quarta-feira, 31 de maio de 2023

‘Nunca falamos em carro popular’, diz secretário do MDIC; programa pode durar de 4 meses a um ano, OESP

 BRASÍLIA - O secretário de Desenvolvimento Industrial, Uallace Moreira, afirma que é um “tiro de curto prazo” o programa de incentivo à compra de carros, anunciado na semana passada, a ser detalhado em até 15 dias. Na equipe do vice-presidente Geraldo Alckmin no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Serviços, Uallace defende o programa das críticas que o governo vem recebendo e busca diferenciar a ajuda ao setor automobilístico da nova política industrial que será anunciada no segundo semestre, batizada de neoindustrialização. O programa foi um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“É preciso diferenciar muito o que é uma política de caráter anticíclico, de curto prazo, de uma política estrutural”, afirma. “O setor automotivo representa quase 20% da indústria. É extremamente importante. Não estamos falando de qualquer setor”, justifica. Segundo ele, a duração do programa dependerá do equilíbrio fiscal. “Em até um ano. E no mínimo quatro meses, como o próprio ministro da Fazenda mencionou.” Fernando Haddad, porém, afirmou que o programa duraria “de três a quatro meses”, e não no mínimo quatro meses, podendo alcançar um ano.

Logo no início da entrevista ao Estadão, o secretário busca dissociar o programa de incentivo à redução de preços da marca de carro popular: “A gente nunca falou em carro popular. Isso é importante e para deixar claro”. Ele antecipa que o governo para 2024 prepara o benefício tributário da depreciação acelerada para estimular os investimentos em máquinas e equipamentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Uallace Moreira, secretário da Indústria do MDIC
Uallace Moreira, secretário da Indústria do MDIC Foto: Renato Villas

O que a política do carro popular tem a ver com a ‘neoindustrialização’ citada pelo presidente Lula e pelo vice, Geraldo Alckmin?

Primeiro ponto: a gente nunca falou em carro popular. Isso é importante e para deixar claro. Eu nunca discuti isso no MDIC. A gente tem um programa aqui que é o Rota 2030, que nós discutimos as rotas tecnológicas que promovam um processo de descarbonização. Ele entra na sua segunda fase a partir de agosto e, do ponto de vista do setor automotivo, era isso que nós discutimos. Só que, ao mesmo tempo, a gente está atento à conjuntura, ao que está acontecendo com o setor, que tem uma capacidade produtiva de 4,5 milhões de automóveis e que está no nível de utilização da capacidade instalada nos mais baixos que já se viu, em torno de 49%.

E por que isso preocupa?

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A gente precisa pensar no setor automotivo não isoladamente, mas em todo o sistema. No setor de peças, componentes eletroeletrônicos, vidro, plástico, e também nas concessionárias, nos postos de combustíveis, peças de reposições. Quando eu englobo isso, o setor automotivo diretamente emprega 101,6 mil pessoas e indiretamente, considerando toda a cadeia, 1,2 milhão de pessoas. Se essa conjuntura permanecer desfavorável, em um maior nível de paralisação das empresas, isso tenderia a demitir mais pessoas, aumentar a taxa de desemprego, impactando inclusive as receitas, porque aí você tem contração do PIB que vai impactar perda de arrecadação. O presidente Lula manifestou publicamente preocupação e pediu para o vice-presidente apresentar uma proposta conjuntural que estimulasse o setor. Se você paralisa tudo, quanto desemprego isso vai gerar?

Uma das críticas ao programa é que ele incentiva o consumo de carros e de combustível fóssil...

