sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Alívio - CELSO MING ( sobre o PIB 2013)


O Estado de S.Paulo - 28/02

Como poderia ter sido pior, o avanço do PIB do quarto trimestre de 2013 (sobre o anterior), de 0,7%, foi recebido com certo alívio. Não há a recessão que aparecia nos radares do Banco Central (veja o Confira) e tantos temiam. Assim, 2014 não precisa ser pulado, como tempo ruim, para se chegar mais depressa a 2015.

Este é um período de transição. Embora não goste de reconhecer o erro anterior de ter dado ênfase excessiva ao consumo, o governo passou a acionar o investimento, o que é bom. A guinada aponta para consequências positivas nos resultados da economia, tanto em 2013 como em 2014.

O mais importante deles é justamente o maior crescimento do investimento (Formação Bruta de Capital Fixo). Teve no quarto trimestre (sobre o anterior) um avanço reduzido (0,3%), que, em 12 meses, foi de 6,3%. Como pesa relativamente pouco no conjunto do PIB (apenas 18%), o investimento mais forte não produziu grande arranque. Ainda é o consumo das famílias (62,5% do PIB) que comanda o empuxo. Porque consome demais, o País deixa pouco para a formação de poupança que, em 2013, foi de apenas 13,9% do PIB.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, viu bom sinal na maior contribuição das exportações revelada no último trimestre de 2013 (aumento de 4,1% sobre o trimestre anterior). Ele sugeriu que esse bom número abre a janela para uma tendência também positiva. Mas este é um resultado que deve ser visto com reservas porque está influenciado por "exportações fictas" de plataformas de petróleo que não saíram do País, que não vão se repetir tão fortemente em 2014.

Se o desempenho do PIB no quarto trimestre de 2013 foi melhor do que o esperado, dá para concluir que o arrasto (carry over) para 2014 também é mais alto, de cerca de 0,7%.

Isso significa que o desempenho deste início do ano pode ser alguma coisa melhor do que o que figurava nas projeções. A principal consequência prática é que um avanço melhorzinho do PIB em 2014 também pode ajudar a aumentar a arrecadação de impostos e, portanto, a melhorar a qualidade das contas públicas.

Tanto foi impressionante, no ano, o crescimento do setor agropecuário (+7,0%) quanto foi decepcionante o da indústria (+1,3%). Daí o aumento da participação do setor agropecuário no bolo do PIB (de 5,3% para 5,7%) e a queda da fatia da indústria (de 26,0% para 24,9%). A participação do setor de serviços também cresceu, de 68,7% para 69,4%.

A melhora das Contas Nacionais não elimina a questão central de que o ritmo de avanço da economia ainda é fraco. Não precisava ser assim. Em vez de dar mais solidez aos fundamentos da economia (reformas, mais responsabilidade nas Contas Públicas, mais combate à inflação e muito mais investimentos), o governo insistiu com sua política de ênfase demais no consumo, na construção de puxadinhos e em redução localizada de impostos.

O Banco Central tem de mandar o seu Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de volta para o estaleiro ou, então, tirar sua importância, porque não serve para antecipar o comportamento do PIB.

É hora de desistir do controle de preços - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 28/02

Para a inflação futura cair, a inflação corrente vai subir


O Banco Central vai segurar a taxa de juros, o governo vai explodir o gasto público, a taxa de câmbio sofrerá uma forte desvalorização, a inflação baterá no teto da meta ou mais e a atividade vai definhar.

Na macroeconomia, eram esses os prognósticos que predominavam no fim do ano passado nas agendas dos economistas de mercado para 2014, amparados no comportamento costumeiro dos governantes em tempos de reeleição.

Confrontada com o cenário acima, a realidade hoje é melhor. Os juros subiram para 10,75% ao ano - voltando ao patamar que Lula deixou em dezembro de 2010 - e podem chegar a 11% na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em 1° e 2 de abril; o câmbio está razoavelmente comportado no regime de taxas flutuantes; o governo se comprometeu com superávit primário de 1,9% do PIB quando o mercado esperava 1,4% do PIB; a inflação acumulada em doze meses é de 5,59% até janeiro.

