Quatro anos após entregar o primeiro avião militar de carga C-390 Millenium para a Força Aérea Brasileira (FAB), a Embraer finalmente vê avanços concretos na comercialização para outros países da maior aeronave que já desenvolveu. Até 2022, a empresa fechara contrato apenas com Portugal (em 2019), Hungria (2020) e Holanda (2022). Em compensação, só no ano passado, acertou com Áustria, República Tcheca e Coreia do Sul. Há ainda conversas com a Arábia Saudita e a Índia.
Anunciado em 2009, o programa do C-390 custou US$ 4,5 bilhões (aproximadamente R$ 22 bilhões) e foi desenvolvido em parceria com a FAB. Apesar de impressionar pela qualidade técnica, o avião - que é chamado de KC-390 quando tem a opção de abastecimento em pleno voo - vinha decepcionando o mercado financeiro em vendas.
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Agora, porém, há uma expectativa positiva com a possibilidade de que as encomendas, que já se tornaram mais frequentes, ganhem volume. Na Índia, por exemplo, a Embraer está competindo para vender de 40 a 80 aviões. No momento, a empresa brasileira negocia um parceiro local para ser seu representante no país - uma exigência colocada pelo governo indiano.
Há negociações também com a Arábia Saudita, onde uma frota de 60 aeronaves precisa ser aposentada (23 delas com perfil para serem substituídas pelo C-390). Para vender ao país, a Embraer poderá ter de estabelecer lá uma linha de montagem final do avião ou transferir atividades de manutenção, treinamento e fabricação de peças.
Essas exigências são comuns em vendas de equipamentos para forças armadas. Outra dificuldade é a restrição de mercado. Se a Embraer pretendesse vender, por exemplo, um cargueiro para Israel, sua aeronave não poderia ter nenhuma peça fabricada em um país considerado inimigo de Jerusalém. Hoje, o mercado da companhia brasileira é formado por países alinhados aos Estados Unidos.
De acordo com Alberto Valerio, analista do UBS BB, a empresa tem avançado nas negociações políticas e em adaptar os aviões de acordo com as demandas dos governos. Esse processo é demorado, acrescenta ele, mas agora tem surtido efeito.
A companhia também reforçou seu time de vendas de defesa no exterior. O presidente da Embraer Defesa & Segurança, João Bosco Costa Jr, que assumiu o cargo há pouco mais de um ano, estabeleceu um diretor de vendas na Europa e ampliou o time que responde a esse profissional, com funcionários na Coreia do Sul, na Arábia Saudita e na Holanda. Antes disso, o comercial da defesa era concentrado no Brasil.
A reestruturação da equipe de vendas substitui o modelo que era previsto para a Embraer Defesa antes da pandemia. Até o início de 2020, quando estava de pé o acordo de venda da divisão de aviação comercial da Embraer para a Boeing, a ideia era que uma joint venture (JV) formada pelas duas empresas, mas com controle da brasileira, fosse responsável por comercializar o C-390.
Essa JV instalaria uma linha de montagem nos EUA, o que permitira vendas diretas ao governo americano. Para a Embraer vender uma aeronave militar aos EUA hoje, ela precisa de uma empresa americana fazendo a negociação.
Com o novo time comercial, Bosco Costa Jr. espera aumentar o ritmo de vendas. “Temos perspectivas bastante positivas para o C-390. Temos grande expectativas de que novos operadores escolham o modelo em 2024 e 2025. Estamos imaginando um 2024 melhor do que foi 2023″ (leia mais aqui).
A comercialização de um maior volume de cargueiros é importante para diluir os custos fixos de produção e aumentar a margem da área de defesa da Embraer, o que pode elevar o valor da companhia na Bolsa, segundo analistas do mercado.
Hoje, o segmento de defesa é o menor da companhia, tendo sido responsável por apenas 9,6% das receitas líquidas nos nove primeiros meses de 2023. No mesmo período de 2014, quando atingiu seu melhor momento dos últimos 20 anos, esse número chegou a 26%.
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Expectativa inicial de vendas
Até 2022, analistas de ações comemoravam o fato de que, com o C-390 pronto, a divisão de defesa da Embraer havia, ao menos, deixado de gerar gastos para a empresa. Com revisões de custos e um acidente com um dos protótipos, o projeto já havia preocupado investidores anteriormente, e a expectativa era que a divisão tivesse uma participação cada vez menor na companhia.
“A gente ainda vê pouco valor na área de defesa, mas, se você me perguntasse no ano passado as expectativas para o segmento, eu diria que era difícil a empresa concretizar algo. Hoje, já acho que, apesar de difícil, pode acontecer”, diz Alberto Valerio.
Segundo ele, havia uma expectativa muito grande em torno do C-390 desde que o avião começou a ser desenvolvido, e esperava-se que ordens de pedidos de dezenas de unidades fossem feitas. O que se via, no entanto, eram encomendas tímidas. Portugal comprou cinco cargueiros e a Hungria, dois. Holanda, Áustria e República Tcheca selecionaram o modelo para adquirir, respectivamente, cinco, quatro e dois aviões. “O que vimos foram migalhas”, diz Valerio.
No Brasil, também houve uma grande decepção. Em 2021, a Aeronáutica decidiu unilateralmente, sob a justificativa de restrições orçamentárias, reduzir sua encomenda de 28 para 15 cargueiros. Após meses de negociações, ficou acertado que seriam 19 unidades - apesar de o contrato prever que o valor da encomenda poderia ser reduzido em no máximo 25%, o que significava a venda de 21 unidades.
Os cálculos da empresa, no entanto, ainda indicam que, nos próximos 20 anos, 490 cargueiros terão de ser substituídos em todo o mundo, um mercado de US$ 60 bilhões (quase R$ 300 bilhões) no qual o C-390 tem condições de se destacar.
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