Delacroix, depois de grandes sucessos como pintor em Paris, parte para a África do Norte. Passa ali sete meses e volta transformado. "Como eles me enganaram!", teria exclamado ao contemplar a vida dos marroquinos e algerianos.
Os movimentos lentos e harmoniosos das pessoas; as roupas —jelabas e cafetãs— habitadas por gestos lentos e harmoniosos, admiravelmente coloridas; a luminosidade mediterrânea, mudaram por inteiro sua pintura.
Aquele "como eles me enganaram" se referia ao neoclassicismo de David e de sua escola, que lhe parecia artificial e falso diante do classicismo nobre natural, autêntico, que descobria no quotidiano dos árabes. "Lá, tudo é só ordem e beleza,/ Luxo, calma, volúpia": Baudelaire, "Convite à viagem".
No século 19, a procura pelo exótico nem sempre se pautou apenas por um interesse superficial e pelo frisson da moda. Em alguns casos, significou a busca e a descoberta de um núcleo em que a estabilidade, a harmonia e o equilíbrio, negados pela agitação da sociedade industrial, resultavam em um classicismo essencial, para além das cópias da antiguidade que se faziam nas escolas de belas-artes.
Delacroix encontrou seu classicismo no Magreb. Mais tarde, Gauguin encontraria o seu nas ilhas do Pacífico.
É esse Paul Gauguin que agora o Masp revela na exposição consagrada ao artista.
A exposição tem muitas qualidades. Não é uma dessas mostras "enlatadas", que vêm prontas de fora: podem ser interessantes e trazerem belas obras, mas quando são bem pensadas por curadores locais, adquirem outro sentido. Além disso, possui um foco preciso, muito diversa das exposições que, sob títulos gerais, não passam de vagos pretextos para reunir uma produção disparate, sem verdadeira conexão e coerência.
As obras de Gauguin vindas de várias coleções internacionais se entrelaçam com os dois quadros que o museu de São Paulo possui dele, o "Autorretrato (junto ao Gólgota)" e o "Pobre Pescador".
O Masp já teve "José e a Mulher de Potifar", todos os três pintados por Gauguin no Taiti no ano de 1896, mas este último teve que ser devolvido à galeria Wildenstein por falta de pagamento em épocas de vacas magras.
O projeto de uma exposição assim é essencial para a percepção mais profunda do acervo. Faz tempo que o Masp, voltado muito mais para as artes de hoje, mostra desinteresse pelo projeto humanista original de Pietro Maria Bardi e de Assis Chateaubriand, o de formar, no Brasil, um museu antológico que recobrisse a história das artes ocidentais.
Razão a mais para nos alegrarmos com essa exposição, que põe em evidência e em paralelo bem pensado —excelentes fichas explicativas acompanham as telas— com outras obras, duas delas capitais de seu acervo.
Em uma época em que museus brasileiros não hesitam em se desfazerem de um Pollock essencial ou de uma Louise Bourgeois fabulosa porque são estrangeiros e o que entendem é "priorizar arte brasileira", em um nacionalismo rasteiro e tacanho, pôr em evidência um acervo constituído de grandes obras-primas universais é um gesto de grande importância.
Além disso, embora seja uma reunião concentrada de quadros, 21, e de (sublimes) gravuras, 20, estão longe de serem produções menores. Ao contrário, são obras muito bem escolhidas, muito importantes, vindas de várias partes do mundo. É, portanto, uma exposição que revela reflexão e estudo, coisa cada vez mais rara no meio artístico brasileiro.
Ela põe em evidência esse "classicismo" de Gauguin que eu chamaria de "classicismo arcaico", na falta de expressão melhor. Um classicismo que atinge seu apogeu na pintura realizada por ele nos trópicos, feita de composição pensada e equilibrada, tanto na plenitude dos volumes quanto nas cores, poderosas, mas graduadas para evitar a violência excessiva nos contrastes.
