sábado, 1 de novembro de 2014

Nova direita surgiu após junho, diz filósofo


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O "surto de impaciência" revelado pelas manifestações de junho de 2013 "provocou um surto simétrico e antagônico que é o surgimento de uma nova direita, um dos fenômenos mais importantes do Brasil contemporâneo. Uma direita não convencional, que não está contemplada pelos esquemas tradicionais da política".
Quem faz a análise é o filósofo Paulo Eduardo Arantes, professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo). Ele compara o que acontece aqui com a dinâmica nos Estados Unidos:
"A direita norte-americana não está mais interessada em constituir maiorias de governo. Está interessada em impedir que aconteçam governos. Não quer constituir políticas no Legislativo e ignora o voto do eleitor médio. Ela não precisa de voto porque está sendo financiada diretamente pelas grandes corporações", afirma.
Zanone Fraissat/Folhapress
Paulo Eduardo Arantes, filosofo 71 anos
O filósofo Paulo Eduardo Arantes, 71
Por isso, seus integrantes podem "se dar ao luxo de ter posições nítidas e inegociáveis. E partem para cima, tornando impossível qualquer mudança de status quo. Há uma direita no Brasil que está indo nessa direção", diz o filósofo.
Segundo ele, "a esquerda não pode fazer isso porque tem que governar, constituir maiorias, transigir, negociar, transformar tudo em um mingau". Nesse confronto, surge o que sociólogos nos EUA classificam como uma "polarização assimétrica", com um lado sem freios e outro tentando contemporizar.
Na avaliação de Arantes, o conceito de polarização assimétrica se aplica ao Brasil. "A lenga-lenga do Brasil polarizado é apenas uma lenga-lenga, um teatro. Nos Estados Unidos, democratas e liberais se caracterizam pela moderação –como a esquerda oficial no Brasil, que é moderada. O outro lado não é moderado. Por isso a polarização é assimétrica".
"Fora o período da eleição –que é um teatro em se engalfinham para ganhar– um lado só quer paz, amor, beijos, diálogo, tudo. Uma vez que se ganha, as cortinas se fecham e todo mundo troca beijos, ministérios –e governa-se. Mas há um lado que não está mais interessado em governar", afirma.
JUNHO DE 2013
Arantes fez essa análise no final da tarde de quarta-feira (29), em palestra sobre as manifestações de junho de 2013 no 16º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação de Filosofia, que acontece nesta semana em Campos do Jordão (SP).
O filósofo contestou a visão de protagonistas dos protestos, para quem o movimento não foi um raio em céu azul, já que foi precedido por várias rebeliões por melhoria no transporte público pelo país afora nos últimos anos.
Na opinião de Arantes, todos foram apanhados de surpresa: "Ninguém esperava que isso acontecesse, nem os próprios protagonistas, nessas proporções. Foi absolutamente inesperado. Não temos mais ouvido para decifrar qualquer sinal de alarme".
Ele criticou o que considerou uma tentativa de sufocar a originalidade do movimento de junho. Discutiu também a visão de que os protestos tiveram fôlego curto.
Citando o compositor Geraldo Vandré, o pensador Ernst Bloch (1885-1977), texto literário, documentário, o filósofo fez um desenho do país: "Desaprendemos a esperar. Isso é que mudou. Mudou a relação entre tempo e política", disse.
Para ele, essa mudança se reflete em esgotamento de paciência: não dá mais para esperar: "E houve uma reviravolta também do outro lado". Daí a nova direita. 

