Fausto Macedo, de O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - A Justiça determinou a “imediata suspensão” do pagamento de auxílio moradia a todos os 94 deputados estaduais de São Paulo. A ordem é do juiz da 13.ª Vara da Fazenda Pública, Luís Manuel Fonseca Pires, que concedeu tutela antecipada em ação civil do Ministério Público do Estado. O bloqueio liminar do benefício terá de ser acatado pela Mesa Diretora da Assembleia “sob pena de os responsáveis, em caso de descumprimento da medida, responderem por ato de improbidade administrativa em ação própria pelo manifesto dolo de ofensa aos princípios jurídicos da administração pública”.
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Ernesto Rodrigues/AE
Para juiz, regalia ‘é inconstitucional, porque não há qualquer suporte fático à indenização’
O Ministério Público estima que o corte no privilégio dos deputados vai gerar economia anual de R$ 2,5 milhões para os cofres públicos. Os parlamentares recebem R$ 2.250 todo mês, cada um - verba embutida no subsídio, sem amparo legal e sem apresentação de qualquer comprovante de despesa. A concessão é indistinta e indiscriminada, recebem até aqueles que moram a poucas quadras da sede do Legislativo, no Ibirapuera.
A regalia é concedida aos deputados com base na Lei 14.926/13. “Há ofensa ao princípio da legalidade na medida em que o artigo 1.º da Lei 14.926 não se mostra suficiente, logo, é inconstitucional, a justificar o pagamento indiscriminado desta verba porque não há qualquer suporte fático à indenização”, adverte o juiz.
Fonseca Pires argumenta que “não há suporte fático porque inexiste diferença entre o parlamentar que reside em imóvel próprio ou alugado, próximo ou distante da Assembleia Legislativa, como ainda não há o condicionamento do pagamento à comprovação de gastos com a moradia.” Ele aponta “ausência de critérios claros ao reembolso” e “omissão sobre a comprovação das despesas”.
A Lei 14.926, de 4 de janeiro de 2013, e as que a precederam, invoca o Ato 104/88 da Câmara dos Deputados, que prevê o auxílio aos deputados federais. Essa verba tem caráter indenizatório. O beneficiário tem que exibir comprovante do gasto para, então, pleitear o reembolso.
A ação aponta quatro ilegalidades: inexiste lei que regulamente o auxílio; a benesse foi incorporada ao subsídio com base em lei “manifestamente inconstitucional”; o pagamento é feito indistintamente, permanentemente e “sem qualquer critério legal ou razoável”; é concedido sem qualquer comprovação de despesas de aluguel ou estadia.
“Cuida-se de prejuízo de monta, que não pode ser ignorado, sobretudo considerando a realidade do povo paulista, que exige melhorias em diversos setores, como educação, saúde e moradia da população carente”, afirmam os promotores de Justiça Saad Mazloum e Silvio Marques.
Eles calculam prejuízo ao Tesouro de R$ 230 mil por mês. Cravam que a vantagem “é uma imoralidade” e burla o princípio do subsídio em parcela única.
Privilégio. A regra do subsídio, prevista no artigo 39, parágrafo 4.º, da Constituição Federal, veda expressamente a remuneração por rubricas distintas a serem somadas em composição de um valor final. “Inadmissível que uma verba indenizatória seja incluída permanentemente na remuneração dos parlamentares. O auxílio moradia aos deputados estaduais é absolutamente ilegal, verdadeiro privilégio”, sustentam os promotores.
A ação civil, lastreada em longa investigação da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e do Social, mostra que todo inicio de ano a Mesa da Assembleia - formada por três deputados, o presidente da Casa, o primeiro secretário e o segundo - edita lei estadual que fixa remuneração dos parlamentares para o exercício financeiro.
Os promotores denunciam que a Mesa do Legislativo usa o Ato 104 para assegurar o benefício, mas “ignora deliberadamente” os artigos 1.º e 2.º daquela norma da Câmara dos Deputados. Tais artigos impõem que poderão ser contemplados com o moradia aqueles que não têm unidade residencial funcional e que o reembolso só deve ser garantido mediante despesa comprovada.
“A mera menção à aplicação do Ato 104/88, sem a consequente regulamentação, tem dado margem ao arbitrário e indiscriminado pagamento da benesse sem o estabelecimento de limites legais”, sustentam os promotores. O Ato 104, de incidência exclusiva à Câmara dos Deputados, não pode ser vinculado aos parlamentares paulistas.
“É absolutamente inconstitucional o artigo 1.º da Lei 14.926/13, na parte que manda aplicar aos deputados estaduais o Ato 104. Não se admite a alegação de que a Constituição Federal estabeleceu uma simetria entre os parlamentares federais e os estaduais, mas apenas proporcionalidade entre os subsídios de ambos. O que não inclui verbas de natureza indenizatória.”
Amparo legal. A Assembleia Legislativa informou que o subsídio de seus deputados para 2013 foi fixado pela Lei 14.926, que dispõe que a remuneração tem valor correspondente a 75% do que recebem os federais: “Nos termos do parágrafo 2.º do artigo 27 da Constituição Federal, incluindo-se os valores resultantes da aplicação do Ato 104/88 da Câmara, recebidos a título remuneratório reconhecido por decisão judicial.”
A Casa ainda não foi notificada da decisão judicial que manda barrar o auxílio moradia. Quando isso ocorrer vai estudar eventual recurso.
Além do subsídio mensal de R$ 20.042,34, os deputados paulistas recebem verba indenizatória de R$ 21.812,50 - para custeio de despesas como passagens aéreas, contas de telefone, impressos e correspondências -, verba de gabinete que soma cerca de R$ 60 mil, para manter até 15 assessores de cada deputado, e mais o moradia. À Justiça eleitoral, 36% dos deputados declararam possuir imóveis residenciais na capital; 16% na Grande São Paulo; 10% a menos de 100 quilômetros da Capital; 25% a mais de 100 quilômetros; 13% afirmaram não possuir imóveis.