Tarde da noite no Parque Olímpico da Barra. Jornalistas e fotógrafos se amontoam no circular que leva ao portão de saída, de onde a jornada continua em outro ônibus até as vilas de mídia e os hotéis. Vinda do banco de trás, a voz soa familiar. Um sujeito grande, ao lado de um bem menor, fala com desenvoltura, relatando o que parece ter sido seu dia de trabalho cheio de entrevistas.
A ficha cai rápido, o grandão é aquele ex-nadador tornado comentarista na Rio-16. Sua voz alta destoa do silêncio cansado da maioria e de um polido diálogo em alemão de colegas de uma agência de notícias. “Nossa, incrível”, diz em determinado ponto o sujeito menor, assistindo a um vídeo no celular. “Quando apareceu na minha frente falei: ‘Vou fazer esse aí chorar’. E o cara chorou”, explica o ex-nadador sobre sua performance de repórter com vaidade.
O episódio de há cinco anos volta à memória na manhã de sexta (30). Na TV, a repórter do SporTV pergunta a Tamires, da seleção de futebol, sobre a promessa feita ao filho de trazer a medalha que não vem mais, pois o time acaba de ser eliminado. “Ele tem orgulho de você”, afirma a jornalista, meio que para justificar a pergunta. A lateral, até ali séria e equilibrada, não segura as lágrimas, mas vai direto ao ponto: “Você gosta de fazer chorar, né?”. E emenda a resposta com uma frase de intimidade ou ironia, difícil precisar: “Sua filha também está orgulhosa de você”.
Tóquio-2020 são os Jogos da pandemia e dos nervos à flor da pele. Os tempos difíceis aproximam os envolvidos, justificam a condescendência. No estádio esvaziado pela peste, os aplausos para Rebeca Andrade vêm dos jornalistas e das delegações, único público presente, relata a Folha. Em Tsurigasaki, o repórter da Globo chora junto com o primeiro campeão do surfe, Italo Ferreira. A voz embargada ganha a aprovação das redes sociais, nossa nova bússola moral, no bom ou no mau sentido.
Pelas redes ficamos sabendo da disputa entre as estrelas do street, o mais novo dos esportes nacionais; da discussão sobre o peso de Rebecca, do vôlei de praia; do barraco virtual entre a goleira Bárbara e uma atleta paraolímpica; dos inúmeros testes de resistência das camas de papelão reciclável da Vila Olímpica; do test-drive de privada eletrônica transmitido pelas meninas do skate park no Tik Tok.
O gigantesco evento tem 10 mil atletas e centenas de entidades produzindo conteúdo próprio sem parar. O jornalismo profissional, limitado pela bolha montada para conter a Covid-19 no Japão e por equipes resumidas, é mais passageiro do que nunca.
Os tempos são outros. É possível desistir da competição e ser celebrada pela coragem de tomar essa atitude, mostra Simone Biles; é possível festejar a não necessidade de maiô na ginástica; é possível ver Marta comemorando gol com recado para a namorada. Tóquio são os Jogos da saúde mental, das mulheres e da diversidade. De Jornal Nacional relatando medalhas com trilha sonora, música de suspense e consagração. De repórteres usando a primeira pessoa do plural, vamos conquistar mais uma, vai lá, Time Brasil. Um suando, o outro segurando o microfone.
Nada de novo, mas com pandemia, haja coraçãozinho.
É O FRIO
O inglês The Guardian, em 2019, fez uma série de alterações editoriais relacionadas à cobertura do clima. A ideia era mudar radicalmente o tom do jornal, levar a sério a ameaça ao planeta. O ameno “mudança climática”, por exemplo, foi trocado por termos mais graves, como “crise” e “emergência do clima”. Imagens de onda de calor na Europa? Esqueça a foto da jovem se refrescando no chafariz em Roma, prefira o registro do incêndio florestal em Portugal. Parecem detalhes, mas é neles que uma mudança de cultura mora.
A gelada semana que passou propôs desafio semelhante aos diários brasileiros. Neve de turista no Sul sempre é notícia, assim como a preocupação com a população de rua em São Paulo. Ao cardápio, desta vez, somaram-se fortes geadas no Sul e no Sudeste.
A Folha escapou da festa na serra gaúcha com uma imagem de plantação de hortaliças sendo envelopada no Paraná em sua Primeira Página de quinta (29). O estrago deve afetar abastecimento e preços.
Se escolher a foto não foi problema, discutir a onda de frio à luz da crise climática não foi prioridade para quase ninguém. Um dos poucos a se debruçar sobre o tema foi o braço local de uma agência estrangeira, a BBC Brasil. A discussão é modesta também na crise hídrica e pouco se explorou o absurdo da privatização da Eletrobras prever 8 GW de termelétricas a gás natural.
Claro, tudo isso parece preciosismo diante de uma Amazônia queimando e de um governo delinquente ambiental. Como mostra o Guardian, no entanto, mudar de rota é não prescindir nem dos detalhes.
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