Ontem veio uma boa notícia: o crescimento no último trimestre de 2013 não foi tão ruim quanto se temia. O PIB cresceu 0,7% enquanto o mercado estimava 0,3%.

No ano, a expansão da economia foi de 2,3%, exatamente como previa o relatório de inflação do BC divulgado em dezembro. Isso significa que a herança estatística de 2013 para o PIB de 2014 já garante um crescimento de algo próximo a 0,7% este ano. Pode não ser suficiente para confirmar as expectativas do Ministério da Fazenda, de crescimento de 2,5% este ano, mas desautoriza projeções mais pessimistas de um PIB abaixo de 1% para 2014.

O esforço fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, está e ficará sob observação por algum tempo, até que a execução das contas públicas mês a mês venha a dirimir as dúvidas. Mas é inegável que o governo fez uma correção de postura. Não só está empenhado em produzir esse superávit em um ano eleitoral, mas dispôs-se a dialogar com os representantes do mercado financeiro antes e depois do anúncio do programa fiscal. Sabe, também, que estará sob intenso escrutínio dos agentes econômicos.

A tarefa de Mantega apenas começou. Há muito o que definir, a começar da solução para o financiamento da despesa de energia pelo uso das térmicas. No campo fiscal, porém, obteve-se uma trégua. Economistas que estiveram com Mantega em reunião na segunda feira em São Paulo até admitiram que o governo de Dilma está mais amigável com o mercado.

A expansão da oferta de crédito público desacelera, conforme a presidente anunciou que faria em setembro de 2013, durante seminário sobre investimentos em infraestrutura no Brasil, em Nova York, logo após o seu discurso na Assembleia da ONU.

Mantega ainda não divulgou qual será o aporte do Tesouro Nacional ao BNDES este ano para irrigar o crédito, mas a Caixa já avisou que nas suas agências ele será mais regrado. Em 2013 o crescimento da carteira de crédito da Caixa foi de 36% e em 2014 vai cair para a casa dos 20%.

Passada a divulgação do programa fiscal, é hora de atacar outros problemas de curto prazo que também minaram a confiança do setor privado nas ações do governo.

Dois casos são gritantes e reforçam a percepção de que Dilma Rousseff não acredita no sistema de preços e considera que o Palácio do Planalto está melhor equipado do que o mercado para estabelecer quando e de quanto devem ser os reajustes da Petrobras e do setor elétrico.

O valor de mercado da Petrobras, que chegou a R$ 472 bilhões em maio de 2008, caiu para R$ 373 bilhões logo após a capitalização, em setembro de 2010, e ontem fechou em R$ 177,9 bilhões. Foram as decisões de governo seguidas do controle des preços dos combustíveis que fizeram derreter o valor da maior companhia do país.

Decisões de governo também levaram a uma pesada distorção no mercado de energia. As três empresas estaduais de energia - Cemig, Cesp e Copel - que rejeitaram os termos do acordo oferecido por Dilma para renovar por 30 anos os contratos de concessões de suas hidrelétricas estão, hoje, nadando em dinheiro com a disparada de preços no mercado livre. Essas companhias, ironicamente controladas por governos de oposição, venderam energia em fevereiro a R$ 822,83 o MWh. Já a Eletrobras, que contra a vontade dos acionistas minoritários teve que aderir ao acordo, vende boa parcela da energia que produz por menos de R$ 30,00 o MWh.

Cálculos do J.P.Morgan apontam que as três empresas, em um cenário de manutenção dos preços de fevereiro, poderão ganhar R$ 7 bilhões de receitas adicionais este ano. Valor superior ao que embolsariam nos 30 anos de concessão, calculam especialistas.

Foi para controlar a inflação que o governo interferiu nos preços da energia. Mesmo assim, a inflação no país continua alta.

Paradoxalmente, ao optar pela política de controle de preços e tarifas públicas acumularam-se defasagens que impedem uma melhora nas expectativas de inflação futura. Para este ano, as expectativas são de 6%. Mantega, aliás, deixou claro na reunião com os economistas que ele não gosta de acumular defasagens , sugerindo que a decisão foi tomada fora do Ministério da Fazenda.