O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo. E nós já temos uma tecnologia que emite o mesmo nível de CO2 que um carro elétrico, que é o etanol. Então, quando a gente se preocupou com a proposta conjuntural, duas questões foram colocadas no diálogo com o Ministério da Fazenda. Primeiro, a sustentabilidade como elemento estratégico e, segundo, o equilíbrio fiscal. Em todo momento da discussão, essas duas dimensões foram extremamente relevantes. A partir dessa preocupação, construímos uma proposta de escalonamento tributário. Uma proposta em que elencamos três dimensões para estabelecer o benefício tributário de PIS e Cofins, que é o fator social (preço do automóvel), o fator de eficiência energética (sustentabilidade) e o fator da densidade produtiva (geração de emprego e renda), que é a nossa preocupação final.

E por que incluíram carros de R$ 120 mil?

Se considerássemos apenas os carros 1.0, eles ocupariam apenas 10% do mercado. Então, com carros de até R$ 120 mil, ocupamos quase 40% do mercado e, portanto, uma política de caráter conjuntural teria um impacto maior para manter emprego e renda. Só que, ao mesmo tempo, não poderíamos dar o mesmo incentivo tributário para um carro de R$ 120 mil e outro de R$ 68 mil, já que a gente estava incorporando as três dimensões. Por isso, escalona, e os carros que alcancem maior nível nos três fatores -- social, coeficiente energético e densidade produtiva -- terão o maior nível de incentivo tributário. E os com menores patamares alcançam o menor nível de incentivo tributário. Isso dá um número de 33 modelos de carros de 11 empresas, que representam quase 40% do mercado.

Que tipo de modelo vai pegar o desconto máximo, de 10,96%?

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Os modelos mais compactos (como o Kwid, o MOB).

E o mínimo, de 1,53%, pega SUVs?

Não tem SUV de R$ 120 mil. O que pode acontecer é que as próprias empresas, o presidente da Anfavea tem dito, podem se adaptar a essa lógica do mercado para tentar se encaixar dentro do programa.

Quando concluem o programa?

Em até 15 dias; todo mundo quer resolver logo. O programa foi construído em diálogo com a Fazenda. Nunca houve uma construção do programa do MDIC. Sempre existiu diálogo com o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad, o MDIC não constrói nada sozinho. E é sempre uma questão de governo.

E qual será a medida?

(Desconto de) PIS e Cofins.

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Não vai ter IOF e IPI?

O IPI não precisa de compensação, mas vai ter redução. IOF não está certo ainda. Ainda estamos discutindo.

Por quê?

O que estamos trabalhando, para os financiamentos, é a aprovação da Lei de Garantias de crédito, que está no Senado. São princípios que reduzem muito o spread bancário (taxa de juros). Está no Senado, já foi aprovado na Câmara. Então, tende a ajudar muito o crédito.

Mas daria para aprovar em 15 dias?

Sim, bem possível. Se o Senado conseguir fazer isso em 15 dias, vai ajudar muito.

As apostas esportivas são uma das medidas estudadas para compensação. O que está na mesa?

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Estamos estudando com a Fazenda. A gente tem os cálculos do impacto fiscal. (O tamanho) Depende muito do prazo estabelecido. A duração do programa vai se dar de acordo com o equilíbrio fiscal, de não ameaçar a busca pela responsabilidade fiscal. Por isso que o diálogo entre os dois ministérios é fundamental.

Mas qual o intervalo de tempo que pode durar a medida?

Em até um ano. E no mínimo quatro meses, como o próprio ministro da Fazenda mencionou.

A compensação da redução do tributo será feita com qual medida?

A compensação está sendo avaliada para garantir o equilíbrio fiscal. São várias possibilidades. O diálogo com o Ministério da Fazenda é sobre a duração e como encontramos o melhor equilíbrio fiscal.

Os críticos apontam que esse tipo de política com incentivo para a indústria automobilística representa um atraso.

Estamos falando de um 1,2 milhão de empregos diretos e indiretos. É com isso que estamos preocupados, com toda a cadeia produtiva. Ao mesmo tempo, a proposta que estamos construindo tem um caráter da sustentabilidade muito presente. É preciso diferenciar muito o que é uma política de caráter anticíclico, de curto prazo, de uma política estrutural. O setor automotivo representa quase 20% da indústria. É extremamente importante. Não estamos falando de qualquer setor. Ele tem relevância, gera emprego e está na ponta da alta média intensidade tecnológica. Está passando por um processo de transformação e que tende muito a contribuir para a descarbonização. É um setor que está com nível de capacidade instalada muito baixa. Pode se agravar (o quadro), gerando mais desemprego.