'Leigo', Haddad defende medidas diferentes na crise da água; assista



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Apesar de se declarar "leigo no assunto", o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, disse em entrevista à "TV Folha", nesta quinta-feira (30), que administraria a atual crise no abastecimento hídrico do Estado de forma diferente. "Sem nenhum tipo de partidarismo, eu atuaria não só no plano de oferta de água mas também do lado da demanda. E teria feito isso há mais tempo", afirmou, em contraposição ao plano apresentado a ele hoje pela Sabesp, que reforçou a estratégia de cuidar apenas da oferta de água.
"Essa é uma questão séria, e não deve envolver rixas político-partidárias, que não resolvem nada. Mas a estratégia adotada é cuidar dos investimentos, de obras de emergência e esperar a chuva chegar, sem tratar da demanda, que, com exceção do bônus, está livre", explicou.
Segundo Haddad, tem sido difícil agendar reuniões com a Sabesp. Vários encontros marcados teriam sido postergados. No primeiro deles, ocorrido nesta quinta-feira, a empresa pública que cuida do saneamento no Estado reiterou a prefeitos que deve operar apenas no campo da oferta de água, sem promover ações de restrição da demanda.
Na última sexta-feira, o sistema Cantareira passou incorporar a segunda cota de seu volume morto, que somou 10,7% da capacidade do sistema aos 3% que restavam da primeira cota do volume morto já usada.
"Se eu fosse o responsável pelo abastecimento, teria convocado já há tempos uma reunião dos prefeitos para os quais a Sabesp presta o serviço de água e esgoto porque isso teria diminuído as críticas à empresa e teria dado mais oportunidade de conhecimento dos planos da Sabesp, que a maioria dos prefeitos desconhece."
Haddad disse ter um plano de abastecimento emergencial dos equipamentos do município, como hospitais, creches e escolas, mas esclareceu que o abastecimento de água da capital é, por contrato, atribuição da Sabesp e do governo do Estado. "A prefeitura não tem reserva de água. Ela depende do planejamento da Sabesp."
TARIFA DOS ÔNIBUS
Questionado sobre o subsídio à tarifa do ônibus, congelada após as manifestações de junho de 2013, Haddad informou que foi contratada uma auditoria externa, da consultoria Ernst & Young, para avaliar os contratos com as empresas de transporte na cidade. O subsídio da Prefeitura de São Paulo deve atingir a marca de R$ 2 bilhões o orçamento no ano que vem e já compromete investimentos em outras áreas.
O prefeito disse que, a partir dos laudos da auditoria, a serem concluídos num prazo de 30 dias, será feito um debate público sobre o rumo a ser tomado. "Vou abrir os dados para a sociedade e vou discutir com a cidade o que significaria [para o orçamento da prefeitura] manter o subsídio, majorá-los ou renegociar os contratos com os empresários", disse. "Se fizermos um pacto transparente, qualquer decisão legitimada vai nos dar sustentabilidade."
DÍVIDA
Haddad disse acreditar que a presidente Dilma mudará a indexação da dívida dos municípios agora que reeleita porque a medida não teria nada a ver com o rigor fiscal que se espera do segundo mandato da petista.
"Não tem cabimento o município financiar a União. Há uma troca de papéis aí. São Paulo quer pagar sua dívida, mas quer fazê-lo com a mesma taxa de juros que a União paga", disse. "A União assumiu a dívida dos municípios para ajudá-los e não tem sentido cobrar da cidade uma taxa maior que aquela que ela paga para arrolar essa dívida. Isso piora a situação de São Paulo."
Segundo o prefeito, o projeto de lei que versa sobre a mudança já passou pela Câmara e por todas as comissões do Senado. "O projeto está nas mãos do presidente do Senado [Renan Calheiros (PMDB-AL)]. Falei ontem com ele e acho que podemos chegar a um entendimento."
A medida não beneficiará diretamente a sua gestão, mas as próximas terão maior espaço orçamentário para investir na cidade. "São Paulo está numa situação financeira complicada. Não há sustentabilidade da maneira como está." 

