Vladimir Putin é um mistério. Que ele agrade à maioria dos russos é explicado pelo fato de ser um autocrata com um pé fincado no populismo. O que surpreende é que, fora da Rússia, ele seja visto com simpatia tanto pela direita como por setores da esquerda.
O direitista Jair Bolsonaro foi visitá-lo às vésperas de ele ordenar a invasão da Ucrânia; o esquerdista Lula, embora tenha recentemente ajustado suas falas, já passou o pano para o ditador, dizendo que Kiev e Moscou tinham a mesma responsabilidade pela guerra.
O fascínio que Putin exerce sobre a direita tem a ver, acredito, com as bandeiras conservadoras que ele vem empunhando nos últimos anos, com destaque para a defesa da religião e a forte oposição ao chamado globalismo e a causas liberais como os direitos de homossexuais.
No caso da esquerda, parece haver um componente inercial. Os mais saudosistas veem a Rússia como sucessora da URSS, a pátria do socialismo. Mas o que mais pesa, creio, é o fato de Putin colocar-se como contraponto ao propalado imperialismo ianque. Os inimigos de meus inimigos são meus amigos. É fato que os EUA frequentemente agem de forma imperial, mas daí não decorre que estejam sempre errados. Há ocasiões, como a da Guerra da Ucrânia, em que a Casa Branca está do lado moralmente certo.
Procurar coerência nas posições clássicas da esquerda e da direita sempre foi tarefa difícil. Nunca entendi como a direita podia invocar o princípio da sacralidade da vida para condenar o direito ao aborto, mas varrê-lo para baixo do tapete na hora de defender a pena de morte. De modo análogo, tenho dificuldades para acompanhar o discurso da esquerda liberal que se socorre da autonomia individual para propugnar pelo direito de usar drogas, mas rejeita o argumento quando usado a favor da legalização do jogo.
A lição que fica é que devemos sempre desconfiar dos pacotes ideológicos que nos chegam prontos.
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