Esse classicismo tem seus referentes —Cézanne (basta ver a esplêndida "Natureza Morta com Cesta Quadrada", do museu de Oslo) ou Puvis de Chavannes (perceptível em tantas telas, em particular na essencial "Mahana no Atua", de Chicago)— e o arcaísmo também —a arte egípcia, da qual o "Pobre Pescador" oferece um excelente exemplo— e as formas descobertas entre os polinésios. Tudo isso, e mais, converge para uma síntese de poderosa originalidade.
Em consequência, os nus das nativas, um de seus temas favoritos, adquirem aquela beleza distante, soberana, cuja admirável sensualidade situa-se em um mundo de grandezas superiores, nada possuindo dos nus canalhas que então entupiam as exposições de pinturas europeias.
Não são mulheres comuns, ocidentais, despidas de suas roupas para um estímulo sexual imediato. Quando exibidos na Europa, assustaram os contemporâneos. Possuem algo de divino, pertencem a um universo que não é o nosso e que é superior ao nosso. Como o Davi de Michelangelo ou a Vênus de Milo.
Porque, justamente, classicismo e arcaísmo devem aqui ser entendidos como uma busca feita por uma ascese, que nos leva para o mundo de comunhão misteriosa entre cultura e natureza, mundo que Gauguin sente ter existido entre os nativos da Polinésia, e que, melancolicamente, ele percebe ruir graças a infiltração do Ocidente.
É nas gravuras que os arcanos desse mundo se manifestam com vigor: Gauguin fez medrar o gosto pelas xilogravuras rudes e fortes, pela simplificação eloquente, pelas formas bárbaras e ardentes de mistérios ocultos e primordiais.
A arte significa aqui, portanto, uma abertura para a espiritualidade: Gauguin traça um caminho que chegará até Kandinsky. É por essa busca de superiores percepções indizíveis que ele merece o rótulo de "simbolista", como é classificado com frequência.
Nisto, está em sintonia com as vanguardas do seu tempo, e não é difícil descobrir em suas pinturas esplêndidas sinuosidades vegetais que nos remetem ao art nouveau, o gosto por evidenciar estampas de tecidos e acordes cromáticos que levam até Matisse.
Pintor das superfícies, pintor da linha: decorou a parede de seu quarto, quando se refugiara na Bretanha, com reproduções da "Olímpia", de Manet, vários Puvis, estampas japonesas, o "Nascimento de Venus", de Botticelli, a "Anunciação" de Fra Angelico, todos poetas da linha e do desenho que contorna.
Em sua juventude, Gauguin foi marinheiro e, em seguida, agente de câmbio, bem estabelecido, casado, com filhos. Mas enquanto negociava na bolsa de valores, começou a pintar. Na entrada da exposição, para completar o autorretrato pertencente ao Masp, os curadores dispuseram outros três.
Um deles, o impressionante "Gauguin Diante de seu Cavalete", de Fort Worth, tão estruturado na composição, mostra o pintor tentando sair, pelo olhar, pela expressão, desse enquadramento e da vida bem arranjada para se lançar nos caminhos incertos da pintura de vanguarda.
Outro autorretrato nos leva para o mundo da Bretanha: antes de atravessar o oceano, Gauguin escapava da agitação e da futilidade parisiense para se refugiar, com um bando de artistas, nessa região chuvosa da França. É o quadro "Bom Dia, Senhor Gauguin", na versão do Hammer Museum de Los Angeles. Ele constitui um comentário angustiado sobre o conhecido "Bom dia, Senhor Courbet", em que o pintor da "Origem do Mundo" mostrava os caminhos da arte marginal, independente.
Mas, enquanto Courbet, em seu quadro, triunfa sobre o público, simbolizado por um colecionador, muito seguro de suas certezas, Gauguin está encolhido num casacão, o rosto encoberto por um boné e é saudado por uma camponesa. As trilhas marginais não são nada seguras nem triunfantes, e a comunhão com o mundo humilde dos camponeses é mais importante do que o reconhecimento dos poderosos.
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