Dores do parto de uma nova sociedade, por Alberto Carlos Almeida


do Valor
Por Alberto Carlos Almeida
Aprendi com Alexis de Tocqueville e Roberto DaMatta que uma sociedade democrática é aquela em que os homens são parecidos em sua maneira de agir, de pensar e em suas ambições, em que não há grande diferença entre ricos e pobres, e o acesso aos bens e a possibilidade de tê-los é mais ou menos a mesma para todos. Segundo Tocqueville, um dos sinais do caráter democrático da sociedade americana era que, lá, todos se tratavam pelo pronome "you", e não se usavam os pronomes de tratamento gentleman, Mister ou Sir. Os EUA sempre foram o oposto do Reino Unido, onde até hoje a formalidade marca as relações pessoais. Quanto mais igualitária uma sociedade é, segundo Tocqueville, menor os sinais de diferenciação entre os homens.
Roberto DaMatta, mostrei isso em meu livro "A Cabeça do Brasileiro", é o Tocqueville brasileiro. Sua obra irretocável e paradigmática tem vários ensinamentos para os interpretes do Brasil. Uma das mais importantes é o caráter hierárquico de nossa sociedade. No Brasil, todos querem saber o sobrenome de novos conhecidos, sua origem social (é bem verdade que esse comportamento já foi mais disseminado). Nos EUA, ninguém pergunta de qual família você é. Isso não importa, pois a origem social de todas as pessoas é muito semelhante.
DaMatta consagrou o caráter hierárquico de nossa sociedade ao revelar e interpretar o uso da expressão "você sabe com quem está falando?" Para muitos, é a chamada carteirada. É, porém, mais que isso. A expressão é utilizada em uma situação de grande desnível social, quando alguém importante, influente ou que conhece uma pessoa no governo, interage com outra pessoa sem tais credenciais e deseja evitar cumprir uma regra geral e universal. A expressão "você sabe com quem está falando?" só faz sentido e tem aceitação em sociedades muito desiguais, nas quais a ética igualitária seja fraca. A expressão oposta, utilizada nos EUA, uma sociedade genuinamente igualitária, é "quem você pensa que é?". O Brasil é o país do que "você sabe com quem está falando" e os EUA, o país do "quem você pensa que é?". O primeiro é muito desigual, o segundo é muito igualitário.
O Brasil, porém, está em transição. Os anos passam e o país se torna cada vez mais americanizado, no sentido social da expressão. Sim, quando se define sociedade democrática, à maneira de Tocqueville e Roberto DaMatta, não se está falando de democracia política, mas de democracia na sociedade, de aburguesamento geral dos indivíduos. Com o passar do tempo e à medida que melhoram de vida, todos se tornam pequenos proprietários, de suas residências, de seus automóveis, passam a preferir previsibilidade e contínua expansão de sua capacidade de consumo.
É isso que está ocorrendo hoje no Brasil e que incomoda enormemente um segmento que não se sente representado pelo PT na Presidência da República. Afinal, para esse segmento, em breve serão 16 anos consecutivos sem que o comando máximo da nação seja exercido por uma pessoa que o represente. É doloroso. O resultado concreto disso é mais doloroso ainda.
Trata-se de demandas inconfessáveis, mas há aqueles que lamentam, por exemplo, o aumento do poder de barganha das empregadas domésticas. É inconfessável querer que as empregadas não aumentem seu poder de barganha. Ano a ano, pouco a pouco, fica distante a época em que elas ou não tinham nenhum direito, ou eles existiam, mas não eram cumpridos. Isso incomoda, e muito, eleitores que não gostam nem um pouco do PT.
No Rio de Janeiro dos anos 1980, bastava que um adolescente fosse aluno de escolas como Santo Inácio, Santo Agostinho, São Bento ou Andrews para ter totais condições de passar para o curso de graduação de medicina da UFRJ. Era um clubinho. Quem era amigo e conhecido nessas escolas continuaria amigo e conhecido nas salas de aula da Ilha do Fundão. Isso acabou, não há mais um mísero sinal dessa época. Os alunos do curso de medicina mais procurado do Rio de Janeiro são oriundos de todos os lugares do Brasil e das mais diferentes escolas. O mesmo ocorreu no curso de medicina da USP e na capacidade que os principais colégios de São Paulo tinham de enviar alunos para lá. Ou seja, a sociedade brasileira se democratizou fortemente nos últimos anos. E isso foi feito criando-se vencedores e perdedores. Perderam os que faziam parte do clubinho, ganharam os que estavam fora dele.
As dores do parto de uma sociedade democrática e igualitária, à semelhança dos EUA, tem sua melhor expressão na radicalização de alguns setores de classe média alta contra o PT. Pedidos de impeachment, gritos de "fora Dilma" no dia da eleição, ataques dirigidos aos nordestinos e seu comportamento eleitoral, brigas de familiares em grupos de whatsapp, pessoas que rompem amizades no Facebook são sintomas do mesmo fenômeno. A pirâmide está deixando de ser pirâmide e os que ocupam sua parte superior resistem, gritam, reclamam, manifestam-se. Ótimo, isso é parte da democracia.
As dores deste parto foram maiores agora por causa do baixo crescimento econômico. No fim dos dois governos Lula, o processo eleitoral foi menos radicalizado porque o crescimento do último ano anestesiou a todos, inclusive os que tinham todas as razões para gritar. Cá entre nós, a metáfora médica é perfeita: com a anestesia do crescimento econômico, parte de uma sociedade igualitária ficou mais tolerável.
Em 2104 isso não aconteceu. Quando se trata de sociedades e da história, algumas mudanças levam décadas. Assim, o parto continua, só que este ano foi sem anestesia e, por isso, quase foi interrompido.
Não há política econômica neutra. Ela sempre implica em ganhadores e perdedores. Há os que ganham mais e os que ganham menos. Em algumas situações, há os que perdem. A grande ganhadora da política econômica do PT é a base da pirâmide social, os mais pobres. Em particular, aqueles que moram no Nordeste. Foram eles que repetiram seu voto. A proporção de votos dados a Dilma no segundo turno de 2014 foi apenas um pouco maior do que no segundo turno de 2010. O eleitor do agreste ou do sertão nordestino, pobre, é tão racional quanto o eleitor de classe média alta que habita a Mesopotâmia paulistana, isto é, que, como eu, mora na estreita faixa de terra delimitada pelos rios Pinheiros e Tietê. A diferença entre é que os primeiros foram claramente beneficiados pelas políticas adotadas pelo PT e os últimos foram os grandes prejudicados, tal como é possível observar nas turmas de medicina da USP.
O Brasil segue em frente. Isso é a democracia. Eleições existem para manter ou mudar o governo. Desde 2002, a maioria do eleitorado vem escolhendo um determinado conjunto de políticas. Nada é eterno. É impossível dizer quantas eleições mais o PT vencerá. É impossível afirmar que o partido de Lula e Dilma perderá a próxima. Tudo depende, como sempre, do desempenho da economia e, sejamos repetitivos, da avaliação do governo no ano da eleição.
O fato é que nosso sistema funciona, e bem. Tão bem que as dores do parto vêm sendo ouvidas por todos. Tão bem que essas dores podem se revelar com toda sua crueza para uns, e com sua justiça para outros. Depende sempre do ponto de vista.
Passada a eleição, é hora de o governo governar e também é chegada a vez de a oposição fazer oposição. O sucesso do sistema político depende de governo e oposição. Neste momento, torcer pelo Brasil é desejar que os dois lados, o vencedor e o derrotado de 2014, cumpram seus respectivos papéis, realizem o que deles se espera.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com www.twitter.com/albertocalmeida