Durante a campanha eleitoral, Lula referiu-se a Bolsonaro como um "bobo da corte". "Acabou o presidencialismo. Bolsonaro não manda nada, é refém do Congresso". Na primeira reunião ministerial do governo reconheceu o risco de tornar-se um: "nós não mandamos no Congresso, nós dependemos dele". Decorridos cinco meses, já vemos os sinais que o risco está se materializando.
Era previsível: trata-se de um presidente hiperminoritário cujo partido detém 13% da Câmara e que conta com um apoio leal de meros 130 deputados (1/4 da câmara). Essa configuração já existiu no passado. Mas muita coisa mudou: a economia, estressada; o Legislativo, muito mais centralizado (legado da pandemia e Bolsonaro), muito menos fragmentado, e com muito mais recursos; o país virando à direita.
Sim, as derrotas do governo foram muito além do esperado. Não se trata de batalhas perdidas em iniciativas pontuais: a sina da MP da reorganização do Executivo atinge a própria capacidade do governo de definir a estrutura ministerial e nela distribuir competências. É o núcleo duro da estratégia do Executivo na montagem da coalizão governativa. O malogro aqui é inédito no presidencialismo brasileiro. E surpreende sobretudo porque começou com um bônus inesperado (o 8 de janeiro).
A forma do Executivo acomodar uma maioria congressual com preferências distintas envolve antes de tudo a partilha do gabinete.
Por isso Lula criou 17 pastas novas. A reorganização é uma forma de acomodar inúmeros interesses. É por isso que em países hiperfragmentados os ministérios chegam a mais de 70, como já discuti aqui na coluna.
A estratégia global do governo é nova. Marcada por uma espécie de hiperdelegação no plano doméstico, ele subestimou enormemente as dificuldades potenciais. No plano externo os frutos mais fáceis de colher, o malogro virou vexame.
Na intersecção dos dois planos, o meio ambiente é crítico. O símbolo do fracasso.
Há dois cenários polares nas relações Executivo-Legislativo. O primeiro é ilustrado pelo cesarismo do presidente colombiano, Gustavo Petro, que, em resposta à derrota de sua reforma sanitária, destituiu titulares dos ministérios e ameaçou: "a tentativa de restringir as reformas pode levar à revolução. O que é preciso é que o povo esteja mobilizado". Chamemos de pesadelo de Juan Linz (1926-2013): a crise de legitimidade dual quando um presidente minoritário unilateralmente tenta impor a sua agenda ao Congresso. O segundo, seria um presidente que navega os mares da governabilidade em modelo pleno de partilha de poder, característico de frentes amplas.
Entre um e outro há um continuum de possibilidades intermediárias. Todos complicados.
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