sábado, 5 de junho de 2021

Não é mais o momento de votar reformas constitucionais complexas, Marco Mendes, FSP

 Reformas econômicas eficazes costumam afetar interesses organizados, que a elas resistem. Por isso, tendem a ser mais bem-sucedidas em início de mandato, quando o presidente está com cacife político alto.

O governo atual caminha para o último ano de mandato, com popularidade desgastada. No Congresso, é refém do centrão. Mesmo assim insiste em duas reformas complexas: tributária e administrativa.

Não é mais o momento. A aprovação pode custar caro, e as reformas sairão distorcidas, gerando ineficiência e custo econômico por década à frente. Podem agravar o que se quer melhorar.

Eventos recentes são eloquentes. A tão sonhada privatização da Eletrobras virou um festival de captura de recursos públicos e de distorções da política energética. Conseguiu a proeza de fazer defensores históricos da privatização pedirem a interrupção do processo. Se aprovada, empobrecerá o país.

PEC Emergencial entregou quase nada em termos de ajuste fiscal, mas custou R$ 16 bilhões em emendas parlamentares. O Congresso recriou a emenda de relator, demonstrando a fraqueza do Executivo no Parlamento, confirmada pelos vetos presidenciais, derrubados como moscas.

Insistir em reforma tributária trará resultados que nada têm a ver com reforma: um novo Refis, aumento na faixa de isenção do Imposto de Renda e a CPMF. Além disso, será aberto o leilão das alíquotas favorecidas e tratamentos especiais. A reforma administrativa já saiu do Executivo protegendo magistrados, parlamentares e os atuais servidores. É grande a chance de militares, policiais e outros grupos bem organizados terem privilégios blindados na constituição.

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Uma vez criados, distorções e privilégios se eternizam. Melhor esperar mais um ano, para que o governo empossado em 2023 retome as discussões.

A história recente oferece exemplo bem-sucedido de como mudar a agenda de reformas em resposta à fragilização do Executivo ante o Congresso. Em maio de 2017, a reforma da Previdência estava prestes a ser aprovada. Denúncia contra o presidente Temer desestabilizou o ambiente político. Insistir com a Previdência naquele momento teria sido um erro.

Mudou-se o foco para outras reformas. Aprovaram-se a mudança nos juros do BNDES (TLP), o cadastro positivo, a duplicata eletrônica e o novo Fies. O tema da Previdência não morreu e foi retomado no início do atual governo.

Recentemente também houve reformas bem-sucedidas. Importante entender as condições que as viabilizaram.

autonomia do Banco Central foi aprovada depois de décadas de resistência ideológica, que diminuiu diante do menor número de parlamentares de esquerda no atual Congresso.

marco regulatório do saneamento ganhou impulso quando se percebeu que, em plena pandemia, as pessoas não tinham água em casa para lavar as mãos. A histórica resistência unida dos governadores foi quebrada, que reconheceram o esgotamento do modelo anterior e anteviram ganhos fiscais com as privatizações. Os sindicatos dos servidores das estatais encontraram menos apoio político em um Congresso centrista.

lei do gás avançou porque a principal beneficiária do modelo anterior, a Petrobras, decidiu sair desse mercado, até porque já havia sido instada pelo Cade a fazê-lo.

O aperfeiçoamento da lei de falências se impôs, diante dos estragos econômicos da Covid.

Essas experiências exitosas têm características comuns: seus detalhes foram tratados intensamente no nível técnico, contaram com o apoio de um núcleo relevante de parlamentares, segmentos empresariais se uniram em torno de um texto de consenso, as resistências estavam enfraquecidas.

E mesmo assim não foi fácil aprovar cada uma delas. Em vários momentos em que estiveram sob o risco de sair de controle --como ocorre agora com a Eletrobras-- a matéria foi retirada de pauta, até que voltasse a haver segurança na discussão.

Nenhuma delas foi PEC, que tem quórum elevado e por isso custa mais caro. Além de não poder ser vetada, depois de aprovada.

A única serventia atual do debate de reformas complexas é manter o Congresso ocupado, sem espaço para inventar a própria pauta, o que poderia ser ainda pior. O risco é aprovarem alguma coisa.


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