Se descongelar os preços que mantém a inflação corrente mais baixa, o governo poderá colher uma taxa de inflação melhor no futuro próximo. Ou seja, para o IPCA cair, ele primeiro terá que subir.

O governo de 2013 para 2014 não é o mesmo de 2011 para 2012. A duras penas, ele está aprendendo com a falta de resultados da política econômica que empreendeu.

Experientes assessores da presidente constatam que quando confrontada com a inteireza dos problemas, Dilma Rousseff, se move na direção certa. A proeminência do temperamento da presidente nem sempre estimula a crueza dos relatos e argumentos de seus colaboradores.

Na macroeconomia, hoje ela estaria delegando mais aos profissionais do ramo, atestam esses assessores, depois de tentar reduzir os juros e desvalorizar o câmbio de forma mais autônoma. Na questão energética, sua especialidade, Dilma ainda não estaria convencida das soluções.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

CONTO DE NOTÍCIA, PAULO ROSENBAUM As bibliotecas do Tietê


É extremamente importante que as novas gerações saibam mais detalhes do que foi o passado recente do Brasil, antes da redemocratização.  Porque fica patente, a maioria desconhece o que era o Brasil da Inflação de 80% ao mês. Assim como ignoram o que significou os anos de mordaça e censura explícita que vivenciamos durante a repressão nos anos de chumbo.
Aparentemente irrelevantes, são as pequenas particularidades que podem resultar numa percepção crítica e menos simplificada da realidade. Se é inegável que hoje vivemos um período de turbulência , condução equivocada da economia, falta de foco das prioridades do governo federal e um pendor para o centralismo partidário, isso não deve, e não pode, automaticamente, transformar o passado numa época dourada.
As histórias dos presos políticos famosos mais agressivos foi muito bem contada e divulgada e hoje conta com a substantiva ajuda de subsídios federais. Mas e os menos famosos? Aqueles que lutaram anonimamente contra a ditadura — provavelmente os que realmente fizeram a diferença, gente com a mesma fibra daqueles que hoje querem expressar discordância com os rumos do País — experimentaram angústias e perseguições não menos inquietantes.
Cito um caso de experiência pessoal familiar para  ilustrar como um estado policial embrutece eentorpece seus cidadãos. Entre os anos de 1968 e 1972 a repressão estava particularmente interessada nos núcleos intelectuais que se opunham ao regime de exceção. Queriam os líderes, mas também todos que tinham potencial paraoferecer alguma resistência ao regime militar. E um dos parâmetros indiciários do sistema era saber, através de informantes e agentes infiltrados, quem possuía “bibliotecas suspeitas” .
No Index Librorum Proibitorum, versão anticomunista, estavam todos os livros de Karl Marx, e tudo que mencionasse as palavras “materialismo”, “dialética” e “direitos humanos”.  Além de outras raridades do glossário subversivo.
Pois foi numa madrugada que um advogado parente bem relacionado acordou meu pai com a lacônica mensagem “jogue agora sua biblioteca no Tietê”. Meu pai sonolento repetiu a frase, a ver se havia captado a mensagem. E recebeu sua resposta, desta vez duplamente lacônica: “isso mesmo, biblioteca no Tietê, já”. E emendou “todo mundo está fazendo isso”. Sem nenhum requinte os livros foram arrastados até a Kombi da família e transportados até a beira da Marginal, onde todos foram despejados nas águas do rio paulista. Sem um critério preciso e seleção afoita, foram para o leito fluvial de Graciliano Ramos a Aristóteles.
Papel é altamente degradável, mas imaginem quão interessante seria, se, durante alguma obra de dragagem, alguma página mais resistente, com uma gramatura mais densa, tivesse sobrevivido para nos contar qual fim levaram todos os acervos afogados.  Espera-se que nenhuma nova versão de expurgo literário – filosófico- artístico – cultural esteja na pauta dos senhores que tem comichão nas mãos para exercer controle sobre a sociedade. 
Por isso até hoje temos mais é que tremer sempre que ouvirmos a expressão “questão de segurança nacional”. Mesmo com temas diversos e orientações ideológicas distintas, governos autoritários tem a mesmíssima paixão:  fazer submergir as críticas, junto com as liberdades.