“Somente o metrô e a abertura de novas avenidas solucionariam o problema do tráfego em São Paulo”,
bradava a Folha de S. Paulo em janeiro de 1962. Aquela década seria marcada por vultosas obras voltadas para os automóveis, mas a semente do metrô começava a ser plantada. O prefeito Prestes Maia, inclusive, dizia ser possível entregar a primeira linha do metrô paulistano ainda em sua gestão, que iria até 1965, e pretendia dar início às obras ainda naquele ano. Não conseguiu, mas, em 8 de maio de 1963, a edição vespertina da
Folha de São Paulo trouxe a foto abaixo, seguida de um breve texto falando das “primeiras sondagens de terreno” na região do Largo Treze de Maio, em Santo Amaro. Essas sondagens serviriam para a construção da “Linha Sul do Metropolitano”.
Sondagens do Metrô no Largo Treze, em 1963 (foto: reprodução Folha de S. Paulo)
Ao contrário do que o nome da linha poderia sugerir, ela tem muito pouco a ver com a atual Linha 1-Azul (no início de suas operações, ela era conhecida como Linha Norte-Sul). Projetada em 1955, ela teria início em uma estação no Viaduto Dona Paulina, que já foi projetado para abrigar o Metrô, mas não consegui determinar se o projeto do início dos anos 1960 contemplava esse espaço ou se a estação inicial da Linha Sul ficava apenas nas proximidades. O início também poderia ser na Praça da Bandeira.
Dali, a linha seguiria em superfície pelo canteiro central da Avenida Vinte e Três de Maio, ainda em construção. É esse o motivo de
o canteiro da via ser tão largo e de os viadutos Jaceguai, Condessa de São Joaquim e Pedroso terem grandes vãos centrais. No Viaduto Pedroso, o vão abrigaria uma estação — as plataformas nunca foram construídas, mas as escadas de acesso às mesmas estão lá até hoje, terminando a cerca de um metro do chão.
Vão central do Viaduto Pedroso, com escadas que serviriam as plataformas de uma estação de metrô que nunca foi construída
A linha seria quase toda de superfície, a não ser quando cruzasse o espigão do Paraíso, na altura do atual Viaduto Santa Generosa e nas proximidades do Largo Treze. A primeira passagem seria feita em um túnel que começaria duzentos metros antes da Rua do Paraíso e terminaria trezentos metros após a Rua Cubatão, provavelmente abaixo da avenida — note que o largo canteiro central da Vinte e Três de Maio termina justamente nesse ponto pouco antes da altura da Rua do Paraíso.
Após o túnel do Paraíso, quando a linha passasse pelo Parque do Ibirapuera, viraria à direita e passaria a acompanhar a atual Avenida Ibirapuera, então apenas uma linha de bondes. Como o projeto era da Prefeitura, o governo estadual comprometeu-se a doar uma área de vinte mil metros quadrados do parque, para a construção da linha. O trajeto pela avenida que corta o bairro de Moema substituiria a linha de bondes existente no local, “mediante elevação ou abaixamento do ‘grade'”,
segundo a Folha reportou, em 1961.
Nesse trecho, ela Inclusive, o mesmo texto da
Folha fala na “possibilidade de sua utilização por bondes, em primeira etapa, ficando para uma fase posterior a introdução de composições específicas”. Os bondes, no caso, seriam os fechados, conhecidos como “camarões”.
A Folha explicava a situação:
Se não houver verba suficiente para equipar totalmente a linha, a população que dela se servirá nos primeiros tempos não contará com componentes de aço, mas, sim, com os “camarões que hoje rodam pela cidade. E, como os bondes em geral deverão sair de circulação, a linha Anhangabaú–Santo Amaro, metrô na superfície, seria reforçada com esses veículos.
Após cruzar a Avenida República do Líbano em um pontilhão, a linha teria trechos em trincheira, assim como uma parada na Praça Nossa Senhora Aparecida. A linha seguiria por Santo Amaro, subterrânea a partir da Rua da Fraternidade até o Largo Treze, terminando na Estação Socorro, que então atendia os trens de subúrbio da Estrada de Ferro Sorocabana (atual Linha 9 da CPTM).
