terça-feira, 23 de setembro de 2014

Em vez de por no chão, ousar!





Essa estrutura vermelha, em ação, é um segmento da linha vermelha no Rio de Janeiro- exatamente sobre a avenida Brasil, a mais movimentada da capital fluminense.
Imagine essa mesma estrutura sendo a parte debaixo um metrô elevado e a de cima, uma ciclovia num jardim suspenso.

minhocomaldito

Os nós da USP,e editorial da Folha

Greve termina, mas crise da universidade é mais grave; problemas administrativos devem ser enfrentados durante reforma do estatuto
Após quatro meses, os funcionários e professores da USP que estavam de braços cruzados enfim voltaram ao trabalho. Foi a mais longa greve da história da universidade.
O movimento aceitou, na sexta-feira passada (19), o acordo proposto pelo Tribunal Regional do Trabalho: reajuste salarial de 5,2%, além de abono de 28,6%. Em contrapartida, os paredistas deverão repor uma hora de trabalho por dia, por no máximo 70 dias.
O fim da paralisação, no entanto, não encerra a crise da USP --e nunca será demais insistir nesse ponto, ao menos não até que a principal universidade do Brasil, sustentada com recursos do contribuinte e imprescindível para o avanço do ensino e da pesquisa de ponta no país, consiga se reestruturar acadêmica e financeiramente.
Não será fácil. Só a folha de pagamento da USP supera em 5% seu orçamento. Considerando-se outros gastos, como manutenção, obras e benefícios, a instituição deve terminar o ano com despesas 35% acima das receitas (cerca de R$ 5 bilhões, quase inteiramente advindos da arrecadação do ICMS). A situação é insustentável.
O reitor, Marco Antonio Zago, acredita ser possível equilibrar as contas transferindo dois hospitais da USP para a administração estadual e estimulando adesões a um plano de demissões voluntárias.
Pode até dar certo de um ponto de vista contábil, mas nem por isso melhorará a natureza dos dispêndios. E se, por exemplo, entre os 17,6 mil servidores não docentes, apenas os mais qualificados decidirem se demitir? É do interesse da universidade manter somente funcionários com menos experiência e menor nível hierárquico?
A discussão precisa se aprofundar. Por que, de 2009 a 2013, a comunidade acadêmica aceitou que a parcela do orçamento destinada ao salário dos funcionários tenha aumentado de 55% para 62%, enquanto diminuiu de 45% para 38% a parte que cabe aos professores? Trata-se de distribuição apropriada para os objetivos da entidade?
Se estiverem de fato empenhados em resolver esses gargalos institucionais --e é o que a sociedade espera--, os docentes, que constituem o corpo central da universidade, deveriam assumir a linha de frente do debate sobre a reforma do estatuto da USP. Ocorre hoje (23) uma reunião acerca do assunto.
Trata-se de boa ocasião para tentar desatar alguns nós evidenciados pela crise. Para começar, a USP carece de mecanismos adequados de transparência e de prestação de contas, bem como de meios para profissionalizar sua gestão.
Surpreende que a melhor universidade do país precise avançar em temas tão básicos, mas, como ficou claro nos últimos meses, é justamente por aí que a revisão administrativa deveria começar.

Será que Deus existe?, Por João Pereira Coutinho na Folha


Deus não existe, afirmou o cientista Stephen Hawking, de passagem pela Espanha. Em entrevista a um jornal de "nuestros hermanos", Hawking repetiu a tese de que o Universo se criou a partir do nada e que o ser humano acabará por saber tudo sobre tudo no futuro sem precisar de uma ajuda celestial.
Longe de mim contestar Hawking: o homem é um gênio, dizem, e com os gênios não se brinca. Embora me pareça bizarra a declaração de um cientista –repito: de um cientista, não de um vulgar mortal– de que o futuro será assim ou assado em matéria de conhecimento humano.
Karl Popper (1902-1994), um dos mais importantes filósofos da ciência do século 20, mostrou como essa crença é ridícula (e até anticientífica). Motivo óbvio: o conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é algo que desconhecemos hoje; e esse "algo" pode mudar as verdades de ontem. Como?
Derrubando velhos dogmas e inaugurando novas perplexidades. Sempre foi assim –o imprevisto é um dos atores principais na história da ciência. É razoável presumir –presumir, não afirmar categoricamente– que sempre assim será.
Um cientista que diga como vai ser o futuro, sem obviamente conhecer todos os fatores que irão moldar esse futuro, não é um cientista. É um charlatão.
Como Karl Marx (1818-1883), por exemplo, um dos alvos preferidos de Popper e da sua crítica ao "historicismo". Marx pretendia fornecer aos homens as "leis científicas da história": um processo de luta entre classes que acabaria por derrubar o sistema capitalista, conduzindo à "ditadura do proletariado" e a uma sociedade comunista.
Como é evidente, as leis "científicas" de Marx nada tinham de ciência. Eram meras profecias, marcadas por uma radical indeterminação, que nem como profecias se cumpriram: a revolução não emergiu "inexoravelmente" em países capitalistas (como a Inglaterra); ela foi violentamente imposta em antros de pobreza e atraso industrial, como na Rússia campesina e analfabeta de 1917.
Mas voltemos a Deus: será que Ele existe? Ou devemos curvar-nos perante a sapiência do prof. Hawking e abandonar essas ilusões primitivas?
Uma boa forma de responder à pergunta encontra-se na entrevista notável que o filósofo Keith DeRose, professor na Universidade Yale e um declarado agnóstico, concedeu ao "New York Times".
É impossível resumir aqui a complexidade da conversa. Mas é possível chegar ao ponto capital dela: quando existe uma imensa maioria de pessoas que acredita na existência de Deus, é preciso um argumento poderoso (e definitivo) para demonstrar o seu contrário.
DeRose nunca encontrou esse argumento, apesar de conhecer o mais clássico de todos eles: como conciliar a existência de Deus com a presença do Mal no mundo? O filósofo não perde tempo com a resposta, claro. Mas um conhecimento vago da discussão teológica através dos séculos mostra como a existência de Deus não anula necessariamente o livre arbítrio das suas criaturas.
Isso não significa, logicamente, que DeRose recusa a posição ateia e aceite a posição teísta. Pelo contrário: os argumentos cosmológicos avançados racionalmente pelos teístas –tudo tem uma causa; Deus é a causa das causas etc.– também não convencem o autor pela sua fraqueza, digamos, circular.
Em que ficamos, então?
Simples: em lado nenhum. Ou, dito de outra forma, Deus não é uma questão rigorosamente filosófica. E discutir a sua existência (ou inexistência) em termos filosóficos (leia-se: "racionais") é um diálogo de surdos, que tentam falar racionalmente sobre um assunto do qual não possuem qualquer prova.
Ou então é um diálogo de cegos, que insistem em descrever a paisagem que imaginam ter à frente.
Deus é uma questão de fé –esse mistério e, para muitos, essa graça. E a "fé" é um assunto ligeiramente diferente de equações matemáticas ou observações de telescópio.
Um cientista que não entende isso não é apenas um ignorante em matéria religiosa. É sobretudo um ignorante em matéria científica. 
joão pereira coutinho
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do 'Correio da Manhã', o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro 'Avenida Paulista' (Record) e é também autor do ensaio 'As Ideias Conservadoras Explicadas a Revolucionários e Reacionários' (3 Estrelas). Escreve às terças na versão impressa e a cada duas semanas, às segundas, no site.