segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Princípio de 'uma só China' é linha vermelha de Pequim, FSP

 

Eduardo Daniel Oviedo

Pesquisador principal do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) e professor titular ordinário da Universidade Nacional de Rosario (UNR), na Argentina

Desde 1949, ano da fundação da República Popular da China, os estados têm tido quatro opções de política externa em relação à China: reconhecer a República Popular; reconhecer Taiwan (República da China, em seu nome oficial); não reconhecer nenhum; ou reconhecer ambos. O "princípio de uma só China" vetou esta última opção, restando apenas as três primeiras. Este princípio argumenta a existência de um único Estado chinês, mas há controvérsia sobre qual é o governo legítimo que o representa.

Pequim defende este princípio desde 1949, mantendo uma orientação política constante e invariável em relação a Taiwan. Por sua vez, as autoridades de Taiwan defenderam este princípio de 1949 a 1972, ano em que Taipé modificou de fato sua orientação externa. Desde então, têm buscado sem sucesso o que os chineses continentais chamam de "reconhecimento duplo", ou seja, que um terceiro país reconheça Taiwan ao mesmo tempo que reconhece a República Popular. Algo que Pequim rejeita absolutamente.

Bandeiras da China e de Taiwan atrás de vidro quebrado - Dado Ruvic - 11.abr.2023/Reuters

A situação atual dos reconhecimentos é amplamente favorável ao gigante asiático. Dos 194 estados membros das Nações Unidas, 181 reconhecem a China. Na América Latina e no Caribe, 26 reconhecem Pequim e 7 reconhecem Taiwan, de um total de 13 estados que ainda mantêm relações diplomáticas com a ilha em nível mundial. Independentemente do número, o "princípio de uma só China" tem sido respeitado pela comunidade internacional, independentemente de a quem seja atribuído o reconhecimento.

Na América do Sul, o Paraguai reconhece Taiwan desde 1957. Não se pode negar que as autoridades paraguaias respeitam e mantêm constante e invariável o "princípio de uma só China" desde aquele ano, embora essa orientação de política externa seja contrária aos interesses de Pequim. Essa mesma linha de conduta política tem sido adotada por Guatemala, Haiti, São Vicente e Granadinas e São Cristóvão e Nevis; enquanto Belize e Santa Lúcia mantiveram o reconhecimento a Taiwan de forma inconstante.

Nicarágua é o caso extremo de variabilidade. O sandinismo rompeu relações com Taiwan e reconheceu a China em 1985. Mas, após o massacre da Praça da Paz Celestial, a presidente Violeta Chamorro decidiu restabelecer as relações diplomáticas com Taiwan em 1990; enquanto o ditador Daniel Ortega interrompeu novamente as relações em 2021 para reconhecer a República Popular. Na América do Sul, não se observa tanta inconstância: Chile, Peru, Argentina, México, Brasil e os demais estados mantêm o reconhecimento à China desde que interromperam seus vínculos com Taiwan.

Em todos os casos, o respeito ao "princípio de uma só China" é uma decisão dos países, baseada na soberania e independência de suas políticas externas e nos interesses que cada um busca salvaguardar, especialmente quando a China alcançou o status de superpotência econômica. Precisamente aqui, o princípio passa a ser definido como política de uma só China, ao se referir à ação implementada pela China e pelos membros da comunidade internacional em defesa e reconhecimento desse princípio.

A pressão exercida pelo princípio sobre os estados fica evidente ao comparar a "questão chinesa" com a "questão coreana", onde ambas reconhecem o "princípio de duas Coreias". De fato, a República da Coreia e a República Popular Democrática da Coreia foram politicamente reconhecidas e estabeleceram relações diplomáticas com membros da comunidade internacional, sendo estados-membros das Nações Unidas. Nesta questão, ainda persiste o conflito e, ao mesmo tempo, ambas admitem o reconhecimento internacional duplo, permitindo que terceiros estados manobrem com maior liberdade.

Por isso, o uso do princípio pela República Popular da China limita a atuação internacional de Taiwan ao restringir as margens de ação soberana dos demais Estados, embora estes mantenham a decisão final do reconhecimento, conforme expressamente sugerido pelas normas do direito internacional. Recentemente, Pequim intensificou sua política de uma só China ao aplicar sanções econômicas e diplomáticas como formas de disciplinar os países que ampliam suas relações com Taiwan para o plano político, como Lituânia e República Tcheca. O poder de fogo de Pequim é tão importante que a Ucrânia manteve relações diplomáticas com a China, apesar de sua neutralidade benevolente em relação à Rússia na Guerra da Ucrânia.

As inconstâncias da Nicarágua e de outros países evidenciam a dependência das decisões de política externa em relação às mudanças internas dos estados. Nas democracias, a relação entre alternância política e "questão chinesa" é evidente e tem duas faces: a primeira refere-se aos terceiros Estados; a segunda, à alternância em Taiwan.

Recentemente, a alternância política na Argentina obrigou uma rápida reação da chancelaria chinesa. Xi Jinping enviou uma carta ao presidente eleito Javier Milei diante da ameaça disruptiva apresentada pelo candidato argentino durante a campanha eleitoral. Essa situação também ocorreu durante a alternância de 2015, quando Mauricio Macri questionou alguns aspectos da relação com a China. Ao mesmo tempo, a transição política de Barack Obama para Donald Trump e o início da "guerra tarifária" entre Washington e Pequim. A saída da Itália da Iniciativa do Cinturão e Rota é outro exemplo de mudança provocada pela alternância política.

A outra face é a alternância em Taiwan. Isso tem sido um fator determinante para obstruir ou avançar no diálogo com Pequim. Por exemplo, as alternâncias dos anos 2000 e 2016 foram um fator de tensão após a chegada do Partido Progressista Democrático (PPD) ao poder; enquanto a alternância do PPD para o Kuomintang em 2008 significou a distensão entre as partes e a assinatura de acordos importantes. Portanto, as eleições em Taiwan levantam questões sobre a continuidade da tensão, caso ocorra uma sucessão política, ou se espera o descongelamento em caso de alternância. Em ambos os casos, terá impacto nas relações sino-americanas e no restante dos países do mundo, especialmente na América Latina. Mas, aconteça o que acontecer nas eleições, a comunidade internacional continuará respeitando o "princípio de uma só China".

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