Só tem sentido rever o Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) de 2014, cujo horizonte temporal é 2029, se ele corrigir problemas e distorções identificados na sua implementação. Isso não está ocorrendo.
O projeto de lei da revisão, apresentado pela gestão Ricardo Nunes (MDB), não descaracteriza o PDE, mas agrava alguns problemas, como a ampliação do número de garagens nos eixos de transporte coletivo —sem ser suficientemente ousado para enfrentar questões urgentes, como a emergência climática e a carência habitacional.
Já o substitutivo do relator, vereador Rodrigo Goulart (PSD), é muito pior, um enorme retrocesso. Praticamente anula a estratégia de estruturação urbana do PDE, propondo uma verticalização dispersa e sem limites, elitizando ainda mais os eixos de transporte coletivo e comprometendo definitivamente os miolos dos bairros.
Sem estudos técnicos para respaldar suas propostas, o substitutivo da Câmara desconsiderou as vozes das associações de bairros e os mais de 230 estudos e pesquisas apresentados nos fóruns SP21 e SP23, promovidos por entidades profissionais e acadêmicas, assumindo, sem pudor, a maioria das sugestões da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc).
Urge evitar a aprovação desse substitutivo, a toque de caixa, pela base governista do Legislativo. É necessário mais tempo para, em um processo transparente de estudos e debates, promover uma revisão que promova os ajustes necessários no PDE —em vez de agravá-los. Este artigo é curto para uma análise detalhada do substitutivo e para apresentar soluções que possam ser pactuadas para corrigir os problemas identificados, mantendo a estratégia urbanística do Plano Diretor Estratégico.
Ela está baseada no adensamento populacional no entorno imediato do transporte coletivo para desestimular o uso do automóvel, ampliar a oferta de habitação de padrão médio e popular, aproximar a moradia do emprego e promover o uso misto e a fachada ativa.
Nessa zona, com raio de 600 m em volta das estações de metrô e trem e de até 300 m ao longo dos corredores de ônibus, os edifícios não têm limite de altura, mas a área computável média dos apartamentos fica limitada a 80 m2, com uma garagem por unidade. Em compensação, os miolos dos bairros ficam mais protegidos, com a altura dos edifícios limitada a, no máximo, oito pavimentos e menor adensamento.
Esse ordenamento é descaracterizado pelo substitutivo que, no artigo 23º, estende o raio no entorno das estações para 1 km e a faixa nos corredores para 450 m, mais do que dobrando a zona de verticalização sem limite. Se aprovado, teríamos em quase todo o centro expandido edifícios com a volumetria da atual avenida Rebouças.
Ademais, nesse amplo território, seriam permitidos apartamentos com mais de 120 m2, mediante pagamento de uma outorga onerosa mais elevada (art. 79º) e com mais garagens, uma a cada 60 m2 (art. 80º).
Isso contraria os objetivos do PDE nos eixos de transporte, pois gera densidades populacionais mais baixas, mais carros e apartamentos mais caros, ampliando a elitização dessa região. No pouco que sobrar dos miolos dos bairros, o art. 38º possibilita elevar o coeficiente de aproveitamento para três (hoje é dois).
Várias portas são abertas para a verticalização e/ou aumento de coeficientes: como no Arco Tietê, mesmo sem projeto urbanístico —ao contrário do que determina o PDE (art. 22º) e com a alteração das normas referentes à Cota de Solidariedade (art. 36º), à Transferência do Direito de Construir (Art. 41º) e às Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social, art. 19º). O art. 37º permite o pagamento da outorga onerosa por meio de execução de obras.
Outra excrescência, desconhecida na teoria urbanística, é a criação da zona de concessão. Nos parques, cemitérios, mercados e equipamentos concedidos ao setor privado, as normas de uso e ocupação do solo poderão ser alteradas, levando à descaracterização desses espaços públicos em benefício dos concessionários.
O substitutivo não promove uma revisão intermediária do PDE, com ajustes para corrigir problemas identificados na implementação, mas o altera inteiramente como se fosse um novo Plano Diretor, com o objetivo de facilitar a promoção imobiliária sem sequer apresentar uma estratégia urbanística para a cidade de São Paulo. Não pode ser aprovado.
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