quarta-feira, 19 de março de 2014

Já sabíamos, há 30 anos - CLÁUDIO BRITO (nalini)


ZERO HORA - 17/03

Investigado por autoria de um latrocínio, cumpre pena por crime idêntico, cometido 10 anos atrás



Em 1984, quando começaram a viger as leis que reformavam o Código Penal e regravam a execução das penas, um grupo de juristas gaúchos publicou um manifesto contrário às inovações, por entendê-las liberalizantes. Segundo 70 promotores e procuradores de então _ eu estava entre os signatários _, a Lei de Execução Penal chegava para esvaziar as cadeias. O recrudescimento da criminalidade seria a primeira consequência. Não deu outra. É o que se vive, 30 anos depois.
Nessas três décadas, temos o quadro terrível que permite a um condenado em pleno cumprimento da pena voltar a delinquir gravemente. As distorções praticadas pelo Estado e a falência do sistema prisional contribuem para o agravamento de um cenário cujo esboço adivinhávamos em 84. A frouxidão e a leniência estão presentes. Políticas públicas ficam muito bem nos projetos, são debatidas eloquentemente em fóruns e seminários, mas as vagas nas cadeias diminuem e tornozeleiras eletrônicas deixam de ser instrumentos de fiscalização e passam a ser um novo regime de cumprimento de penas.
O homem preso recentemente, investigado por autoria de um latrocínio com enorme repercussão, cumpre pena por crime idêntico, cometido 10 anos atrás. Trabalhava como motoboy, tinha bom comportamento e progredira ao regime semiaberto por preencher todas as exigências legais, que são apenas o decurso de tempo e o bom comportamento atestado pelo diretor do estabelecimento penal. Sua condição econômica era pelo menos razoável, pois é detentor de contas bancárias que dão suporte a vários cartões de crédito.
Estava certo o protesto que há 30 anos externou a preocupação dos responsáveis pela aplicação das leis e por sua efetividade. A criminalidade avançou e o sistema penal faliu. Seja por novas leis, ou por nova leitura das atuais, precisa-se de algo que altere profundamente a realidade que só nos assusta e impõe medo aos cidadãos e às famílias. Não dá para mais aceitarmos que uma condenação de mais de 20 anos seja de efetivos três ou quatro anos de recolhimento. Depois, na falta de albergues, prisão domiciliar ou monitoramento eletrônico. E novos crimes. As vítimas condenadas à morte e os filhos à pena perpétua de uma saudade com muita dor.