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No passado, o governo já concedeu incentivos e, em seguida, a indústria demitiu trabalhadores. Não pode acontecer a mesma coisa? Existe algum tipo de compromisso?

Veja, estamos falando de um programa de curto prazo, de caráter anticíclico. É tiro de curto prazo com a perspectiva de que outros fatores podem melhorar o cenário econômico. Como, por exemplo, o BNDES anunciou quase R$ 20 bilhões de financiamento para inovação à TR (Taxa Referencial) e R$ 2 bilhões para exportação para o setor exportador. Estamos, inclusive, discutindo com a Fazenda a possibilidade de implementação da política de depreciação acelerada para estimular o investimento para 2024.

Quanto é possível garantir de emprego?

Difícil afirmar.

Os empresários terão de assinar alguma cláusula de não poder demitir durante a vigência do programa?

A gente não colocou nenhum tipo de imposição dessa natureza. O que saiu na imprensa é que teria carro popular, com redução de conteúdo tecnológico… e isso a gente não aceita.

E de itens de segurança, como airbags?

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Para mim nunca chegou essa proposta.

Quando vocês falam em sustentabilidade, é para produzir carros menos poluentes?

Não, eles vão produzir os mesmos carros. Na minha avaliação, o mérito do programa é que ele é um escalonamento tributário, com a estrutura produtiva que está dada, de acordo com a eficiência energética.

É um programa emergencial?

É para tentar minimizar um cenário desfavorável, uma conjuntura desfavorável. Eu acho que uma das grandes questões do debate é o que é conjuntura e o que é estrutura. Por exemplo, hoje mesmo saiu reportagem que tende a diminuir inclusive a inflação.

E vocês estão com pressa porque o anúncio paralisou o mercado?

Criou-se uma expectativa muito grande com todo o debate que foi gerado. Então, o nosso objetivo era dar previsibilidade do que a gente está discutindo, do que a gente quer fazer, para que as pessoas tenham clareza. As próprias montadoras e as próprias concessionárias estavam afirmando que essa expectativa estava parando o mercado, e a gente precisava dialogar com os atores que estão presentes nesse mercado.

Quando acha que a política industrial pode ser lançada?

A nossa ideia é, até o fim deste ano, ter um plano formado. O prazo estabelecido pelo CNDI é até dezembro; o nosso objetivo é encurtar ao máximo possível, para apresentar para a sociedade um plano de política Industrial. E o Rota 2030 vai estar dentro. Todas as leis de incentivos que nós temos no Brasil, a Lei de Informática, a Lei do Bem, o Padis, todas vão estar vinculadas na discussão sobre um plano de política industrial.

Hoje, a média é de dez anos para a depreciação acelerada. Cairia para um ano para o abatimento do imposto?

Seria de um a dois anos. Até 2025, talvez. É para todas as empresas que investem bens de capital (máquinas e equipamentos). O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial que está construindo uma política industrial dentro de novos parâmetros, que são as missões. Nos próximos dias, sairá o convite para a representação da sociedade civil (no conselho). As pessoas que serão convidadas são especializadas e podem contribuir para o debate. O vice-presidente está avaliando a representatividade.

Como alinhar com a reforma tributária, que é exatamente redução de incentivos?

A reforma tende a elevar a competitividade e a produtividade, e isso estimula o investimento. Como o próprio vice-presidente e a própria indústria reconhecem isso, nosso tecido tributário é muito grande. Então, se você faz uma reforma tributária que privilegia a indústria no sentido de estimular mais investimento, é uma das grandes políticas que nós temos, e de caráter horizontal.

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