segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Monopólio da segurança


GUARACY MINGARDI - O ESTADO DE S. PAULO
13 Setembro 2014 | 16h 00

Quando diversas entidades da mesma área brigam entre si para manter a exclusividade de um serviço, o que está em jogo é o interesse corporativo

FELIPE RAU/ESTADÃO
Fora de função? Guarda Civil impede sem-teto de entrarem em imóvel
Devido à burocratização e à legislação confusa, no Brasil é comum que alguns grupos briguem para manter o monopólio de um serviço. As desculpas são as mais variadas e incluem afirmações de que isso visa ao bem-estar da população. Mas o que está em jogo não é nada tão altruísta. São só interesses corporativos. O caso mais recente é o de uma associação de oficiais da Polícia Militar que quer, por meio do Supremo Tribunal Federal, impedir as guardas municipais de atuarem na segurança da população. De acordo com o recém-aprovado Estatuto Geral das Guardas (lei nº 13.022), elas se transformaram em uma nova polícia preventiva, porém civil. Entre suas atribuições estão preservar locais de crime (algo que a PM detesta) e fazer segurança escolar (algo que já acontece em diversas cidades).
A principal argumentação do recurso ao STF é de que a lei transforma as guardas civis em uma polícia preventiva, o que seria uma “invasão da competência constitucional das polícias militares”. Talvez alguns oficiais estejam realmente preocupados com o atendimento à população, mas por trás do jargão jurídico se nota que a maior preocupação é a manutenção do monopólio policial militar.
Durante mais de 40 anos (1926 a 1968) tivemos duas polícias preventivas no Estado de São Paulo: a Força Pública e a Guarda Civil Estadual. E o sistema funcionava, com cada polícia atuando numa área distinta e competindo entre si para mostrar serviço. Em 1969 o regime militar, para controlar as polícias e facilitar a repressão política, juntou as duas instituições, criando a Polícia Militar, que nasceu ainda mais militarizada do que a Força Pública, ficando muito tempo sob o comando de oficiais do Exército. Essa medida aumentou a zona de atrito entre a prevenção, comandada por coronéis, e a investigação, comandada por delegados. E até hoje pagamos a conta disso, pois o estranhamento entre policiais civis e militares continua a todo vapor.
Outra tentativa de manter o monopólio foi um Projeto de Emenda Constitucional rejeitado no ano passado. A PEC 37, elaborada por delegados de polícia, visava a impedir o Ministério Público de investigar. A disputa provocou manchetes e ajudou a levar milhares de pessoas às ruas em 2013. Aliás, se a PEC tivesse sido votada antes de junho talvez tivesse passado, mas para os manifestantes essa emenda tinha por finalidade impedir as investigações contra a corrupção.
Da mesma forma que no caso anterior, os motivos da ação foram basicamente corporativos. As associações de delegados, desde que a Constituição de 1988 aumentou o poder do Ministério Público, têm só duas pautas permanentes: limitar o exercício do controle externo da atividade policial pelo MP e manter o monopólio da investigação criminal. Poucos discutem melhoria do serviço. Outra semelhança com a ação da PM é que a questão corporativa veio a público embalada como “preservação de direitos, manutenção da qualidade do serviço público, etc”. Na realidade, ambas tentavam manter o monopólio de uma atividade essencial, sem discutir se ela está sendo realizada a contento. 
Um terceiro caso de monopólio é o das Forças Armadas, que fazem questão de controlar a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o serviço civil de informações de Estado. Através do Gabinete de Segurança Institucional, dirigido sempre por um general, as Forças Armadas controlam a Abin, e dessa forma mantêm o monopólio das informações que chegam à Presidência. Tanto relatos sobre temas corriqueiros numa democracia, como movimentos sociais e greves, quanto problemas sérios, como tumultos e espionagem estrangeira, são filtrados pelos militares antes de chegar ao gabinete presidencial.
Os três casos mencionados mostram os caminhos das instituições de segurança para manter seu monopólio, cada uma utilizando um método diferente e com resultados diversos. A proposta da PM será ou não mantida pelo Judiciário. A da Polícia Civil foi negada pelo Congresso e o poder dos militares está mantido, pelo menos até agora, por causa de pressões políticas.
O problema com o monopólio é que ele facilita a incompetência e a má-fé. Se somente a PM prevenir o crime, a Polícia Civil investigar e o Exército informar a Presidência, como avaliar os resultados de suas ações? E se uma das instituições não realizar o serviço, que fazer?
Apesar de concordar que o Estado deva manter algum controle sobre a segurança, isso não significa que internamente não possa haver concorrência entre instituições. Já que o liberalismo está na moda: o que diria Adam Smith sobre o monopólio de uma atividade dentro de um único organismo do Estado?
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Guaracy Mingardi é doutor em Ciência Política pela USP e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Deixem onde está (Aliás, OESP)


