Deus não existe, afirmou o cientista Stephen Hawking, de passagem pela Espanha. Em entrevista a um jornal de "nuestros hermanos", Hawking repetiu a tese de que o Universo se criou a partir do nada e que o ser humano acabará por saber tudo sobre tudo no futuro sem precisar de uma ajuda celestial.
Longe de mim contestar Hawking: o homem é um gênio, dizem, e com os gênios não se brinca. Embora me pareça bizarra a declaração de um cientista –repito: de um cientista, não de um vulgar mortal– de que o futuro será assim ou assado em matéria de conhecimento humano.
Karl Popper (1902-1994), um dos mais importantes filósofos da ciência do século 20, mostrou como essa crença é ridícula (e até anticientífica). Motivo óbvio: o conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é algo que desconhecemos hoje; e esse "algo" pode mudar as verdades de ontem. Como?
Derrubando velhos dogmas e inaugurando novas perplexidades. Sempre foi assim –o imprevisto é um dos atores principais na história da ciência. É razoável presumir –presumir, não afirmar categoricamente– que sempre assim será.
Um cientista que diga como vai ser o futuro, sem obviamente conhecer todos os fatores que irão moldar esse futuro, não é um cientista. É um charlatão.
Como Karl Marx (1818-1883), por exemplo, um dos alvos preferidos de Popper e da sua crítica ao "historicismo". Marx pretendia fornecer aos homens as "leis científicas da história": um processo de luta entre classes que acabaria por derrubar o sistema capitalista, conduzindo à "ditadura do proletariado" e a uma sociedade comunista.
Como é evidente, as leis "científicas" de Marx nada tinham de ciência. Eram meras profecias, marcadas por uma radical indeterminação, que nem como profecias se cumpriram: a revolução não emergiu "inexoravelmente" em países capitalistas (como a Inglaterra); ela foi violentamente imposta em antros de pobreza e atraso industrial, como na Rússia campesina e analfabeta de 1917.
Mas voltemos a Deus: será que Ele existe? Ou devemos curvar-nos perante a sapiência do prof. Hawking e abandonar essas ilusões primitivas?
Uma boa forma de responder à pergunta encontra-se na entrevista notável que o filósofo Keith DeRose, professor na Universidade Yale e um declarado agnóstico, concedeu ao "New York Times".
É impossível resumir aqui a complexidade da conversa. Mas é possível chegar ao ponto capital dela: quando existe uma imensa maioria de pessoas que acredita na existência de Deus, é preciso um argumento poderoso (e definitivo) para demonstrar o seu contrário.
DeRose nunca encontrou esse argumento, apesar de conhecer o mais clássico de todos eles: como conciliar a existência de Deus com a presença do Mal no mundo? O filósofo não perde tempo com a resposta, claro. Mas um conhecimento vago da discussão teológica através dos séculos mostra como a existência de Deus não anula necessariamente o livre arbítrio das suas criaturas.
Isso não significa, logicamente, que DeRose recusa a posição ateia e aceite a posição teísta. Pelo contrário: os argumentos cosmológicos avançados racionalmente pelos teístas –tudo tem uma causa; Deus é a causa das causas etc.– também não convencem o autor pela sua fraqueza, digamos, circular.
Em que ficamos, então?
Simples: em lado nenhum. Ou, dito de outra forma, Deus não é uma questão rigorosamente filosófica. E discutir a sua existência (ou inexistência) em termos filosóficos (leia-se: "racionais") é um diálogo de surdos, que tentam falar racionalmente sobre um assunto do qual não possuem qualquer prova.
Ou então é um diálogo de cegos, que insistem em descrever a paisagem que imaginam ter à frente.
Deus é uma questão de fé –esse mistério e, para muitos, essa graça. E a "fé" é um assunto ligeiramente diferente de equações matemáticas ou observações de telescópio.
Um cientista que não entende isso não é apenas um ignorante em matéria religiosa. É sobretudo um ignorante em matéria científica.
Longe de mim contestar Hawking: o homem é um gênio, dizem, e com os gênios não se brinca. Embora me pareça bizarra a declaração de um cientista –repito: de um cientista, não de um vulgar mortal– de que o futuro será assim ou assado em matéria de conhecimento humano.
Karl Popper (1902-1994), um dos mais importantes filósofos da ciência do século 20, mostrou como essa crença é ridícula (e até anticientífica). Motivo óbvio: o conhecimento é uma aventura em aberto. O que significa que aquilo que saberemos amanhã é algo que desconhecemos hoje; e esse "algo" pode mudar as verdades de ontem. Como?
Derrubando velhos dogmas e inaugurando novas perplexidades. Sempre foi assim –o imprevisto é um dos atores principais na história da ciência. É razoável presumir –presumir, não afirmar categoricamente– que sempre assim será.
Um cientista que diga como vai ser o futuro, sem obviamente conhecer todos os fatores que irão moldar esse futuro, não é um cientista. É um charlatão.
Como Karl Marx (1818-1883), por exemplo, um dos alvos preferidos de Popper e da sua crítica ao "historicismo". Marx pretendia fornecer aos homens as "leis científicas da história": um processo de luta entre classes que acabaria por derrubar o sistema capitalista, conduzindo à "ditadura do proletariado" e a uma sociedade comunista.
Como é evidente, as leis "científicas" de Marx nada tinham de ciência. Eram meras profecias, marcadas por uma radical indeterminação, que nem como profecias se cumpriram: a revolução não emergiu "inexoravelmente" em países capitalistas (como a Inglaterra); ela foi violentamente imposta em antros de pobreza e atraso industrial, como na Rússia campesina e analfabeta de 1917.
Mas voltemos a Deus: será que Ele existe? Ou devemos curvar-nos perante a sapiência do prof. Hawking e abandonar essas ilusões primitivas?
Uma boa forma de responder à pergunta encontra-se na entrevista notável que o filósofo Keith DeRose, professor na Universidade Yale e um declarado agnóstico, concedeu ao "New York Times".
É impossível resumir aqui a complexidade da conversa. Mas é possível chegar ao ponto capital dela: quando existe uma imensa maioria de pessoas que acredita na existência de Deus, é preciso um argumento poderoso (e definitivo) para demonstrar o seu contrário.
DeRose nunca encontrou esse argumento, apesar de conhecer o mais clássico de todos eles: como conciliar a existência de Deus com a presença do Mal no mundo? O filósofo não perde tempo com a resposta, claro. Mas um conhecimento vago da discussão teológica através dos séculos mostra como a existência de Deus não anula necessariamente o livre arbítrio das suas criaturas.
Isso não significa, logicamente, que DeRose recusa a posição ateia e aceite a posição teísta. Pelo contrário: os argumentos cosmológicos avançados racionalmente pelos teístas –tudo tem uma causa; Deus é a causa das causas etc.– também não convencem o autor pela sua fraqueza, digamos, circular.
Em que ficamos, então?
Simples: em lado nenhum. Ou, dito de outra forma, Deus não é uma questão rigorosamente filosófica. E discutir a sua existência (ou inexistência) em termos filosóficos (leia-se: "racionais") é um diálogo de surdos, que tentam falar racionalmente sobre um assunto do qual não possuem qualquer prova.
Ou então é um diálogo de cegos, que insistem em descrever a paisagem que imaginam ter à frente.
Deus é uma questão de fé –esse mistério e, para muitos, essa graça. E a "fé" é um assunto ligeiramente diferente de equações matemáticas ou observações de telescópio.
Um cientista que não entende isso não é apenas um ignorante em matéria religiosa. É sobretudo um ignorante em matéria científica.