Justamente devido ao fato de boa parte do percurso ser em superfície, parecia ser uma obra simples. “Correndo na superfície
[em] dezesseis de seus dezoito quilômetros de extensão,
[a linha] não oferecerá dificuldades de construção”,
exaltava a Folha. “Será barata e relativamente rápida.” Mas, apesar de em 1963 a previsão fosse de que o primeiro trecho poderia ser entregue em 1966, quando o Viaduto Pedroso foi inaugurado, em 28 de maio de 1967, o projeto praticamente não tinha avançado. Ainda assim,
a edição d’O Estado de S. Paulo da véspera informava que o viaduto “dispõe de instalações que servirão para a futura estação do metropolitano da zona sul”.
O Brigadeiro José Vicente Faria Lima assumira a Prefeitura em 1965 e declarara o Metrô como objetivo principal de sua gestão, criando, em 1966, o Grupo Executivo do Metropolitano (GEM).
Um mapa divulgado pela Prefeitura em agosto de 1967 trazia quatro linhas a ser construídas, os embriões de quatro das atuais linhas: Norte–Sul (que daria origem à atual Linha 1-Azul), Leste–Oeste (Linha 3-Vermelha), Sudeste–Sudoeste (Linha 4-Amarela) e Avenida Paulista (Linha 2-Verde), esta última como um ramal. Curiosamente, a primeira previsão era de que a estação central do sistema ficaria no Largo de São Bento, com saídas na Rua Vinte e Cinco de Março e na Avenida Prestes Maia.
Mapa da rede preliminar do Metrô (reprodução O Estado de S. Paulo)
Além das três linhas principais (linhas brancas e pretas), o mapa também contemplava as extensões, inclusive o trecho até Santo Amaro, sem seguir mais até a Estação Socorro. É possível que tenha sido este o momento em que o projeto de 1955 foi mudado, sendo esta, talvez, a primeira vez em que o mapa com as três linhas foi publicado, assim como também creio que foi a primeira vez que a extensão de Moema foi tratada como um ramal. Assim descrevia o Estadão:
O ramal da Linha Norte–Sul segue a Avenida Vinte e Três de Maio subterraneamente até pouco antes da Rua Tutoia. De lá continua em sistema elevado pela Avenida Oito de Novembro [atual Avenida Doutor Dante Pazzanese], Avenida Brasil, para a linha de bonde, até a Avenida Indianópolis. Acreditam os técnicos do consórcio teuto-nacional ser econômico construir esse ramal primeiro até aquele terminal e deixar a projetada continuação até Santo Amaro para uma data posterior. Se em breve for construída uma avenida na linha de bondes, propões [que]seja guardada uma faixa para o traçado do metrô, com largura de quinze metros, que poderá ser usada como rodovia. Até lá, certamente não antes de dez anos, deverá ser projetada uma baldeação do bonde para o metrô, ou, mais tarde, depois da construção da avenida, entre ônibus, trólebus e metrô, no terminal de Indianópolis.
Como se sabe, os bondes foram exterminados em São Paulo já no ano seguinte. E mesmo esse ramal acabou não sendo finalizado,
como escrevi alguns meses atrás:
Em 17 de janeiro de 1971,
o Estadão já havia informado que “
[o ramal de Moema] foi praticamente abandonado pela atual diretoria do Metrô”. Faltava, aparentemente, apenas uma confirmação por parte da prefeitura, o que saiu quase junto com a edição 390 de
Acrópole, que continha o mapa do início do texto: em 23 de novembro daquele 1971, o prefeito Figueiredo Ferraz comunicou que tinha desistido da construção do ramal. Sua justificativa foi o fato de a região que ele atenderia já ser “bem servida” pelo transporte público e, assim, ele poderia destinar os recursos para estender a Linha Norte–Sul até o Mandaqui. A ideia do ramal chegou a ser ressuscitada alguns anos depois, como numa reportagem publicada pel’
O Estado em 1974: “O ramal de Moema, cujos planos foram abandonados há algum tempo, poderá vir a ser construído no futuro.”
É improvável que as análises feitas em 1963 após as sondagens no Largo Treze tenham sido utilizadas pelo Metrô na construção da Linha 5-Lilás, mas a Estação Largo Treze acabou sendo construída, já no século 21, a apenas alguns metros da esquina da avenida Padre José Maria com Rua Barão do Rio Branco, de onde as amostras para análise tinham sido retiradas, mais de quarenta anos antes.