A nova geopolítica da energia


17 de março de 2014 | 2h 06

José Goldemberg* - O Estado de S.Paulo
Petróleo tem, na vida moderna, o papel que o sangue tem nos organismos humanos. Sem ele ainda estaríamos - como na Idade Média - nos deslocando em carroças e no lombo de cavalos, a não ser pelos trens desenvolvidos no século 19, usando carvão e lenha como combustível. A produção de automóveis e caminhões, que começou no início do século passado, mudou radicalmente essa situação.
Petróleo é um combustível líquido relativamente fácil de retirar de depósitos que se encontram abaixo do solo e fácil de transportar em grandes navios. Seu custo real se manteve abaixo de US$ 10 por barril durante mais de cem anos, desde a sua descoberta até 1973. Esse custo só aumentou - atingindo hoje cerca de US$ 100 por barril - por causa da atuação política dos grandes produtores concentrados no Oriente Médio, responsáveis por cerca da metade da produção mundial. Os consumidores são todos os demais países do mundo, obrigados a importá-lo. Os principais desses importadores são os Estados Unidos, o Japão, a Índia e os países da Europa.
Essa é a razão por que o problema de suprimento de petróleo é um problema de geopolítica - isto é, uma combinação de geografia e política. De modo geral, ele não é consumido nos países que o produzem.
Metade da produção mundial de petróleo é objeto de trocas comerciais. Quando se trata de alimentos, somente 10% deles são objeto de trocas comerciais. O restante é produzido nos próprios países que os consomem.
A riqueza de muitas nações foi construída com base na produção de petróleo. Parece, portanto, sensato tentar produzi-lo para o consumo interno e exportar o excedente. Esse é o raciocínio das grandes empresas petrolíferas, que acreditam que o consumo vai continuar a crescer 2% ao ano, como tem ocorrido nas últimas décadas. Se isso se confirmar, seu consumo aumentará 50% até 2030.
Tal linha de pensamento, todavia, está sendo vivamente contestada por inúmeros especialistas, uma vez que as reservas conhecidas desse combustível fóssil - chamadas de "petróleo convencional" - vêm sendo exploradas há 30, 40 ou 50 anos e praticamente todas elas - com exceção das dos países do Oriente Médio - já atingiram o máximo de produção, que está declinando, como está ocorrendo aqui, na Bacia de Campos.
Isso não seria um problema se novas descobertas estivessem sendo feitas, mas isso não tem ocorrido. As novas fontes de produção, como as do pré-sal - chamadas de "reservas não convencionais" -, necessitam de métodos especiais para exploração, que tornam o petróleo produzido mais caro. Além disso, mesmo essas reservas, por maiores que sejam, não mudam o quadro de exaustão geral das reservas de petróleo no mundo. As expectativas otimistas da Petrobrás são de que os campos do pré-sal produzam cerca de 5 milhões de barris por dia em 2030, o que não mudaria muito o quadro mundial, em que mais de 80 milhões são consumidos por dia.
Para ser viável a exploração das "reservas não convencionais" é essencial que o preço do petróleo continue elevado, acima de US$ 100 por barril, o que estimula mais exploração. Por outro lado, torna as alternativas ao petróleo mais atraentes.
Quais são essas alternativas e quais as suas perspectivas?
A resposta está sendo dada pelo que se vê hoje nos Estados Unidos, os maiores consumidores de petróleo do mundo, que há dez anos importavam 12 milhões de barris de petróleo por dia e hoje importam pouco mais de 9 milhões.
Há três razões para essa redução das importações.
Em primeiro lugar, a fabricação de automóveis - e caminhões - mais eficientes. Desde 1975 os Estados Unidos fixaram um desempenho mínimo por quilometragem dos automóveis: 10,6 quilômetros por litro, em média. Em 2009 o governo americano elevou esse valor para 16,6 quilômetros por litro e para 2025 a meta é de 23,1 quilômetros por litro. Como a frota de automóveis nos Estados Unidos não tem aumentado, o consumo total de derivados de petróleo está caindo.
Em segundo lugar, está aumentando muito naquele país a produção de gás de xisto, o qual vem sendo utilizado como combustível em automóveis e caminhões. Isso sem falar em carros elétricos e híbridos, que consomem menos combustível.
Em terceiro lugar, vem a produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil - ou de milho nos Estados Unidos. A produção dos dois países já substituiu 3% do petróleo usado para transporte no mundo e existe a possibilidade concreta de aumentar essa contribuição para 10%. Não só a produção brasileira de etanol poderia aumentar, como também a sua experiência poderia ser adotada em muitos outros países produtores de açúcar de cana, principalmente na África.
Do ponto de vista geopolítico, a redução de importações de petróleo pelos Estados Unidos, isto é, a autossuficiência que esse país procura desde 1975, vai tornar esse combustível mais abundante para outros países e, em consequência, seu preço cairá, o que tornaria inviável a produção de "petróleo não convencional", incluído o do pré-sal.
O fascinante no jogo da geopolítica do petróleo é que ela parece desenvolver-se em câmera lenta, com súbitos espasmos que destroem governos e até nações. A revolução iraniana, com a queda do xá da Pérsia e a ascensão dos aiatolás, teve origem na expropriação das empresas petrolíferas estrangeiras na década de 1970. A invasão do Iraque teve muito mais que ver com petróleo do que com terrorismo.
No momento, há uma lenta evolução das alternativas ao petróleo - gás de xisto, etanol, carros elétricos e aumentos da eficiência dos automóveis -, que coexistem com os esforços tradicionais das empresas do setor (inclusive a Petrobrás) para produzir mais óleo. O que a prudência recomenda, portanto, é que não se coloquem todas as fichas numa única fonte - petróleo -, como parece ser o caso do governo brasileiro.
*José Goldemberg é professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), foi secretário de Ciência e Tecnologia da Presidência da República. 