PAULO A. LOTUFO - O ESTADO DE S. PAULO
13 Setembro 2014 | 16h 00

Professor de medicina diz que USP nada ganhará transferindo a gestão do Hospital Universitário para a Secretaria de Saúde

HU-USP
HU-USP. Ali, o aluno da graduação aprende em pequenos grupos à beira dos leitos
O Hospital Universitário da USP (HU) é um órgão de integração das Faculdades de Medicina, Enfermagem, Farmácia, Odontologia, Saúde Pública e Psicologia. Seu orçamento é o da universidade, que cobre toda a folha de pagamento e parcela do custeio em conjunto com o Sistema Único de Saúde. No HU há concentração dos cursos de graduação e de residência básica nas áreas gerais. Na pesquisa, se distingue na investigação epidemiológica. A formação de recursos humanos e a criação de conhecimento se dá no atendimento de moradores da região do Butantã e dos próprios docentes e funcionários da universidade. Importante ressaltar que, quando da distribuição do porcentual do ICMS à universidade, o custo do HU foi contabilizado, representando sempre em torno de 6% do orçamento da universidade. 
Com a crise fiscal da USP, a reitoria propôs ao Conselho Universitário transferir a gestão do HU para a Secretaria de Saúde pelo custo elevado. Tal como ocorrido em toda a universidade, o dispêndio referente ao HU aumentou nos últimos anos em decorrência dos planos de carreira aprovados pelo Conselho Universitário. Esses planos, ao valorizar a qualificação profissional (especialização, mestrado, doutorado), permitiram que grande parte dos funcionários do HU com essas premissas fosse justamente promovida dentro das regras meritórias estabelecidas. Após os planos, a folha salarial atingiu R$ 240 milhões em 2013, para R$ 133 milhões em 2010.
Na proposta da reitoria, a folha de pagamento continuará a ser honrada pela USP, e à Secretaria de Saúde caberá o custeio, no valor de R$ 37 milhões anuais. Cabe uma primeira pergunta: qual será a lógica em economizar a menor parcela do orçamento em troca de entregar importante ativo acadêmico ao sabor de interesses estranhos? O segundo questionamento se faz agora ao contribuinte: será correto transferir recursos da saúde para a universidade? A terceira questão é dirigida à própria secretaria: não há premências maiores para utilização de recursos dessa monta? Que venham as respostas a essas perguntas no seu devido tempo; cabe agora explicitar a complexidade do ensino médico para que o contribuinte entenda o que é feito com seu dinheiro. 
Acreditem ou não, a defesa do HU na USP é para que o currículo seja de acordo com as “reais necessidades de saúde da população” e não por corporativismo. Para tanto é necessário voltar aos primórdios do Hospital das Clínicas, em 1944. O modelo HC foi copiado em todo o País como exemplo de hospital-escola e permitiu sua expansão em novos institutos especializados. Essa história de sucesso provocou o paradoxo já conhecido em outros países, de que hospitais especializados não são o melhor lugar para o estudante de medicina porque atraem e priorizam o atendimento a pacientes com doenças raras e complexas. Um perfil de doenças que será o oposto do que o aluno encontrará em sua prática profissional. 
Para romper essa dificuldade, surgiu em 1968 na Medicina a proposta do HU como hospital comunitário, geral e integrado com cursos da saúde. Assim, desde 1981 o HU é de fato uma sala de aula da Medicina e das demais escolas da saúde. Se ainda persistem aulas magistrais em grande parte dos cursos da USP, na Medicina, ao contrário, o aluno aprende em pequenos grupos e à beira do leito e em consultórios. Se em outros hospitais-escola o aluno de graduação é secundário em relação ao médico-residente, no HU ocorre o inverso: o centro do aprendizado é o graduando, com estágios exclusivos na sala de parto, no ambulatório e na terapia intensiva. Esse comportamento se materializa no fato de que a maioria dos paraninfos da Medicina são médicos do HU. 
Não somente para a Medicina o HU representou uma revolução no ensino. A Enfermagem utilizou o HU nessas décadas para consagrar processo de trabalho que se difundiu em todos os hospitais de qualidade no País. A Farmácia inovou na dispensação de medicamentos, exemplos inovadores ocorreram na Odontologia, Nutrição e Psicologia. O sucesso do HU foi seguido pela Escola Paulista de Medicina, Unicamp, Unesp e pela USP Ribeirão Preto, que assumiram hospitais com as características do HU-USP. Por isso, o HU exige respeito!
Quem subscreve este texto não se nega a declarar seus conflitos de interesse com o HU, onde trabalhou como médico, depois como docente e foi superintendente (2003-10). A defesa do HU é feita tanto com a razão cartesiana de pesquisador especializado em métodos quantitativos, que já mostrou que a USP nada ganhará transferindo seu hospital para a Secretaria da Saúde, como também com a emoção de cidadão que, desde a militância maoista na juventude (ao lado de líder sindical ainda em atividade na USP) até o momento atual de pesquisador que colaborou em projetos inovadores de epidemiologia genética com o atual reitor - de quem foi eleitor e apoiador de primeira hora -, não concorda que uma história tão rica de ensinamento na área da saúde e da educação seja reduzida a mero balanço contábil. 
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Paulo A. Lotufo é professor titular da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica

