideia de desconstruir a rivalidade entre mulheres, raramente ela não é aceita. Algo nos diz que isso não faz sentido e não nos fortalece. Não raro, meninas me falam que já procuravam se aproximar de outras meninas na rua quando se sentiam inseguras, mesmo sem pensar muito nisso. A ideia de sororidade já está dentro das mulheres, mesmo que inconscientemente.
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