As políticas de drogas têm implicações diretas para a saúde pública e para a redução da violência. Cada vez mais, lideranças políticas de diversos países avançam em estratégias mais humanas e baseadas em evidências científicas.
No Brasil, o STF irá retomar um julgamento importante nesta quinta-feira, 1° de junho. Trata-se de uma ação que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo, a partir da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas —que, apesar de não prever prisão por adquirir, guardar ou transportar drogas para o consumo pessoal, ainda mantém a questão na esfera criminal.
Os que apoiam a descriminalização dizem que a criminalização fere o direito à privacidade e não mostrou resultados na redução do consumo e do tráfico, sendo mais adequado adotar políticas de prevenção. O que é verdade.
Os críticos acreditam que a medida pode aumentar o consumo e o tráfico, argumentando que o direito individual não deve ser colocado acima da saúde pública. Este último argumento não se comprovou nas dezenas de países que já fizeram a escolha de tratar o consumo de drogas como uma questão de saúde pública.
O julgamento que volta à pauta foi iniciado em 2015 e, à época, três ministros votaram a favor da descriminalização da maconha, mas apenas Gilmar Mendes se posicionou pela descriminalização de qualquer tipo de droga —o que faz todo o sentido, pois, em geral, os usuários das drogas com maior risco de causar dependência são os que mais precisam de cuidado.
Ainda se discute se a corte irá definir uma quantidade para diferenciar de forma objetiva o que é porte para consumo do que é tráfico. Deveria, porque a definição de parâmetros é essencial para evitar que consumidores sejam enquadrados como traficantes, reduzindo o número de pessoas presas indevidamente no país. Para apoiar essa análise, o Instituto Igarapé e diversos especialistas, produziram uma nota técnica com cenários para fixar os critérios objetivos de quantidades no Brasil.
Entre 2008 e 2016, fui secretária-executiva de duas comissões internacionais lideradas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e compostas por líderes globais como Kofi Annan, Richard Branson, Paul Volcker e diversos ex-chefes de Estado. Foram elas, a Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia e a Comissão Global de Políticas sobre Drogas.
Naquele período, dialogamos com dezenas de especialistas, visitamos experiências de êxito mundo afora e produzimos relatórios que viraram referência para as mudanças ocorridas na ONU e em países como Colômbia, EUA, México e Uruguai. Para ajudar a disseminar as informações desse trabalho no Brasil, criamos a rede Pense Livre, escrevi um livro e preparamos material de apoio para pais e professores sobre como melhor lidar com essa difícil questão.
Desde então, afirmo que as políticas de drogas atuais causam muito mais danos do que o consumo de drogas em si. O imenso custo humano e financeiro da política atual é injustificável. Perdemos todos: dependentes químicos e suas famílias, que deixam de ter mais opções de tratamento, e a população em geral, pois o impacto negativo é sentido na ineficiência do trabalho policial, na trágica situação prisional, nos enormes problemas de segurança pública —incluindo a interseção com o crime ambiental—, na inaceitável vitimização da juventude negra e na atenção tardia, e muitas vezes equivocada, à saúde mental.
Que nesta quinta-feira o STF conclua o julgamento da forma como vem fazendo —a partir de argumentos científicos. E que, para além da descriminalização do usuário de todas as drogas, com definição de critérios de quantidade adequados, o Brasil avance rápido na direção de políticas de drogas mais humanas e eficazes, incluindo a regulação da cannabis medicinal e do uso da cannabis por adultos.
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