MPE investiga contrato da Linha-6 do Metrô


CAIO DO VALLE - O ESTADO DE S.PAULO
15 Setembro 2014 | 02h 02

Promotoria quer saber se há irregularidade nas desapropriações, pagas pelos cofres públicos e tocadas por um consórcio

O Ministério Público Estadual abriu inquérito para investigar suposta ilegalidade no contrato para a construção da Linha 6-Laranja do Metrô. A Promotoria quer saber se há irregularidades nas desapropriações para a construção do ramal, pagas pelos cofres públicos, apesar de o empreendimento ser tocado por um consórcio privado. Elas custarão R$ 673,6 milhões. O governo nega problemas.
Para o promotor de Justiça e Patrimônio Público e Social Valter Foleto Santin, o fato de a Secretaria Estadual dos Transportes Metropolitanos ter transferido à Concessionária Move São Paulo a responsabilidade pelas desapropriações "pode ferir os princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, proporcionalidade, razoabilidade, além de outros princípios orçamentário e financeiro de gasto regular de recursos públicos".
Ele argumenta que há risco de "prejuízo ao patrimônio público e social, de interesse difuso ou coletivo". O promotor lembra que a Move São Paulo - formada por Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC Participações e Fundo Eco Realty - "moveu inúmeros processos de desapropriação perante Varas da Fazenda Pública da Capital, com dezenas de decisões desfavoráveis".
Reportagem do Estado publicada no início do mês mostra que, das 371 ações ajuizadas pela concessionária para as desapropriações, 180 foram consideradas ilegais por 14 juízes de primeira instância. Em muitos casos, os magistrados sequer julgaram o mérito dessas ações, pois entenderam que havia "vício de origem". Isso, porque, em seu entendimento, o contrato assinado em dezembro de 2013 entre o governo e o consórcio privado fere a Lei Federal 8.987/95 e a Lei Estadual 7.835/92, que versam sobre concessões e permissões públicas.
As duas leis determinam que, em caso de o poder concedente delegar as desapropriações à concessionária, é a iniciativa privada que deve fazer o pagamento, com recursos próprios. Contudo, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos informa que duas Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça reconheceram "a legitimidade da concessionária na condução do processo de desapropriação de áreas para a construção da Linha 6-Laranja". Segundo o texto, "o Estado tem o poder de desapropriação, pois os terrenos (...) serão incorporados ao patrimônio público quando o período de 25 anos de concessão com a iniciativa privada for encerrado".
Vantagem. Para o promotor Santin, resta saber "qual é a vantagem do Estado em permitir à concessionária litigar em nome próprio para definir indenização a ser suportada pelo Estado". Ele lembra que isso reduz a "autonomia de atuação do Estado em defesa do seu direito". Após ser oficiado pelo MPE, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) terá 15 dias para enviar esclarecimentos à Promotoria.
A juíza Luíza Barros Rozas, da 1o.ª Vara de Fazenda Pública, foi uma das que avaliaram como irregular o contrato e chegou a questionar o motivo pelo qual o governo Alckmin transferiu o litígio judicial das desapropriações para terceiros.