terça-feira, 18 de março de 2014

Restos mortais de Rubens Paiva foram jogados ao mar, conta coronel



Portal Terra
Às vésperas do Ministério Público Federal (MPF) denunciar os agentes do regime envolvidos na morte do ex-deputado Rubens Paiva, ocorrida entre os dias 20 e 22 de janeiro de 1971, um coronel reformado, de 76 anos, afasta as dúvidas que restavam acerca do destino do ex-deputado. "Ele saiu para o mar", garantiu o oficial em entrevista ao jornal O Globo. Segundo ele, recebeu a missão ao baixar à Seção de Operações do Centro de Informações do Exército (CIE), acostumado, como ele diz, a "consertar cagadas" de militares de outros órgãos da repressão. A ordem de dar um fim definitivo a um corpo enterrado dois anos antes nas areias do Recreio dos Bandeirantes veio do "gabinete do ministro", em 1973. "Pelo estado do corpo, não posso dizer de quem era, nem cabia a mim identificá-lo. Mas o nome que ouvi foi o de Rubens Paiva", recorda-se.
O coronel contou que montou uma equipe de 15 homens, disfarçados de turistas, e passou 15 dias abrindo buracos na praia — as escavações eram feitas dentro de uma barraca — até encontrar o corpo ensacado. "De lá, ele (o corpo) seguiu de caminhão até o Iate Clube do Rio, foi embarcado numa lancha e lançado no mar. Estudamos o movimento das correntes marinhas e sabíamos o momento certo em que ela ia para o oceano", disse.
Ele citou pelo nome de guerra pelo menos três sargentos que teriam participado: Cabral, seu braço-direito, cujo nome completo não forneceu, Canaan e Iracy. Documentos do projeto Brasil Nunca Mais Digital identificam o sargento Clodoaldo Paes Cabral, já falecido, como um dos agentes do CIE na época. Também aparecem os nomes dos sargentos Jairo de Canaan Cony (também já falecido) e Iracy Pedro Interaminense Corrêa, que negou o envolvimento no caso. "Fui do CIE, mas nunca tive uma função específica. Só cumpria ordens e nunca estive no Recreio com este objetivo", respondeu Iracy.
O procedimento instaurado em 2012 pelo MPF se encaminha para denunciar quatro militares: os oficiais reformados José Antônio Nogueira Belham - que comandava o Destacamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), onde Paiva morreu sob torturas — e Raimundo Ronaldo Campos, que admitiu ter montado uma farsa para forjar a fuga do ex-deputado, além dos irmãos e ex-sargentos Jacy e Jurandyr Ochsendorf, também envolvidos na fraude.
Há duas semanas, o professor Pedro Dallari, da Comissão Nacional da Verdade, disse em coletiva sobre o caso que a única pergunta sobre Rubens Paiva ainda não respondida era o destino dado ao corpo. Em 1987, denúncias anônimas levaram a polícia fluminense a escavar na Praia do Recreio dos Bandeirantes. Em 1999, as retroescavadeiras esburacaram uma área em frente ao Corpo de Bombeiros no Alto da Boa Vista, à beira da avenida Edson Passos, com o mesmo objetivo. "As pistas estavam corretas. O corpo realmente passou por estes lugares, onde já não estava na época das buscas", garantiu o coronel reformado, complementando que o corpo foi enterrado e desenterrado pelos próprios agentes do DOI no Alto da Boa Vista por temer que uma obra na Edson Passou acabasse por descobrir o local, muito próximo à pista.